terça-feira, 16 de outubro de 2018

BIS163.03 A vingança começa

Lou Twerlin abriu os olhos quando a viva luz do sol nascente lhe incidiu em pleno rosto. Ergueu-se rapidamente e empunhou o revólver por mera precaução. Tudo à sua volta se encontrava calmo e tranquilo.
Procurou o seu cavalo com os olhos: estava pastando tranquilamente junto do regato, um pouco mais afastado do que o deixara na véspera. Bocejou. Permaneceu algum tempo sentado sobre a manta, contemplando a paisagem.
Lá ao longe, para além da curva do rio, estava Tombstone. Calçou as botas e aproximou-se da água; lavou a cara e alisou os cabelos com a mão. Respirou satisfeito, ampla, profundamente. Que diferença entre este amanhecer e o outro, aquele amanhecer de Yuma, de algumas semanas antes!...
Calmamente, sem a menor pressa, selou o cavalo e colocou os alforges e a manta nos respetivos lugares. Antes de montar, observou cuidadosamente a configuração do terreno. Não era porque esperasse ter de sair de Tombstone precipitadamente mas, fosse como fosse, nada se perdia em ter perfeito conhecimento do terreno em caso de fuga, se essa ocasião viesse, porventura, a apresentar-se.
Cavalgou durante uma hora e chegou junto de uma colina sombreada por grandes álamos. No alto, ereta sobre uma eminência, existia uma casa ampla, com um extenso alpendre. Desviou o cavalo na direção do edifício. Era o mesmo rancho, o mesmo sítio, com o mesmo aspeto...
Não podia negar-se que aquele bastardo do Wachmann sabia levar uma vida regalada! Antes de chegar ao edifício viu sair um homem. Era Tom, o velho criado negro. Tom olhou para o cavaleiro com mais curiosidade do que receio.
— Oh! não há dúvida. É o senhor Twerlin.
Apeou-se.
— Bem-vindo seja, senhor Twerlin! Acenou ligeiramente com
a cabeça. As suas pálpebras semicerradas não deixaram ver o brilho especial que luzia nos seus olhos.
Teu amo está em casa, Tom?
— Sim senhor. O senhor Wachmann ainda está dormindo. Vou acordá-lo num pronto...
— Não! — disse ele, com um sorriso ácido. — Eu próprio me encarregarei de o fazer, Tom...
Entrou em casa e atravessou, rapidamente, o pátio. Galgou a escadaria de dois em dois degraus e deteve-se um instante diante da porta. Uma voz íntima, parecida com o álgido e cortante vento do deserto, parecia gritar-lhe: Para a frente! Porque esperas?
Sorriu-se e aquele sorriso amenizou um tanto o traço duro dos seus lábios. Depois sentiu-se impaciente. Havia tanto tempo que aguardava aquele momento! A sua mão direita acariciou a coronha do revólver, que trazia ao cinto, ao mesmo tempo que, com a esquerda, movia lentamente o manípulo da porta com as maiores cautelas. Entrou.
James Wachmann fez um gesto sacudido. Acabava de despertar, subitamente, num sobressalto. Não sabia porquê, mas sentia-se assustado; terrivelmente assustado...
Convicto de que qualquer coisa de muito estranho, um ruído suspeito e alarmante tinha sido a causa do seu sobressaltado despertar, o advogado pôs-se atentamente à escuta, enquanto os seus olhos procuravam perfurar as trevas em que o seu quarto se achava mergulhado.
Pareceu-lhe que, junto da cama, se recortava uma sombra mais espessa do que as demais. Enfiou a mão por debaixo do travesseiro. Tivera sempre a convicção de que um revólver era uma excelente companhia; mesmo durante o sono, nunca deixava de ter ao seu alcance. Um revólver... que ali não estava! Receando gritar, mas vendo-se, a seu pesar, obrigado a fazê-lo, clamou:
— Tom! Tom! Eh!...
