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Por duas vezes, tentou entabular conversações com eles. Teve de desistir porque se via solicitada constantemente por outros clientes que quase enchiam o estabelecimento.
Alguém, na noite anterior, lhe dissera o que aqueles dois homens haviam feito a favor do seu irmão. E ficou confusa ao pensar que os havia tratado com a mesma dureza com que tratara os que rodeavam Pat Gloster. Pensou que devia agradecer-lhes. Que ela soubesse, eram as únicas pessoas que não troçavam de seu irmão. E isto era de agradecer.
— Bons dias, Cinthia.
A jovem, antes de se voltar para a porta, reconheceu a voz de Chill Talbott. O negociante de gado era um dos mais assíduos frequentadores.
Junto de Talbott viu a figura alta e desagradável de Spencer Hacker, seu ajudante. Um tipo que sempre lhe causara aversão pelo modo libidinoso que tinha de a olhar. Os dois homens sentaram-se quase em frente de Cole Derry e Boyds. Estes não pareciam reparar na sua presença, ocupados em acabar de tomar o pequeno almoço.
Cinthia aproveitou um intervalo para se aproximar das mesas contíguas de Brian e Derry. Um agradável sorriso desenhava-se-lhe nos lábios vermelhos. Os dois jovens levantaram, quase simultaneamente, as pupilas para ela e olharam-na em silêncio.
— Terão de me desculpar — murmurou a jovem num tom suave. — Ontem à noite ignorava o que haviam feito a favor de meu irmão. Estou-lhes muito agradecida.
Eles também o estavam por poderem contemplar uma jovem tão atraente e fresca. Cole Derry foi o primeiro a falar, dizendo a sorrir:
— Era um caso de justiça, menina.
— Ninguém até agora havia feito uma coisa igual a favor de Paul — respondeu ela, emocionada.
Brian Boyds conseguiu finalmente despregar os lábios e descolar a língua do céu da boca. A extraordinária beleza da jovem tinha-o submetido a um estranho êxtase. Murmurou, olhando-a fixamente:
— O que não compreendo é como o seu irmão se deixou dominar dessa forma pela bebida.
As pupilas verdes da rapariga velaram-se com uma tristeza repentina.
—Paul nunca foi assim — disse com voz trémula. — Era um rapaz muito alegre e simpático, mas veio a guerra e tudo mudou para nós, os Keener.
Fez uma pausa. O sangue havia voltado a afluir-lhe ao rosto. E continuou, rapidamente, como se quisesse expulsar alguma coisa do peito que a queimava:
—É incompreensível que ano e meio depois de terminada a guerra ainda siga latente o ódio contra nós, os sulistas. A meu irmão não lhe perdoam que lutasse nas fileiras dos confederados com o posto de tenente.
— Já notámos isso ontem à noite — disse Derry, com gravidade. — Foi essa outra das causas que me impulsionaram a intervir. Quando perdeu seu irmão a perna?
— Meses antes de terminar a guerra, na batalha de Guettysburg.
— Foi então que se dedicou à bebida?
A jovem moveu, negativamente, a cabeça. Uma nuvem de tristeza voltou a velar os seus olhos verdes.
— Essa é outra história — murmurou entrecortada-mente. — Paul, quando lhe foi dada alta no hospital, voltou à nossa terra, ao sul do Kentucky. Ignorava ainda o que havia sucedido na nossa fazenda.
Calou-se pela segunda vez. A emoção embargava-lhe a voz. Fez uma inspiração profunda para se recompor e acrescentou, com visível nervosismo:
— Meus pais possuíam uma bonita fazenda. Um dia foi assaltada pelos nortistas, como outras fazendas da região. A noiva de meu irmão estava naquele dia com meus pais. Todos eles foram passados à espada e a casa convertida em escombros. Eu salvei-me por causalidade. Naquela tarde havia ido à povoação fazer algumas compras. Dorothy, a noiva de meu irmão, foi ultrajada antes por aqueles bárbaros. Quando Paul soube tudo isto pareceu que ia enlouquecer. A partir de então, entregou-se à bebida para esquecer a espantosa tragédia. Consegui finalmente convencê-lo e trouxe-o para aqui, com o nosso tio Sergey que nos ofereceu a sua casa uma vez que nós tínhamos ficado na ruína.
Alguém chamou a jovem de cozinha. Cinthia limpou as lágrimas que lhe brotavam dos olhos com os dedos e depois tentou sorrir.
— Já sabem o motivo que leva meu irmão a beber. Tentámos que ele se corrigisse, mas é impossível, tem esse vício já muito arreigado. É capaz de tudo por um copo de uísque.
Da cozinha voltaram a chamar a rapariga.
— Terão de me perdoar — desculpou-se —, meu tio chama-me. Sempre recordarei o que fizeram por meu irmão.
Girou sobre os tacões e caminhou, com passo ligeiro, para a cozinha. Cole Derry e Brian olharam-se, em silêncio, durante alguns segundos.
— Mais um drama da guerra — murmurou o sardento. — Há centenas de casos como o desse rapaz. Bons dias!
Havia-se levantado, atirando algumas moedas sobre a mesa. Atravessou a sala de jantar pausadamente e saiu para a rua.
Brian Boyds continuou no seu lugar. Havia seguido com o olhar os passos do sardento. Por um momento julgou que iria continuar a comentar a dolorosa história de Paul Keener.
Ao afastar o olhar da porta notou que o ajudante do negociante apanhava o seu chapéu e abandonava o local, seguindo a mesma direção de Cole Derry.
Seguindo um palpite levantou-se da mesa, colocou algumas moedas sobre a toalha e saiu para o alpendre. Chegou a tempo de ver Cole Derry parado em frente da correaria. Falava com um velho. Este, com o braço estendido, indicava-lhe qualquer coisa ao fim da rua. O sardento afastou-se do velho, atravessou a rua e montou um cavalo atado ao madeiro do «saloon» «Duas Estrelas». Pô-lo a um trote curto. Ao fim de algum tempo, cortou à direita e cavalgou por uma ruela estreita desaparecendo da vista.
Também ele atravessou a rua, não para se dirigir à quadro de aluguer onde deixara o seu cavalo, diante de uma boa ração, mas sim para entrar na barbearia. Até àquela manhã não havia reparado em como tinha o cabelo comprido. Através do espelho sujo da barbearia viu Chill Talbott atravessar a rua. Montava um bonito cavalo baio. Ia muito direito na sela e com o seu eterno cigarro na boca
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