O olhar astuto e rápido de Chill Talbott pousou-se, perscrutador, no rosto ossudo de Spencer Hacker. Sussurrou ironicamente:
— Bem, já estamos sós. Que coisa é essa tão interessante que tens para me contar a respeito desse forasteiro?
Durante dez minutos, o homem alto esteve a falar ao ouvido do negociante de gado. Os seus olhos brilhavam como os dos gatos na escuridão. Ao terminar, recostou-se na cadeira e olhou para Talbott sorrindo matreiramente.
-- Que te pareceu, Chill ? — perguntou, satisfeito.
— Que bebeste mais que a conta esta tarde, Spencer. Leio-o nos teus olhos.
Spencer Hacker voltou a sorrir, mostrando uns dentes compridos, descarnados, sujos.
— Enganas-te, Chill, apenas bebi meia dúzia de copos. Os necessários para refrescar a boca.
O negociante de gado começou a bater, suavemente, sobre a tampa da mesa sem olhar para o outro. Subitamente, apanhou a garrafa e deitou alguns dedos de bebida no seu copo. Depois, encheu o do seu interlocutor. Disse, mal movendo os lábios:
— Não estarás a fantasiar, Spencer?
— Nunca falei tanto a sério, Chill. Tudo quanto te acabo de contar é certo. Havia esquecido aquilo, mas a presença desse rapaz fez-me recordar o passado. Brian Boyds veio aqui procurar qualquer coisa, e essa coisa não pode ser outra senão...
— Continuo a pensar que estás a sonhar — interrompeu-o Talbott, irónico. — Passaram cerca de dois anos, tempo mais que suficiente para que o forasteiro tivesse tentado apoderar-se disso.
— Podem ter surgido imprevistos — argumentou Spencer, teimosamente. — Ou não ter sabido até agora do que fizera seu irmão Fred.
Talbott deu algumas palmadinhas no braço do outro. Nos seus olhos continuavam a brilhar chispas da ironia anterior.
— Bem, admitamos que tens razão, que a tua história é verdadeira. Que papel distribuis ao outro tipo, ao sardento ? Já ouviste dizer que foi surpreendido pelos homens de Granwley inspecionando os mesmos sítios que Brian Boyds.
— Estou convencido de que estão combinados, apesar da sua afirmação de não se conhecerem. Cole Derry chegou ontem. O outro, Boyds, deve ter ficado perto do rancho de Granwley. Tendo Derry fracassado na sua exploração, Boyds tentou-a hoje.
Talbott ficou pensativo. O sorriso irónico tinha desaparecido dos seus lábios. Spencer, que o observava em silêncio, sorriu interiormente. Adivinhou que o seu chefe começava a tomar as suas palavras em consideração. Trabalhava há um ano para o negociante de gado como ajudante. Conhecera-o na fronteira do Novo México. Talbott, então, tinha outro ajudante. Uma bala disparada por um mexicano ébrio acabara de improviso com a sua vida. Talbott fizera-o substituir naquela mesma noite por ele. Necessitava de um auxiliar. Não tinha queixas a fazer sobre o seu trabalho.
Talbott fazia negócios com a compra e venda de gado e não era indivíduo que pagasse mal. O trabalho do ajudante consistia em levar as reses compradas pelo seu chefe aos novos donos ou em visitar os ranchos para adquirir vitelas ou cavalos.
Talbott quebrou o momentâneo silêncio que envolvera o pequeno compartimento. Disse, seguindo o fio do seu pensamento.
— Há muitos pontos escuros em tudo isto, Spencer. Nem tu próprio estás certo do que me contaste.
— Antes não estava, mas agora estou — afirmou o outro, convictamente. — O que ignorava era o lugar onde Fred Boyds e Eddie Weiber tinham ocultado aquilo. A presença destes dois rapazes decifrou-me o enigma.
