Com o sol a bater-lhe nas costas, a pequena carruagem conduzida por Bart Lockwood atravessou o arco de madeira que delimitava a entrada do pequeno rancho e avançou pelo poeirento caminho que, entrecortado aqui e além, por diversas curvas, levava diretamente à casa existente junto do rio.
Lupe apenas uma vez voltara a cabeça desde que, sentado ao lado de Lockwood, tinha saído de Silver City. A medida que a carruagem ia penetrando no rancho, a jovem começara a lançar olhares ansiosos à sua volta. Começara a sentir-se nervosa.
—Tudo isto está muito descuidado, mas é sem dúvida um lugar muito romântico e, sobretudo, muito retirado e muito discreto— disse Lockwood.
A jovem acenou afirmativamente, sem proferir uma única palavra. A voz tinha-lhe desaparecido da garganta. Bart Lockwood apontou com o chicote, a casa que se encontrava um pouco adiante:
— Esta casa foi noutros tempos pertença de uma missão espanhola. Conserva ainda todo o seu pitoresco. Não me surpreende que despertasse o seu interesse —disse o homem.
A carruagem aproximava-se cada vez mais. Desde que transpuseram o arco da entrada, não tinham visto qualquer pessoa; o local parecia ser completamente deserto, apesar de, a uma certa distância, se ouvirem os relinchos dos cavalos e o mugido dos novilhos.
— Não há ninguém aqui perto?
Foi com dificuldade que Lupe conseguiu articular aquelas palavras, de forma a não parecer que a pergunta era feita com profundo interesse. Bart Lockwood olhou para a jovem e respondeu:
—Ninguém... Isto é, ninguém que não seja da minha absoluta confiança, como é natural. A jovem fez um gesto de enfado.
— Que...?
Lockwood esboçou um sorriso, ao votar um olhar de desespero no pálido rosto da sua companheira.
— Não se assuste menina Montez — disse. — Posso garantir-lhe que a sua reputação ficará intacta. Ninguém revelará a sua visita a estas paragens. Os meus velhos servos mexicanos sabem ser cegos, mudos e surdos!
Lupe conteve a tempo um grito de angústia que esteve prestes a sair-lhe da garganta; depois das palavras de Lockwood, esforçou-se por se manter no seu papel.
— Para que serve isso, cachopa? Deixa-te de agastamentos — disse ele tratando-a familiarmente por tu — Ambos nós sabemos para que aqui viemos...
-- Muito grosseiro e muito selvagem veio a sair, senhor Lockwood. É tão reles como o mais reles dos seus vaqueiros!
O homem deu um violento puxão às rédeas e fez parar a carruagem. Tinham chegado perto da casa e parado à sombra de uma gigantesca nogueira. Olhou fixamente para a mulher.
— Basta — rugiu ele, agarrando-a fortemente por um braço. — Que espécie de comédia pretendes tu representar, minha hipócrita?
— Largue-me!
Bart Lockwood riu-se com vontade.
— És muito esperta, minha sonsinha. Queres jogar a cartada da tua inocência, não é? A mim não me enganarás tu. Não te parece que valerá mais deixares-te dessas fitas?...
A jovem tentou libertar-te das garras do companheiro lutando como uma leoa, mas a superioridade física de Lockwood obrigou-a a permanecer sossegada.
— Estou habituado há muito a fazer tudo quanto quero e quanto me apetece, mas o teu caso é diferente. Agradas-me... e dar-te-ei uma fortuna se fores condescendente comigo.
O «venerável» estava apoplético, encharcado em suor arquejante... Dobrou a jovem para trás, apertando contra si o frágil corpo da rapariga e aproximou os seus lábios da sua boca.
No fim de contas, se apenas se tratava de velhos servidores mexicanos...
— Bem deve compreender os meus receios, senhor Lockwood — ciciou. — Toda a rapariga tem obrigação de cuidar do seu bom nome e da sua reputação.
— Claro... claro...
Um sorriso estranho iluminou o duro semblante do «venerável».
— Diga-me uma coisa, Lupe: pôde sempre tomar essa atitude?