Acendeu um fósforo com as mãos a tremer e pegou lume à lâmpada que estava sobre a mesinha de cabeceira. A vacilante luz do candeeiro iluminou o aposento.
—Lou Twerlin!
O homem que se encontrava junto da cama, sorriu-se.
— Então que tal, meu advogado das dúzias?
Wachmann piscou os olhos, esfregou as pálpebras e voltou a olhar, incrédulo, aquela realidade que mais parecia um sonho... um pesadelo. Fez das fraquezas forças e começou a articular as palavras.
— Que... que fazes tu por aqui, Lou?... Informaram-me de que tinhas perecido num incêndio!
Twerlin adiantou-se. Um sorriso de ironia, crispava-lhe os lábios.,
— Sim, é verdade, foi disso que todos se convenceram — murmurou. — Estúpidos! Não se aperceberam que ao lançarem fogo ao palheiro em que eu me tinha refugiado, acossado pelos guardas, me estavam a oferecer a oportunidade de eu desaparecer para sempre... É certo que encontraram no rescaldo os restos de um homem carbonizado... mas não eram os meus! Estava ali um pobre borracho que cozia a borracheira metido dentro da palha. Foi fácil trocar as roupas e deixá-lo a torrar naquela antecâmara do inferno, enquanto eu me escapava.
Riu-se por entredentes. O advogado engoliu em seco, dificultosamente. Estava a passar pelo pior momento de toda a sua vida.
— Não há dúvida de que foste esperto, Lou. Toda a gente te deu por morto!
— Sim, não sou tolo... Sou mesmo suficientemente esperto para me não deixar atraiçoar seja por quem for.
Reparou que aumentava cada vez mais o suor que escorria do rosto de Wachmann. E não era porque estivesse calor...
— Sabes a que quero referir-me, ó rábula? — disse ele repisando as palavras.
O advogado acenou afirmativamente. Tinha a boca ressequida e viu-se obrigado a humedecer os lábios para poder falar.
— Eu... fiz apenas o que o senhor Lockwood me ordenou. Posso jurar-to, Lou. Não pensas, certamente, em matar-me. Eu fui sempre teu amigo!...
Twerlin franziu a testa.
— Meu amigo? Não foste tu que prometeste auxiliar--me no decorrer do julgamento? Não foste tu que me pediste que me confessasse autor de todos os crimes, garantindo-me que, dessa forma, te seria mais fácil, livrar-me da forca?
Wachmann voltou a engolir em seco. Terceira ou quarta vez, no espaço de alguns segundos. O tempo, entretanto, parecia durar uma eternidade. Uma eternidade na qual não fazia outra coisa se não suar. Suar e tremer. Angústia? Medo? Nem uma coisa, nem outra; talvez... arrependimento. Sim, arrependimento. Não devia ter recusado a proteção que Lockwood lhe oferecera, pondo um dos seus pistoleiros à sua disposição. O rosto curtido de Twerlin esboçou um trejeito de desprezo.
— Não contavas com isto, não é verdade?... Vou refrescar-te a memória, bastardo maldito. Jurei que me vingaria. Que esmagaria, como a um sapo, todo aquele que me atraiçoasse. Lembras-te? E tu foste um deles, Wachmann. Quanto te deu Lockwood para que me atirasses aos lobos? É mais que certo que não foi só dinheiro. Dinheiro tens tu de sobra. O teu próprio e o que eu te confiei... Que te prometeu o «venerável» Lockwood? Talvez um alto cargo no Governo? Ou talvez no Senado ?...
Os olhos do advogado esquivavam-se aos do pistoleiro. Não era em vão que ele proferia as suas ameaças. Podia ler-se isso mesmo nas suas pupilas. Tinha vindo ali para o matar. Fá-lo-ia, certamente. Seria muito simplesmente assassinado, sem que ninguém pudesse evitá-lo. Tratou de reagir.