O negociante de gados voltou a tamborilar com os dedos sobre a mesa, pensativo. Parecia presa de uma ideia fixa. Spencer continuou, com os olhos brilhantes:
— Os rumores que correram pelo nosso esquadrão foram de que eles se haviam locupletado com uma fortuna fabulosa em joias.
— E quem te diz que não enviaram essa fortuna aos seus familiares ?
— Impossível. Fred Boyds e o seu amigo Weiber morreram dias depois numa emboscada que nos armaram os confederados.
— Insisto em que podem ter-se libertado das joias antes dessa emboscada.
— E eu asseguro-te que não. Quando me licenciaram fiz averiguações nas terras de Fred Boyds e de Weiber. As suas famílias são tão pobres como ratos e continuam tão pobres como então. Isto confirma a minha suspeito de que esconderam o seu tesouro para o recuperarem quando terminasse a guerra.
Talbott bebeu um golo de uísque. O brilho dos seus olhos havia-se acentuado. Spencer, que o conhecia a fundo, continuou categoricamente:
— O senhor Granwley não resistirá a uma boa proposta para a compra do seu rancho. Estou certo de que Boyds ou Welber esconderam naquelas terras o tesouro. O negócio que faríamos ao comprar o «Círculo M. G.» seria fabuloso.
— Se a tua suspeita fosse verdadeira — respondeu Talbott.
— Mas, é, Chill — afirmou Spencer, excitado. — Weiber e Fred Boyds eram dois tipos espertos, sem grandes escrúpulos. Uma noite a sua secção atacou uma fazenda sulista a sul de Kentucky. Já sabes o que sucedia com tudo o que cheirasse a confederado. Mataram todas as pessoas que encontraram dentro da casa. Depois saquearam-na e, por fim, reduziram-na a cinzas.
— Como sabes então que Weiber e Fred Boyds se apoderaram daquelas joias, se ninguém os viu ?
— O sargento Lake disse-nos ao regressarmos ao acampamento que Weiber e Boyds tinham sido os primeiros a lançar-se ao ataque à fazenda. percorrendo as salas antes de eles entrarem na casa. Tenho para mim que aqueles dois bandidos sabiam da fortuna que os donos daquela fazenda guardavam e haviam decidido apoderar-se dela antes que o fizessem os seus companheiros.
Do rosto contraído de Chill Talbott havia desaparecido a expressão anterior de ceticismo. Começava a achar plausível o relato do seu ajudante. Não obstante, uma dúvida persistia no seu cérebro. Disse pensativamente:
— Como explicarás que esse hipotético tesouro tenha aparecido, de súbito, num lugar tão distante de Kentucky?
— Só há uma explicação — respondeu o outro calmamente. Fez uma pausa para pôr em ordem os seus pensamentos e continuou: — Dias depois do assalto àquela fazenda o nosso esquadrão recebeu ordem de impedir a passagem de uma caravana do Texas com armas para os confederados. Certamente Weiber e Boyds levavam o tesouro oculto nos seus alforges. Devem tê-lo escondido perto do regato, onde levantámos as nossas tendas. Numa daquelas noites os sulistas caíram sobre nós e passaram--nos à espada. Weiber e Fred Boyds foram dos primeiros a cair. Salvámo-nos apenas uns vinte homens do esquadrão. Tivemos de fugir ao abrigo das sombras da noite.
Sim, tudo aquilo podia ter sucedido, mas o que continuava a torturar o cérebro do negociante era o espaço de tempo decorrido entre a aparição do irmão de Fred Boyds e seu amigo Cole Derry e os factos que o seu ajudante lhe acabava de referir.
Por mais esforços que fizesse' para coordenar os factos naquele quebra-cabeças não conseguia. Spencer devia ter-lhe lido no pensamento porque disse sorrindo:
— Tenho a impressão de que Brian Boyds é tão astuto como o irmão. Ignoro a forma como se informou do assunto das joias mas parece-me que deixou decorrer todo este tempo para despistar. Deve ter-se associado com esse louro sardento para recuperar o tesouro roubado por seu irmão e por Weiber, de outro modo não se concebe que os dois tenham sido surpreendidos no regato do «Círculo M. G.».