— Não compreendo o que quer dizer com isso.
— Vamos, minha querida amiga, não vai certamente fazer-me acreditar na sua inocência...
A intencional interrogação era de tal maneira clara que Lupe não pôde fingir que a não compreendera. Mostrou-se altamente ofendida e replicou:
— Está completamente enganado a meu respeito, senhor. Nunca dei atenção a homem algum que me procurasse com propósitos desonestos!
Bart Lockwood agitou negativamente a cabeça.
— Aí está uma coisa de que ninguém me convence.
— Está a falar a sério?
—Bem... sabe? Sou um homem com muita experiência...
-- Quer fazer o favor de regressar imediatamente à cidade?
Os olhos da jovem despediam chamas. Havia uma tal fúria na expressão do seu rosto e as suas palavras revelavam tanta indignação que convenceriam o mais cético dos homens. Mas não a Bart Lockwood.
—Beija-me gatita dos demónios — disse ele — mas vê bem que se me mordes... mato-te!
A luta foi breve mas dura, desesperada, selvática. Subitamente, uma voz:
— Largue a rapariga, uma vez que ela o não quer.
Bart Lockwood voltou-se com a velocidade de uni ralo. Tentou levar a mão direita ao revólver que trazia à cintura.
— Quieto! Ao menor movimento, estoiro-lhe os mio-lhos!
O rugido soltado por Lou Twerlin foi selvagem, feroz, quase sobre-humano. Mas não era necessário gritar. Não era, na verdade, necessário dizer ao homem que tinha sob o domínio do seu revólver, que o odiava do mais fundo da sua alma; que estava ali para o matar e que poderia fazê-lo quando quisesse...
Bart Lockwood sabia-o perfeitamente. Soube-o desde o primeiro instante em que, estupefacto e incrédulo, cheio de pasmo e de assombro, reconheceu o homem que se encontrava junto do grosso tronco da árvore que sombreava o caminho. Era... Lou Twerlin! Mas... era realmente possível, uma coisa daquelas? Não o enganariam os seus olhos? Por espaço de alguns instantes, infinitamente peque-nos mas que pareceram durar séculos, a surpresa e a incredulidade mantiveram Bart Lockwood imobilizado.
— Lou! Mas... será possível que te encontres vivo?
Lou Twerlin esboçou um sorriso.
—Não me esperava, não é verdade, patrão?
Avançou alguns passos, calmamente, sem demonstrar qualquer pressa, com o dedo indicador sobre o gatilho...
— Lembra-se de quando me dizia que eu era uma espécie de gato montês? Ora se um gato doméstico dispõe de sete vidas, quantas terá um gato montês, senhor Lockwood?
Apesar da maneira branda como foram proferidas estas palavras, a voz, por assim dizer, quase indiferente de Lou Twerlin, fez estremecer Lockwood.
O pistoleiro ficou parado. Tinha as feições endurecidas e os olhos fuzilantes.
Bart Lockwood compreendeu que tinha cometido um erro. Um erro irreparável. Um erro talvez definitivo. Mas, afinal, quando se mata uma serpente, a serpente não acaba por morrer mesmo de todo?...
Procurou dominar-se. Tremia-lhe o queixo; todo ele tremia como uma vara açoitada pelo vento. Precisava de ganhar tempo. Essencialmente, de ganhar tempo...
— Que ventos te trouxeram para aqui, Lou? — perguntou em voz surda?
— A vingança.
—De mim?
--Eu lhe digo, patrão: durante toda a minha miserável existência, tropecei sempre com muitos aldrabões e pantomineiros; com muitos ladrões e com muitos assassinos, mas da sua espécie... nunca tinha encontrado nenhum. — Bem... por vezes há coisas que parecem aquilo que não são. — Por vezes... Frias bagas de suor deslizavam pela cara de Lockwood.
— Ainda não pensaste que podes estar enganado, Lou? —perguntou atrapalhadamente. — Bem sabes que sempre me portei bem contigo!
Por única resposta, Twerlin anunciou:
— Vou matá-lo, Lockwood.
— Não te faças tolo, rapaz. Que proveito tirarias tu de semelhante coisa?