— Que lucrarás tu com a minha morte, Lou? — perguntou com voz apagada e débil. — Eu... bem vês... eu posso ser-te útil, amigo. Dar-te-ei dinheiro!... Poderei ajudar-te a abandonar o pais. E até... se quiseres, posso proporcionar-te a oportunidade de te vingares de Lockwood.
— Nojento cachorro! — Twerlin, escarrou. — És capaz de fazer tudo para salvar o «coirão», não é ?...
— Lou, por favor — implorou o advogado em voz trémula. — Tens razão; não passo de um cobarde. Mas não me mates... Twerlin sorriu-se, desdenhosamente. — Será inútil que me supliques seja o que for — advertiu. — Acaba de soar a tua hora, chicaneiro maldito! Frenético, desesperado, Wachmann, revolveu-se no leito, buscando, ansiosamente, o revólver que devia estar debaixo do travesseiro. — Será isto o que tu procuras, Wachmann? O advogado contemplou, com os olhos esbugalhados, a arma que o pistoleiro segurava na sua mão. Uma pequena «Derringer» de dois canos. A sua pistola... O pistoleiro, sádico e impiedoso, pôs-lhe em frente dos olhos a sua arma de cano duplo que ele contemplou de olhos arregalados e estupefactos.
—Lamento ter de liquidar-te com um tiro, Wachmann -- disse ele com terrível e implacável dureza. — Uma gravata de cânhamo, igual aquela que me foi destinada, seria o ideal! Mas...
Wachmann soltou um rugido. Estava louco. Enlouquecido pelo medo e pelo desespero. O terror que lhe percorria vertiginosamente as artérias, impeliu-o para diante, com as feições crispadas e congestionadas, no intuito de lançar-se contra Twerlin. Este disparou.
A primeira bala saiu envolta em chamas e em fumo, acabando por entrar no olho esquerdo do advogado. O olho direito revolteou na órbita como se fosse um pião, num movimento vertiginoso e verdadeiramente macabro. Uma leve pressão no gatilho e a segunda bala saiu a seguir, do cano da «Derringer». O chumbo foi cravar-se no peito de Wachmann.
O advogado inclinou-se para trás, indo a cabeça encostar-se ao travesseiro, onde ficou reclinada com tal naturalidade, tão... cadáver que nem parecia o que era. Frio, duro, impassível, Lou Twerlin contemplou a sua vítima durante alguns instantes. Rodou seguidamente sobre os calcanhares, saiu da vivenda e começou a descer a escadaria.
— Twerlin!... — O grito soltado por Tom foi amargo, quase doloroso.
Voltou-se.
O velho criado encontrava-se no alto, visando-o com uma carabina.
Soaram dois tiros. Um deles passou por cima de Twerlin, inofensivo, desviado do seu rumo de morte. O outro foi cravar-se no peito de Tom, no instante preciso em que disparava a carabina, por impulso mais de lealdade do que de ódio.
A carabina deslizou-lhe das mãos, inofensiva e inútil. Caiu de cabeça para diante, rolando pelos degraus da escadaria. Encafuou maquinalmente o seu revólver e olhou para o pobre velhote durante alguns segundos.
— Lamento muito, Tom — disse com a maior indiferença. — Tanto mais que, uma das tuas ambições, era vires um dia a ser livre, não era?...
Seguidamente e após minuciosa pesquisa em todos os recantos dos aposentos, guardou a pequena fortuna que conseguiu encontrar, engoliu dois ou três copos de uísque e abandonou o edifício.
Ao transpor a vedação do rancho, uma feroz alegria brilhava nos duros olhos do pistoleiro. As coisas começavam a marchar a seu gosto. Sangue. Sempre sangue. E morte. Sim...
Se as coisas continuassem a correr como até agora, talvez lhe fosse possível acalmar aquela terrível sede de vingança que lhe escaldava a garganta!

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