— É possível que tenhas razão — admitiu por fim Chill Talbott pensativamente.
Olhou para Spencer com um sorriso enigmático e acrescentou:
— A partir desta noite terás uma nova ocupação, Spencer.
— A de não perder de vista esses dois rapazes, não é verdade?
— As vezes és inteligente, rapaz — riu o negociante de boa vontade. — Amanhã visitarei Granwley e propor-lhe-ei a compra do rancho.
— Aceitará, estou certo. No outro dia ouvi-lhe dizer que desejava ir para Nevada ter com a filha e a neta.
Talbott começou a acariciar o queixo numa atitude pensativa. A dúvida assaltou-o novamente:
— O pior é se afinal tudo isto não passa de uma miragem!
— Não creio. De qualquer maneira pouco perderias. Voltando a vender o rancho recuperarias o teu dinheiro.
Notando que não bebia há alguns minutos encheu o copo e bebeu-o de uma só vez. Acto contínuo voltou a enchê-lo. Talbott franziu as sobrancelhas, aborrecido.
— Não bebas mais — resmungou desabridamente. — Recorda-te de que tens de ter os olhos bem abertos e as orelhas também.
— Não te preocupes, Chill, cumprirei perfeitamente a minha missão. Com outro copo ficarei em forma. Já sabes que o uísque me aclara a vista e o entendimento.
Riu da sua própria graça e antes que Talbott o pudesse impedir engoliu o conteúdo do copo. O negociante de gado levantou-se com as sobrancelhas franzidas.
— Levas o mesmo caminho de Paul Keener — resmungou de mau-humor. — Já te avisei de que te moderes no uso da bebida ou terei de prescindir dos teus serviços.
— Parece-me que o teu desejo será satisfeito muito depressa, Chill.
Um brilho de ironia havia-se acendido nas pupilas de Spencer Hacker. Talbott olhou-o fixamente. Havia adivinhado o que o outro lhe quisera dizer com aquelas palavras.
— Sabes uma coisa, Chill? — continuou Spencer em voz baixa. — Sempre desejei ter um «saloon». Isso de criar gado não me seduz. Prefiro ser dono de um estabelecimento como este, com as estantes cheias de garrafas para desrolhar as que me apetecer e mulheres ao alcance da mão. Tenho a certeza de que depressa varei o meu sonho realizado.
Piscou-lhe maliciosamente um olho como que a indicar-lhe que já sabia de que modo se tornaria proprietário. Depois estendeu a mão, apanhou a garrafa e encostou o gargalo aos lábios, bebendo um trago.
— Maldito bêbado! — gritou Talbott, arrancando-lhe a garrafa bruscamente.
O liquido escorreu pelas comissuras dos lábios de Spencer Hacker. Com as costas da mão limpou a boca. Uma chispa de cólera fulgurou-lhe nos olhos.
— Quando for tão rico como tu não me poderás impedira de beber tudo quanto me apeteça — resmungou com voz surda.
— De acordo, não te impedirei, mas ainda não és para te permitires esse luxo. Ainda estás sob as minhas ordens.
— Afortunadamente, será por pouco tempo. Dentro de alguns dias dar-me-ei ao prazer de te convidar para tomarmos meia dúzia de garrafas de champanhe e de te anunciar que procures um novo ajudante.
— Será a melhor alegria que me podes dar — riu Talbot, abandonando a sua posição hostil. Encheu o seu copo e o de Spencer sorridente: — pelo êxito da nossa empresa — brindou. — Que tudo corra como pensas.
Spencer Hacker voltou a pensar que Chill Talbott era a melhor pessoa do mundo. A mais sensata também. E que havia tido uma ideia luminosa associando-o ao seu projeto.