— Já o disse há pouco: Vingança!
— Não sairás vivo daqui, se te atreveres a tocar-me.
— É possível...
Bart Lockwood voltou a passar a língua pelos lábios. Tinha a boca seca e ainda mais seca a garganta... Olhou instintivamente para o edifício. Lá em baixo debaixo do alpendre alguma coisa se movia. Gente... Os seus fiéis mexicanos! Bastaria um grito para...
Pôs-se em movimento, lentamente, com todos os seus vagares, ao mesmo tempo que erguia as mãos, ficando imóvel, como se apenas naquele momento se tivesse apercebido de que tinha uma arma a conter-lhe os ímpetos.
— Escuta, Lou — disse ele numa voz quase suplicante: — Somos ambos duas moléculas do mesmo planeta... Tu não podes matar-me, meu rapaz. Não podes crivar de balas o teu antigo patrão.
Twerlin soltou uma gargalhada.
—Isso é sério?... O senhor não passa de um miserável cobarde, senhor Lockwood. Um vil e repugnante cobarde!
— Não! — disse Lockwood quase num gemido. — Isso é mais um erro da tua parte, Lou! Não sou nem nunca fui um cobarde e tu sabes perfeitamente que assim é. Que farias tu se visses na tua frente um homem armado, na disposição de te matar? Punhas-te a rir, talvez?
Twerlin voltou a rir-se com nervosismo.
— Eu compreendo, patrão. O seu medo é tudo quanto há de mais lógico— admitiu ele. — Confesso que não sou dos mais inteligentes mas, apesar disso, imagino bem o que o senhor deve estar a sofrer nestes momentos. Mas eu ainda sinto a sensação da corda em redor do meu pescoço...
—É claro que conseguiste salvar-te. Confesso que me sinto bastante satisfeito com isso, Lou. Posso jurar-to. Não me era nada agradável que um homem como tu morresse pendurado numa corda. Muito pelo contrário: farei tudo que esteja ao meu alcance para que nunca mais volte a suceder-te semelhante coisa!
—Não devo então matá-lo, não é isso?
— Está visto que não! Cada um de nós sabe bem o que o outro vale... Nós os dois juntos dominaremos todo o mundo!
— Crê, então, que sou assim tão idiota, senhor Lockwood? — retorquiu Twerlin. — Eu vim aqui expressamente para o matar e nada me impedirá de o fazer, compreende? É certo que vou matá-lo, mas antes disso quero fazê-lo sentir um pouco do terror por que passei naquele célebre dia. O senhor não devia ter-me atraiçoado, Lockwood. Não devia tê-lo feito...
O riso agudo, trocista e irónico do pistoleiro, transformou-se num esgar cruel e impiedoso.
— Desça daí — ordenou ele, fazendo com o revólver um movimento significativo.
Bart Lockwood tornou-se lívido; mortalmente lívido.
— Escuta Lou: para teu bem...
— Desça!
Tentou pronunciar algumas palavras de súplica mas a voz recusou-se a sair-lhe da garganta.
— Coragem, senhor Lockwood! Dê provas de que é um homem...
O outro voltou-se, desanimado. A rapariga suportou fria, irónica, quase satisfeita o olhar angustiado e cheio de terror, de Lockwood. E Lockwood sentiu bem em todo o seu sangue, o gelo daquele olhar que não podia significar outra coisa se não que tinha chegado a sua hora final. O termo da caminhada era a morte!
Voltou-se freneticamente, com os olhos muito abertos, na direção do grupo de homens que avançam pelo caminho. Qualquer coisa como um rugido de raiva e de desespero se escapou do peito de Bart Lockwood, ao compenetrar-se da terrível realidade. Lou Twerlin mancomunado com aqueles homens e com a rapariga tinham-lhe preparado uma cilada mortal.
— Foste então, tu? — bramiu furioso, olhando para a rapariga.
O sorriso de Lupe, gelou-se-lhe nos lábios. Havia uma raiva tal no congestionado rosto de Lockwood; uma tal cólera no seu olhar, que lhe dava todo o aspeto de um animal raivoso, desesperadamente enfurecido e decidido a matar.
