Gonçalo ficou só, montado no seu cavalo, depois de ter visto
partir o companheiro. A manada encontrava-se a umas centenas de metros. Mais
outros dez ou doze vaqueiros rodeavam-na, vigilantes, atentos, enquanto as
reses dormiam sobre a erva fofa.
A cerca, de postes de ferro e arame farpado, estava também À
vista de Gonzalo. Sempre que fazia serviço de noite costumava colocar-se ali. O
facto tinha explicação.
Ia à procura do grande toiro de cobrição, o «Senior», de
raça Hereford, grande amigo seu, que admirava pela enorme corpulência, a
mansidão, o desvelo contínuo pelas fêmeas e bezerros da manada, como um pai
carinhoso.
Tirou de um saco que trazia à garoupa do cavalo, com as suas
provisões, algumas grandes beterrabas doces, tão do agrado do gado, e partiu um
par delas, com a navalha em pedaços pequenos. Depois, descendo do corcel,
avançou lentamente para a manada, que ocupava uma grande extensão da pradaria.
Começou a assobiar de uma maneira especial, com modulações, enquanto prosseguia
no seu lento avanço.
Não tardou em destacar-se uma mancha escura, de entre as
reses deitadas ou em pé. Era o grande «Senior», o toiro de cobrição que
«Callahan, havia quatro anos, importara de Inglaterra, quando o animal ainda
tinha apenas seis meses. Custara ao granadeiro dois mil dólares mais os gastos
dos transportes.
O toiro mugiu surdamente. Um mugido amistoso, enquanto
avançava pesadamente, apoiando as curtas patas no chão como se lhe desse
trabalho movimentar a mole de cerca de setecentos quilos de peso.
- Cada dia mais preguiçoso, meu amigo – disse Gonzalo,
rindo. – Ande e venha cá, faça um pouco de exercício. Venha; não pense que eu
vou servi-lo de joelhos, sultão.
O touro mugiu, erguendo a grande cabeça vermelha com manchas
brancas, em que mal se distinguiam os chifres. Era um belo exemplar, talvez o
melhor de todo o grande rebanho de duas mil cabeças. Contava já numerosos
filhos, alguns deles também grandes como ele e da sua pura raça.
O animal chegou por fim ao pé de Gonzalo que tinha na mão um
bocado de beterraba. Deu-lhe um empurrãozito amistoso com a testa, no peito,
que fez o homem recuar violentamente.
- Não sejas tão carinhoso, locomotiva – exclamou Gonzalo,
sentido. – E come isto para teres sempre uma boa recordação do teu amigo –
afagava-o na testa, atrás das orelhas, na concavidade da queixada, enquanto o
touro comia deliciado a beterraba. – Não sabe que o patrão partiu para sempre,
«Senior»? Foi ele quem o trouxe a esta bendita terra e a você parece que não
lhe importa nada saber que ele foi assassinado…
O touro pediu outro bocado de beterraba, enquanto abanava
amistosamente a longa cauda rematada por um penacho vermelho e branco. Não
parecia, com efeito, ter-se dado por ciente daquela grande desgraça. Mastigava
devagar a polpa adocicada, caindo-lhe da boca espessa saliva.
Gonzalo contemplava-o sempre com admiração. Agradava-lhe o
seu grande tamanho, o seu enorme vigor, e, talvez, sobretudo, e com certa
inveja, o facto de o animal ter tantos filhos robustos.
Gonzalo, solteiro, ansiava, naquele seu ofício ingrato, pelo
amor: ter uma mulher de quem gostasse e que o amasse. É certo que havia no
rancho algumas criadas mexicanas, e sobretudo Lolita agradava-lhe
particularmente. Talvez se chegasse a casar com ela, apesar de Lolita ser
coquete e gostar de fazer negaças.
Acabados os bocados de beterraba, «Senior», que tinha estado
constantemente a voltar a cabeça na direção da manada como atento guardião das
suas fêmeas e bezerros, deu meia volta, depois de mugir poderosamente e
procurar o corpo de Gonzalito para dar-lhe outro empurrão de despedida,
disposto a voltar ao seu lugar.
(Coleção Pólvora, nº 48)
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