— Bem, já estamos sós. Que coisa é essa tão interessante que tens para me contar a respeito desse forasteiro?
Durante dez minutos, o homem alto esteve a falar ao ouvido do negociante de gado. Os seus olhos brilhavam como os dos gatos na escuridão. Ao terminar, recostou-se na cadeira e olhou para Talbott sorrindo matreiramente.
-- Que te pareceu, Chill ? — perguntou, satisfeito.
— Que bebeste mais que a conta esta tarde, Spencer. Leio-o nos teus olhos.
Spencer Hacker voltou a sorrir, mostrando uns dentes compridos, descarnados, sujos.
— Enganas-te, Chill, apenas bebi meia dúzia de copos. Os necessários para refrescar a boca.
O negociante de gado começou a bater, suavemente, sobre a tampa da mesa sem olhar para o outro. Subitamente, apanhou a garrafa e deitou alguns dedos de bebida no seu copo. Depois, encheu o do seu interlocutor. Disse, mal movendo os lábios:
— Não estarás a fantasiar, Spencer?
— Nunca falei tanto a sério, Chill. Tudo quanto te acabo de contar é certo. Havia esquecido aquilo, mas a presença desse rapaz fez-me recordar o passado. Brian Boyds veio aqui procurar qualquer coisa, e essa coisa não pode ser outra senão...
— Continuo a pensar que estás a sonhar — interrompeu-o Talbott, irónico. — Passaram cerca de dois anos, tempo mais que suficiente para que o forasteiro tivesse tentado apoderar-se disso.
— Podem ter surgido imprevistos — argumentou Spencer, teimosamente. — Ou não ter sabido até agora do que fizera seu irmão Fred.
Talbott deu algumas palmadinhas no braço do outro. Nos seus olhos continuavam a brilhar chispas da ironia anterior.
— Bem, admitamos que tens razão, que a tua história é verdadeira. Que papel distribuis ao outro tipo, ao sardento ? Já ouviste dizer que foi surpreendido pelos homens de Granwley inspecionando os mesmos sítios que Brian Boyds.
— Estou convencido de que estão combinados, apesar da sua afirmação de não se conhecerem. Cole Derry chegou ontem. O outro, Boyds, deve ter ficado perto do rancho de Granwley. Tendo Derry fracassado na sua exploração, Boyds tentou-a hoje.
Talbott ficou pensativo. O sorriso irónico tinha desaparecido dos seus lábios. Spencer, que o observava em silêncio, sorriu interiormente. Adivinhou que o seu chefe começava a tomar as suas palavras em consideração. Trabalhava há um ano para o negociante de gado como ajudante. Conhecera-o na fronteira do Novo México. Talbott, então, tinha outro ajudante. Uma bala disparada por um mexicano ébrio acabara de improviso com a sua vida. Talbott fizera-o substituir naquela mesma noite por ele. Necessitava de um auxiliar. Não tinha queixas a fazer sobre o seu trabalho.
Talbott fazia negócios com a compra e venda de gado e não era indivíduo que pagasse mal. O trabalho do ajudante consistia em levar as reses compradas pelo seu chefe aos novos donos ou em visitar os ranchos para adquirir vitelas ou cavalos.
Talbott quebrou o momentâneo silêncio que envolvera o pequeno compartimento. Disse, seguindo o fio do seu pensamento.
— Há muitos pontos escuros em tudo isto, Spencer. Nem tu próprio estás certo do que me contaste.
— Antes não estava, mas agora estou — afirmou o outro, convictamente. — O que ignorava era o lugar onde Fred Boyds e Eddie Weiber tinham ocultado aquilo. A presença destes dois rapazes decifrou-me o enigma.