— Filha de uma cadela maldita! Foste tu quem me perdeste...
A jovem proferiu uma exclamação de horror.
— Lou! Acode-me!
Bart Lockwood transformara-se num louco enraivecido. O seu rosto fez-se verde, os olhos quase lhe saltavam das órbitas e a sua boca encheu-se completamente de espuma. Era um animal irracional para o qual não havia outro objetivo se não o de matar a mulher que o arrastara para o abismo!
— Quieto, Lockwood! — gritou Twerlin. — Se lhe tocas com as mãos...
— Hei-de matá-la! — rugiu Lockwood. — Hei-de esmagar-lhe todos os ossos do corpo!...
Estava agora completamente cercado por homens de armas assestadas contra ele. Atrás de si, Twerlin gritava com a voz alterada; agilmente, porém, Bart Lockwood conseguiu apossar-se do revólver e apontá-lo à rapariga, friamente, com uma serenidade cruel. Disparou.
A bala atingiu Lupe na cabeça, precisamente no instante em que Twerlin saltava para cima da carruagem e se lançava sobre ele.
O pistoleiro fiel aos seus propósitos resistiu à tentação de matar Lockwood com uma simples bala. Erguera a mão armada do revólver, como se fosse uma maçã e descarregou-lhe um golpe na cabeça que o atingiu na parte posterior de uma orelha.
O homem ficou-se de boca aberta, envidraçaram-se-lhe os olhos e dobraram-se-lhe as pernas. Lutando contra as brumas da inconsciência, Lockwood revirou-se e agarrou-se desesperadamente ao seu inimigo, vindo estatelar-se no solo, ao tombarem do assento da carruagem.
—Bastardo! Maldito!
Um punho de ferro caiu sobre a boca do «venerável» e uma segundo martelada com a coronha da arma, deixou-o completamente inerte.
— Bem, já o temos à nossa disposição — disse Waiker alegremente.
— Que ninguém se atreva a tocar-lhe — gritou Lou com voz sibilante. — Esse canalha pertence-me. Pertence-me! Compreendido?
Os pistoleiros entreolharam-se e acabaram por concordar. Parecia uma autêntica parada de doidos.
Lupe apenas uma vez voltara a cabeça desde que, sentado ao lado de Lockwood, tinha saído de Silver City. A medida que a carruagem ia penetrando no rancho, a jovem começara a lançar olhares ansiosos à sua volta. Começara a sentir-se nervosa.
—Tudo isto está muito descuidado, mas é sem dúvida um lugar muito romântico e, sobretudo, muito retirado e muito discreto— disse Lockwood.
A jovem acenou afirmativamente, sem proferir uma única palavra. A voz tinha-lhe desaparecido da garganta. Bart Lockwood apontou com o chicote, a casa que se encontrava um pouco adiante:
— Esta casa foi noutros tempos pertença de uma missão espanhola. Conserva ainda todo o seu pitoresco. Não me surpreende que despertasse o seu interesse —disse o homem.
A carruagem aproximava-se cada vez mais. Desde que transpuseram o arco da entrada, não tinham visto qualquer pessoa; o local parecia ser completamente deserto, apesar de, a uma certa distância, se ouvirem os relinchos dos cavalos e o mugido dos novilhos.
— Não há ninguém aqui perto?
Foi com dificuldade que Lupe conseguiu articular aquelas palavras, de forma a não parecer que a pergunta era feita com profundo interesse. Bart Lockwood olhou para a jovem e respondeu:
—Ninguém... Isto é, ninguém que não seja da minha absoluta confiança, como é natural. A jovem fez um gesto de enfado.
— Que...?
Lockwood esboçou um sorriso, ao votar um olhar de desespero no pálido rosto da sua companheira.
— Não se assuste menina Montez — disse. — Posso garantir-lhe que a sua reputação ficará intacta. Ninguém revelará a sua visita a estas paragens. Os meus velhos servos mexicanos sabem ser cegos, mudos e surdos!
Lupe conteve a tempo um grito de angústia que esteve prestes a sair-lhe da garganta; depois das palavras de Lockwood, esforçou-se por se manter no seu papel.
