domingo, 7 de outubro de 2018

CLF017.14 Perseguição

Eddie entregou as últimas fatias de presunto a Joyce e seu pai.
—São as últimas.
McCarey e sua filha trocaram um olhar, preocupados.
— Ainda faltam muitos dias para chegar a Hondo — murmurou a rapariga. — Como vamos comer?
O jovem dirigiu um olhar pela paisagem desértica que os rodeava a perder de vista.
—Não sei. Espero encontrar qualquer solução, mas se esta não surgir...
—Teremos que sacrificar um dos cavalos —disse McCarey adivinhando os seus pensamentos.
—Talvez não seja necessário—murmurou Eddie.
Joyce ofereceu-lhe uma fatia.
—E tu? Não queres comer?
—Não tenho- apetite, obrigado—respondeu ele. —Dá a teu pai. Enquanto comem vou ver se há qualquer vestígio dos nossos adversários.
Deixou a jovem e o ferido sentados junto duns arbustos e dirigiu-se ao cume duma colina rochosa. Passaram-se já vários dias de viagem pelo deserto e o jovem começava a temer que a sua aventura tivesse um mau final.
Apesar do racionamento rigoroso, tinham terminado as provisões de comida e estavam quase a esgotar a última gota de água. Além disso, McCarey estava a perder forças dia a dia, embora não se queixasse. A palidez do rosto ia aumentando e perdia peso a olhos vistos.
O deserto era sempre duro e muito mais se tornava insuportável para um homem que estava forçando o organismo debilitado a um esforço tremendo. A ferida não estava completamente sarada e corria o risco de infetar.
Ao chegar ao cume da colina Eddie observou detidamente o vasto horizonte na sua frente. Os seus olhos, acostumados às grandes distâncias, eram capazes de registar qualquer movimento na montanha do deserto.
—Eddie.
O jovem voltou a cabeça surpreendido. Atrás dele estava Joyce que o tinha seguido na escalada da colina.
—Estás aprendendo a mover-te tão silenciosamente como um índio.
Ela em vez de responder, acercou-se um pouco mais. Tanto nos seus olhos, como em todo o lindo rosto havia uma estranha expressão.
— Eddie, porque te recusaste a comer?
—Já te disse; não tenho apetite.
 Joyce colocou as mãos sobre os ombros do seu noivo, umas mãos pequenas e morenas.
—Não sei o que te faz pensar... A tua atitude só se justifica porque quiseste dar a meu pai a parte que te pertencia. Esta é que é a verdade.
O jovem tentou evitar o seu olhar.
—Não sei que te faz pensar... Mas não pôde continuar.
Joyce cortou as suas palavras colando os seus lábios nos dele num longo e apaixonado beijo. Estreitou-o ainda mais contra si, e sussurrou-lhe ao ouvido:
—Amo-te, Eddie. És... és o homem mais bem formado que tenho conhecido.
Ele sorriu com certa amargura, enquanto acariciava os suaves cabelos da rapariga.
—Muita gente ficaria horrorizada com a ideia de que eu pudesse ser uma boa pessoa.
—E entretanto, és um verdadeiro cavalheiro e um bom coração. Só uma pessoa com a tua bondade teria sido capaz de acorrer em meu auxílio. Tu não me conhecias quando decidiste acompanhar-me desinteressadamente nesta aventura.
E encostou a sua face na dele. Ele beijou-a novamente e depois disse muito baixinho:
— Bom, não o fiz tão desinteressadamente como dizes. Se decidi acompanhar-te, foi para não me afastar de ti.
Ela olhava-o com uma expressão de felicidade nas pupilas.
—Não me vais dizer que ficaste a gostar de mim logo à primeira vista.
Ele confirmou.
— Ainda que estranhes, assim aconteceu. Quando te vi junto do teu cavalo morto, reparei que eras por demasiada diferente de todas as outras e senti o impulso de te proteger. Claro que então não sabia que estava a apaixonar-me por ti, mas a verdade é que estava mesmo.
Joyce tomou-lhe o rosto entre as mãos.
—Todavia, não consigo entender como te converteste num pistoleiro temido por toda a gente.
—Fiquei só, muito novo ainda, e a minha habilidade pelas armas de fogo conduziu-me a este caminho. Quando se é adolescente, é difícil resistir à estúpida vaidade de vencer os mais famosos pistoleiros. Quase sem dar conta disso passei a ser um deles. Mas posso entretanto assegurar-te que sempre lutei cara a cara, com nobreza, e em todas as ocasiões o meu adversário «sacou» primeiro.
Fez uma pausa e prosseguiu, ternamente:
— Se te tivesse conhecido antes a minha vida seria hoje muito diferente.
— Ainda estás a tempo de começar uma nova vida. Eu sempre estarei a teu lado para te ajudar.
O rosto de Eddie tornou-se grave.
—Sim; talvez ainda esteja a tempo.
A rapariga advertiu a ausência de convicção que se adivinhava na sua voz e observou-lhe:
—Temes que não possamos alcançar Hondo? Sim, tens razão; meu pai está muito pior. E agora ficámos sem alimentos.
Eddie enlaçou-lhe os ombros.
—E indiferente, não estejas preocupada. Tudo farei para que saiamos daqui. Não é caso para perder as esperanças. Lutaremos até ao fim. Muitas vezes consegui vencer situações muito mais difíceis do que esta. Nunca devemos perder a fé.
—E Winters? Tu acreditas que nos deixará alcançar a meta? Não nos estará perseguindo com toda a sua gente?