O negociante de gados voltou a tamborilar com os dedos sobre a mesa, pensativo. Parecia presa de uma ideia fixa. Spencer continuou, com os olhos brilhantes:
— Os rumores que correram pelo nosso esquadrão foram de que eles se haviam locupletado com uma fortuna fabulosa em joias.
— E quem te diz que não enviaram essa fortuna aos seus familiares ?
— Impossível. Fred Boyds e o seu amigo Weiber morreram dias depois numa emboscada que nos armaram os confederados.
— Insisto em que podem ter-se libertado das joias antes dessa emboscada.
— E eu asseguro-te que não. Quando me licenciaram fiz averiguações nas terras de Fred Boyds e de Weiber. As suas famílias são tão pobres como ratos e continuam tão pobres como então. Isto confirma a minha suspeito de que esconderam o seu tesouro para o recuperarem quando terminasse a guerra.
Talbott bebeu um golo de uísque. O brilho dos seus olhos havia-se acentuado. Spencer, que o conhecia a fundo, continuou categoricamente:
— O senhor Granwley não resistirá a uma boa proposta para a compra do seu rancho. Estou certo de que Boyds ou Welber esconderam naquelas terras o tesouro. O negócio que faríamos ao comprar o «Círculo M. G.» seria fabuloso.
— Se a tua suspeita fosse verdadeira — respondeu Talbott.
— Mas, é, Chill — afirmou Spencer, excitado. — Weiber e Fred Boyds eram dois tipos espertos, sem grandes escrúpulos. Uma noite a sua secção atacou uma fazenda sulista a sul de Kentucky. Já sabes o que sucedia com tudo o que cheirasse a confederado. Mataram todas as pessoas que encontraram dentro da casa. Depois saquearam-na e, por fim, reduziram-na a cinzas.
— Como sabes então que Weiber e Fred Boyds se apoderaram daquelas joias, se ninguém os viu ?
— O sargento Lake disse-nos ao regressarmos ao acampamento que Weiber e Boyds tinham sido os primeiros a lançar-se ao ataque à fazenda. percorrendo as salas antes de eles entrarem na casa. Tenho para mim que aqueles dois bandidos sabiam da fortuna que os donos daquela fazenda guardavam e haviam decidido apoderar-se dela antes que o fizessem os seus companheiros.
Do rosto contraído de Chill Talbott havia desaparecido a expressão anterior de ceticismo. Começava a achar plausível o relato do seu ajudante. Não obstante, uma dúvida persistia no seu cérebro. Disse pensativamente:
— Como explicarás que esse hipotético tesouro tenha aparecido, de súbito, num lugar tão distante de Kentucky?
— Só há uma explicação — respondeu o outro calmamente. Fez uma pausa para pôr em ordem os seus pensamentos e continuou: — Dias depois do assalto àquela fazenda o nosso esquadrão recebeu ordem de impedir a passagem de uma caravana do Texas com armas para os confederados. Certamente Weiber e Boyds levavam o tesouro oculto nos seus alforges. Devem tê-lo escondido perto do regato, onde levantámos as nossas tendas. Numa daquelas noites os sulistas caíram sobre nós e passaram--nos à espada. Weiber e Fred Boyds foram dos primeiros a cair. Salvámo-nos apenas uns vinte homens do esquadrão. Tivemos de fugir ao abrigo das sombras da noite.
Sim, tudo aquilo podia ter sucedido, mas o que continuava a torturar o cérebro do negociante era o espaço de tempo decorrido entre a aparição do irmão de Fred Boyds e seu amigo Cole Derry e os factos que o seu ajudante lhe acabava de referir.
Por mais esforços que fizesse' para coordenar os factos naquele quebra-cabeças não conseguia. Spencer devia ter-lhe lido no pensamento porque disse sorrindo:
— Tenho a impressão de que Brian Boyds é tão astuto como o irmão. Ignoro a forma como se informou do assunto das joias mas parece-me que deixou decorrer todo este tempo para despistar. Deve ter-se associado com esse louro sardento para recuperar o tesouro roubado por seu irmão e por Weiber, de outro modo não se concebe que os dois tenham sido surpreendidos no regato do «Círculo M. G.».