— Para que serve isso, cachopa? Deixa-te de agastamentos — disse ele tratando-a familiarmente por tu — Ambos nós sabemos para que aqui viemos...
-- Muito grosseiro e muito selvagem veio a sair, senhor Lockwood. É tão reles como o mais reles dos seus vaqueiros!
O homem deu um violento puxão às rédeas e fez parar a carruagem. Tinham chegado perto da casa e parado à sombra de uma gigantesca nogueira. Olhou fixamente para a mulher.
— Basta — rugiu ele, agarrando-a fortemente por um braço. — Que espécie de comédia pretendes tu representar, minha hipócrita?
— Largue-me!
Bart Lockwood riu-se com vontade.
— És muito esperta, minha sonsinha. Queres jogar a cartada da tua inocência, não é? A mim não me enganarás tu. Não te parece que valerá mais deixares-te dessas fitas?...
A jovem tentou libertar-te das garras do companheiro lutando como uma leoa, mas a superioridade física de Lockwood obrigou-a a permanecer sossegada.
— Estou habituado há muito a fazer tudo quanto quero e quanto me apetece, mas o teu caso é diferente. Agradas-me... e dar-te-ei uma fortuna se fores condescendente comigo.
O «venerável» estava apoplético, encharcado em suor arquejante... Dobrou a jovem para trás, apertando contra si o frágil corpo da rapariga e aproximou os seus lábios da sua boca.
No fim de contas, se apenas se tratava de velhos servidores mexicanos...
— Bem deve compreender os meus receios, senhor Lockwood — ciciou. — Toda a rapariga tem obrigação de cuidar do seu bom nome e da sua reputação.
— Claro... claro...
Um sorriso estranho iluminou o duro semblante do «venerável».
— Diga-me uma coisa, Lupe: pôde sempre tomar essa atitude?
— Não compreendo o que quer dizer com isso.
— Vamos, minha querida amiga, não vai certamente fazer-me acreditar na sua inocência...
A intencional interrogação era de tal maneira clara que Lupe não pôde fingir que a não compreendera. Mostrou-se altamente ofendida e replicou:
— Está completamente enganado a meu respeito, senhor. Nunca dei atenção a homem algum que me procurasse com propósitos desonestos!
Bart Lockwood agitou negativamente a cabeça.
— Aí está uma coisa de que ninguém me convence.
— Está a falar a sério?
—Bem... sabe? Sou um homem com muita experiência...
-- Quer fazer o favor de regressar imediatamente à cidade?
Os olhos da jovem despediam chamas. Havia uma tal fúria na expressão do seu rosto e as suas palavras revelavam tanta indignação que convenceriam o mais cético dos homens. Mas não a Bart Lockwood.
—Beija-me gatita dos demónios — disse ele — mas vê bem que se me mordes... mato-te!
A luta foi breve mas dura, desesperada, selvática. Subitamente, uma voz:
— Largue a rapariga, uma vez que ela o não quer.
Bart Lockwood voltou-se com a velocidade de uni ralo. Tentou levar a mão direita ao revólver que trazia à cintura.
— Quieto! Ao menor movimento, estoiro-lhe os mio-lhos!
O rugido soltado por Lou Twerlin foi selvagem, feroz, quase sobre-humano. Mas não era necessário gritar. Não era, na verdade, necessário dizer ao homem que tinha sob o domínio do seu revólver, que o odiava do mais fundo da sua alma; que estava ali para o matar e que poderia fazê-lo quando quisesse...
Bart Lockwood sabia-o perfeitamente. Soube-o desde o primeiro instante em que, estupefacto e incrédulo, cheio de pasmo e de assombro, reconheceu o homem que se encontrava junto do grosso tronco da árvore que sombreava o caminho. Era... Lou Twerlin! Mas... era realmente possível, uma coisa daquelas? Não o enganariam os seus olhos? Por espaço de alguns instantes, infinitamente peque-nos mas que pareceram durar séculos, a surpresa e a incredulidade mantiveram Bart Lockwood imobilizado.