Eddie afastou-se da rapariga.
—Também ele será vencido; tenho a certeza.
Voltou a dirigir um olhar pela planície desértica, tudo esquadrinhou minuciosamente. As palavras de ânimo que dirigira à rapariga não eram sinceras. Sabia melhor que ninguém a situação crítica em que se encontravam, mas que teria ganho em lançar o pânico no espírito de Joyce? Do que estava certo é que lutaria por ela até derramar a última gota de sangue. A sua vida pelo menos, tinha agora uma missão digna: sacrificar-se, se necessário, pela mulher amada.
Subitamente, a torrente de pensamentos que afluíam, deteve-se... Acabava de divisar ao longe, no horizonte, a muitas milhas de distância, uma nuvem de poeira. Sabia de sobra o que aquilo significava. Cavaleiros. Voltou-se na direção de Joyce e deu-lhe o braço.
—Vamos. Temos que partir imediatamente.
Ela, alarmada, perguntou a medo:
—Seguem-nos?
O homem concluiu que não valia a pena mentir, e por isso respondeu:
—Sim, mas estão ainda bastante distanciados.
Desceram a colina e foram ter com McCarey. Pouco depois estavam novamente cavalgando. Eddie reparou que o ferido tinha o rosto crispado e mantinha-se na sela com grande dificuldade. Gotas de suor escorriam pela pálida fronte.
Cavalgaram sem descanso durante todo o dia. Quando por fim, fizeram alto, McCarey parecia ter atingido o limite das suas forças. Deixou-se cair por terra respirando com dificuldade. Tinha alguma febre certamente provocada pela penosa jornada. Envolveram-no cuidadosamente numa manta e em seguida o homem adormeceu.
—Descansa tu também—disse Eddie para a rapariga. —Eu fico de guarda.
—Achas que nos possam alcançar esta noite?
—Não, porque nos separa uma grande distância. Mas, de qualquer modo não quero deixar-me surpreender.
Joyce beijou-o docemente nos lábios.
—Algum dia te darei a recompensa por tudo quanto tens feito por nós.
No outro dia, Eddie conseguiu, mediante uma armadilha em laço, caçar uma lebre que estava oculta entre as moitas. Deste modo puderam comer, mas em contrapartida a água terminou até à última gota.
Às primeiras horas da tarde sucedeu o inevitável. Eddie tinha observado dum alto duma colina que os seus perseguidores estavam bastante mais perto, obrigando os seus companheiros a acelerarem a marcha. Estavam agora numa zona em que o terreno era rochoso e sobre o qual o sol incidia implacavelmente.
McCarey que seguia sem proferir palavra, subitamente escorregou da sela e caiu desamparado no solo. Eddie e Joyce saltaram das montadas e ajoelharam junto do ferido. Estava mortalmente pálido e tinha os lábios ressequidos.
—Não posso mais—balbuciou sem abrir os olhos. —Ê inútil, cheguei ao limite das minhas forças.
O homem, então, abriu os olhos e fixou a filha e o jovem.
—Há coisas que são impossíveis. Uma delas é que eu possa chegar a Hondo. Fico, aconteça o que acontecer. O mais que podem fazer é matar-me.
Os olhos da rapariga estavam humedecidos.
—Papá...
—Tem a certeza de que não pode prosseguir a viagem? — perguntou Eddie.
—Tenho a certeza. Olha, rapaz: leva a minha filha. Sois jovem e conseguireis chegar onde é necessário. Eu não.. Não é preciso que mo digam porque eu já adivinhei. Confio em ti. Casa com ela e toma conta do meu pequeno rancho. Terão o suficiente para viver comodamente e com um pouco de sorte poderão ampliá-lo. A mim, deixa-me aqui. Sou o único que eles procuram. A vós deixar-vos-ão em paz. E asseguro-te que já não me importa morrer.
Joyce baixou a cabeça e começou a soluçar em silêncio. Eddie teve um sorriso, embora ligeiramente, e durante uns instantes.
—O mal do senhor, McCarey, é que sempre teve demasiada imaginação. A sua imaginação fez com que descobrisse esse sistema para empregar um segundo ferro, ou um primeiro, conforme. E a sua prodigiosa imaginação continua a fazê-lo imaginar, desta vez, que o vamos abandonar. Olhe, meu caro; quer queira ou não, hei-de levá-lo para Hondo e entrego-o nas mãos dum médico. De modo que é melhor deitar fora qualquer ideia de morte heroica.
Voltou-se para Joyce e ordenou:
—Toma atenção com os cavalos.
Depois, agarrou McCarey pelos braços e ergueu-o como uma pena, em peso.
— Vamos — disse.
— Para onde me leva? — perguntou o ferido.
—Para um sítio seguro. Tarde ou cedo tinha que chegar o momento em que defrontasse Jeff e a sua escumalha de bandidos. Vou tratar disso agora mesmo, pois será uma preocupação a menos que nos fica em cima. Para grandes males, grandes remédios.
Seguido por Joyce que trazia os cavalos pelo freio Eddie internou-se pela zona mais pedregosa onde as rochas se abriam em grandes grutas e mil labirintos. Para uma luta de guerrilhas era o local apropriado e para emboscadas era ainda melhor.
Não parou enquanto não atingiu um local completamente protegido do qual se divisava a paisagem em redor.
—Bem, creio que aqui podemos enfrentar essa chusma de patifes—disse, enquanto deitava suavemente no solo o pai de Joyce.

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