— É possível que tenhas razão — admitiu por fim Chill Talbott pensativamente.
Olhou para Spencer com um sorriso enigmático e acrescentou:
— A partir desta noite terás uma nova ocupação, Spencer.
— A de não perder de vista esses dois rapazes, não é verdade?
— As vezes és inteligente, rapaz — riu o negociante de boa vontade. — Amanhã visitarei Granwley e propor-lhe-ei a compra do rancho.
— Aceitará, estou certo. No outro dia ouvi-lhe dizer que desejava ir para Nevada ter com a filha e a neta.
Talbott começou a acariciar o queixo numa atitude pensativa. A dúvida assaltou-o novamente:
— O pior é se afinal tudo isto não passa de uma miragem!
— Não creio. De qualquer maneira pouco perderias. Voltando a vender o rancho recuperarias o teu dinheiro.
Notando que não bebia há alguns minutos encheu o copo e bebeu-o de uma só vez. Acto contínuo voltou a enchê-lo. Talbott franziu as sobrancelhas, aborrecido.
— Não bebas mais — resmungou desabridamente. — Recorda-te de que tens de ter os olhos bem abertos e as orelhas também.
— Não te preocupes, Chill, cumprirei perfeitamente a minha missão. Com outro copo ficarei em forma. Já sabes que o uísque me aclara a vista e o entendimento.
Riu da sua própria graça e antes que Talbott o pudesse impedir engoliu o conteúdo do copo. O negociante de gado levantou-se com as sobrancelhas franzidas.
— Levas o mesmo caminho de Paul Keener — resmungou de mau-humor. — Já te avisei de que te moderes no uso da bebida ou terei de prescindir dos teus serviços.
— Parece-me que o teu desejo será satisfeito muito depressa, Chill.
Um brilho de ironia havia-se acendido nas pupilas de Spencer Hacker. Talbott olhou-o fixamente. Havia adivinhado o que o outro lhe quisera dizer com aquelas palavras.
— Sabes uma coisa, Chill? — continuou Spencer em voz baixa. — Sempre desejei ter um «saloon». Isso de criar gado não me seduz. Prefiro ser dono de um estabelecimento como este, com as estantes cheias de garrafas para desrolhar as que me apetecer e mulheres ao alcance da mão. Tenho a certeza de que depressa varei o meu sonho realizado.
Piscou-lhe maliciosamente um olho como que a indicar-lhe que já sabia de que modo se tornaria proprietário. Depois estendeu a mão, apanhou a garrafa e encostou o gargalo aos lábios, bebendo um trago.
— Maldito bêbado! — gritou Talbott, arrancando-lhe a garrafa bruscamente.
O liquido escorreu pelas comissuras dos lábios de Spencer Hacker. Com as costas da mão limpou a boca. Uma chispa de cólera fulgurou-lhe nos olhos.
— Quando for tão rico como tu não me poderás impedira de beber tudo quanto me apeteça — resmungou com voz surda.
— De acordo, não te impedirei, mas ainda não és para te permitires esse luxo. Ainda estás sob as minhas ordens.
— Afortunadamente, será por pouco tempo. Dentro de alguns dias dar-me-ei ao prazer de te convidar para tomarmos meia dúzia de garrafas de champanhe e de te anunciar que procures um novo ajudante.
— Será a melhor alegria que me podes dar — riu Talbot, abandonando a sua posição hostil. Encheu o seu copo e o de Spencer sorridente: — pelo êxito da nossa empresa — brindou. — Que tudo corra como pensas.
Spencer Hacker voltou a pensar que Chill Talbott era a melhor pessoa do mundo. A mais sensata também. E que havia tido uma ideia luminosa associando-o ao seu projeto.
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