— Lou! Mas... será possível que te encontres vivo?
Lou Twerlin esboçou um sorriso.
—Não me esperava, não é verdade, patrão?
Avançou alguns passos, calmamente, sem demonstrar qualquer pressa, com o dedo indicador sobre o gatilho...
— Lembra-se de quando me dizia que eu era uma espécie de gato montês? Ora se um gato doméstico dispõe de sete vidas, quantas terá um gato montês, senhor Lockwood?
Apesar da maneira branda como foram proferidas estas palavras, a voz, por assim dizer, quase indiferente de Lou Twerlin, fez estremecer Lockwood.
O pistoleiro ficou parado. Tinha as feições endurecidas e os olhos fuzilantes.
Bart Lockwood compreendeu que tinha cometido um erro. Um erro irreparável. Um erro talvez definitivo. Mas, afinal, quando se mata uma serpente, a serpente não acaba por morrer mesmo de todo?...
Procurou dominar-se. Tremia-lhe o queixo; todo ele tremia como uma vara açoitada pelo vento. Precisava de ganhar tempo. Essencialmente, de ganhar tempo...
— Que ventos te trouxeram para aqui, Lou? — perguntou em voz surda?
— A vingança.
—De mim?
--Eu lhe digo, patrão: durante toda a minha miserável existência, tropecei sempre com muitos aldrabões e pantomineiros; com muitos ladrões e com muitos assassinos, mas da sua espécie... nunca tinha encontrado nenhum. — Bem... por vezes há coisas que parecem aquilo que não são. — Por vezes... Frias bagas de suor deslizavam pela cara de Lockwood.
— Ainda não pensaste que podes estar enganado, Lou? —perguntou atrapalhadamente. — Bem sabes que sempre me portei bem contigo!
Por única resposta, Twerlin anunciou:
— Vou matá-lo, Lockwood.
— Não te faças tolo, rapaz. Que proveito tirarias tu de semelhante coisa?
— Já o disse há pouco: Vingança!
— Não sairás vivo daqui, se te atreveres a tocar-me.
— É possível...
Bart Lockwood voltou a passar a língua pelos lábios. Tinha a boca seca e ainda mais seca a garganta... Olhou instintivamente para o edifício. Lá em baixo debaixo do alpendre alguma coisa se movia. Gente... Os seus fiéis mexicanos! Bastaria um grito para...
Pôs-se em movimento, lentamente, com todos os seus vagares, ao mesmo tempo que erguia as mãos, ficando imóvel, como se apenas naquele momento se tivesse apercebido de que tinha uma arma a conter-lhe os ímpetos.
— Escuta, Lou — disse ele numa voz quase suplicante: — Somos ambos duas moléculas do mesmo planeta... Tu não podes matar-me, meu rapaz. Não podes crivar de balas o teu antigo patrão.
Twerlin soltou uma gargalhada.
—Isso é sério?... O senhor não passa de um miserável cobarde, senhor Lockwood. Um vil e repugnante cobarde!
— Não! — disse Lockwood quase num gemido. — Isso é mais um erro da tua parte, Lou! Não sou nem nunca fui um cobarde e tu sabes perfeitamente que assim é. Que farias tu se visses na tua frente um homem armado, na disposição de te matar? Punhas-te a rir, talvez?
Twerlin voltou a rir-se com nervosismo.
— Eu compreendo, patrão. O seu medo é tudo quanto há de mais lógico— admitiu ele. — Confesso que não sou dos mais inteligentes mas, apesar disso, imagino bem o que o senhor deve estar a sofrer nestes momentos. Mas eu ainda sinto a sensação da corda em redor do meu pescoço...
—É claro que conseguiste salvar-te. Confesso que me sinto bastante satisfeito com isso, Lou. Posso jurar-to. Não me era nada agradável que um homem como tu morresse pendurado numa corda. Muito pelo contrário: farei tudo que esteja ao meu alcance para que nunca mais volte a suceder-te semelhante coisa!
—Não devo então matá-lo, não é isso?
— Está visto que não! Cada um de nós sabe bem o que o outro vale... Nós os dois juntos dominaremos todo o mundo!
— Crê, então, que sou assim tão idiota, senhor Lockwood? — retorquiu Twerlin. — Eu vim aqui expressamente para o matar e nada me impedirá de o fazer, compreende? É certo que vou matá-lo, mas antes disso quero fazê-lo sentir um pouco do terror por que passei naquele célebre dia. O senhor não devia ter-me atraiçoado, Lockwood. Não devia tê-lo feito...
O riso agudo, trocista e irónico do pistoleiro, transformou-se num esgar cruel e impiedoso.
— Desça daí — ordenou ele, fazendo com o revólver um movimento significativo.
Bart Lockwood tornou-se lívido; mortalmente lívido.
— Escuta Lou: para teu bem...
— Desça!
Tentou pronunciar algumas palavras de súplica mas a voz recusou-se a sair-lhe da garganta.
— Coragem, senhor Lockwood! Dê provas de que é um homem...
O outro voltou-se, desanimado. A rapariga suportou fria, irónica, quase satisfeita o olhar angustiado e cheio de terror, de Lockwood. E Lockwood sentiu bem em todo o seu sangue, o gelo daquele olhar que não podia significar outra coisa se não que tinha chegado a sua hora final. O termo da caminhada era a morte!
Voltou-se freneticamente, com os olhos muito abertos, na direção do grupo de homens que avançam pelo caminho. Qualquer coisa como um rugido de raiva e de desespero se escapou do peito de Bart Lockwood, ao compenetrar-se da terrível realidade. Lou Twerlin mancomunado com aqueles homens e com a rapariga tinham-lhe preparado uma cilada mortal.
— Foste então, tu? — bramiu furioso, olhando para a rapariga.
O sorriso de Lupe, gelou-se-lhe nos lábios. Havia uma raiva tal no congestionado rosto de Lockwood; uma tal cólera no seu olhar, que lhe dava todo o aspeto de um animal raivoso, desesperadamente enfurecido e decidido a matar.
— Filha de uma cadela maldita! Foste tu quem me perdeste...
A jovem proferiu uma exclamação de horror.
— Lou! Acode-me!
Bart Lockwood transformara-se num louco enraivecido. O seu rosto fez-se verde, os olhos quase lhe saltavam das órbitas e a sua boca encheu-se completamente de espuma. Era um animal irracional para o qual não havia outro objetivo se não o de matar a mulher que o arrastara para o abismo!
— Quieto, Lockwood! — gritou Twerlin. — Se lhe tocas com as mãos...
— Hei-de matá-la! — rugiu Lockwood. — Hei-de esmagar-lhe todos os ossos do corpo!...
Estava agora completamente cercado por homens de armas assestadas contra ele. Atrás de si, Twerlin gritava com a voz alterada; agilmente, porém, Bart Lockwood conseguiu apossar-se do revólver e apontá-lo à rapariga, friamente, com uma serenidade cruel. Disparou.
A bala atingiu Lupe na cabeça, precisamente no instante em que Twerlin saltava para cima da carruagem e se lançava sobre ele.
O pistoleiro fiel aos seus propósitos resistiu à tentação de matar Lockwood com uma simples bala. Erguera a mão armada do revólver, como se fosse uma maçã e descarregou-lhe um golpe na cabeça que o atingiu na parte posterior de uma orelha.
O homem ficou-se de boca aberta, envidraçaram-se-lhe os olhos e dobraram-se-lhe as pernas. Lutando contra as brumas da inconsciência, Lockwood revirou-se e agarrou-se desesperadamente ao seu inimigo, vindo estatelar-se no solo, ao tombarem do assento da carruagem.
—Bastardo! Maldito!
Um punho de ferro caiu sobre a boca do «venerável» e uma segundo martelada com a coronha da arma, deixou-o completamente inerte.
— Bem, já o temos à nossa disposição — disse Waiker alegremente.
— Que ninguém se atreva a tocar-lhe — gritou Lou com voz sibilante. — Esse canalha pertence-me. Pertence-me! Compreendido?
Os pistoleiros entreolharam-se e acabaram por concordar. Parecia uma autêntica parada de doidos.
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