Lupe, a graciosa e exótica mexicana, bailava do outro lado da fronteira, aos langorosos e não pouco excitantes compassos da música executada por um par de guitarras, um cornetim e um pandeiro, quando Lou Twerlin chegou a Chiricahua Hills.
Era uma povoação constituída quase só por homens, porque as mulheres não tinham chegado ainda e as poucas que ali existiam eram insignificantes. Apesar disso, podia, afoitamente, afirmar-se que as mais belas raparigas de todo o Sul do Arizona se encontravam em Chiricahua Hills.
O recém-chegado acomodou o seu cavalo na cavalariça que estava situado em frente do «saloon» de Doc Newman, abasteceu a manjedoura sem pedir licença ao homem que dormitava sobre o feno, e encaminhou-se para a taberna. Empurrou os batentes da porta e ficou-se alguns momentos entre os umbrais, observando com olhos perspicazes os homens e as mulheres que enchiam todo o recinto.
A clientela era constituída por pistoleiros e foragidos de mistura com diversas mulheres; a proporção era de quatro homens para cada rapariga...
Twerlin vivera o tempo suficiente entre os piores homens, para compreender que estava ali reunida a fina flor de todo o Sudoeste. Pela expressão dos vários curiosos, que se voltaram para o observar, compreendeu imediatamente que apenas dois caminhos se lhe apresentavam: ou pisar o próprio terreno que eles pisavam, ou atraí-los para o seu campo de ação.
Após aquele primeiro movimento de curiosidade e de apreciação, os clientes do «saloon» desinteressaram-se desdenhosamente do recém-chegado.
Quando Lupe executava os seus bailados, todos os olhares se fixavam nela... Lupe!
Lou Twerlin quase sentiu faltar-lhe a respiração, quando o seu olhar se cravou na galante rapariga que, nesse momento, bailava uma espécie de fandango. Recordou-se instantaneamente do que era na realidade, uma mulher; e o que isso significava. Passou a língua pelos lábios. Aquela jovem era uma soberba representante do género feminino!
Twerlin aproximou-se do balcão e pediu de beber, sem deixar de dirigir olhares incendiados para a gentil bailarina. Lupe, além de jovem era bastante bonita. Trajava um vestido de cores garridas, amplamente decotado, que deixava entrever os seus pujantes seios e uma saia vaporosa que, no revolutear da dança, revelava os mórbidos contornos das suas coxas roliças.
Terminada a exibição, um coro de aplausos coroou a atuação da vedeta que, ágil como uma gazela, se furtou aos seus admiradores esgueirando-se pela escada que conduzia ao piso superior.
Twerlin notou que aquela escaldante beldade lhe dirigira um rápido e furtivo relance de olhos e, sentindo como que um calafrio percorrer-lhe todas as suas veias, enviou-lhe delicadamente um beijo na ponta dos dedos.
Um dos homens que se encontravam junto do balcão, acercou-se do forasteiro e advertiu:
— Cuidado, amigo! Aquela jovem é pertença do chefe. Entendido?
Olhou-o de alto a baixo com o maior desdém.
— Quem te pôs na mão a vela dos enterros, amigo?
O outro hesitou um momento. E a seguir:
— Ponha-se a andar daqui para fora, amigo. Volte para de onde veio, ou...
Lou Twerlin franziu o sobrolho. Aquela maneira de dizer as coisas, áspera e seca, foi reforçada ainda com o significativo gesto de quem empunha um revólver.
— É uma ameaça?
—E a si que lhe parece?
— Puff!...
Twerlin cuspiu para o lado. O homem, que estava na sua frente, ficou vermelho de raiva e puxou pelo revólver.
Não devia tê-lo feito. Demasiado tarde se apercebeu da categoria do adversário que tinha pela frente. O revólver do desconhecido saltou para fora do coldre, não para ser empunhado pela mão do seu dono, mas para ir parar no soalho, uma vez que o provocador tinha caído também, por sua vez, de costas para trás, com os lábios rebentados pelo violento murro que o atingira.
Registou-se um instante de espanto e de sobressaltada surpresa. Num ápice, todas os frequentadores se afastaram para um dos lados, arredando precipitadamente mesas e cadeiras.
Os olhos de Lou Twerlin brilharam ameaçadoramente. Antevendo o perigo, deslizou rápido para a sua direita para se defrontar com os três homens. Três pistoleiros. Um trejeito amargo, quase doloroso, crispou-lhe os lábios.
— Bem, de que estais à espera, amigos ?...
Os três homens trocaram entre si um olhar de inteligência. O forasteiro era, sem dúvida, um pistoleiro profissional como eles próprios; um homem que vivia para matar... Eles, porém, eram três!
Nem uma palavra, nem um gesto. Não houve nada nem houve ninguém que dissesse aqueles homens que deviam matar ou morrer. Apesar disso, nenhum dos quatro se atrasou a mínima fração de tempo de que viesse depois a arrepender-se. Três explosões. Três?...
Foram realmente três... apenas três... Três tiros rápidos, velozes, simultâneos. Três fogachos condensados num só, que brotaram do revólver que Twerlin segurava na sua mão. Prodígio, destreza, habilidade. Serenidade, frieza... e pontaria. Como se tudo aquilo fosse a coisa mais natural deste mundo.
Lou Twerlin disparou aqueles três tiros em muito menos tempo do que os seus três antagonistas necessitaram para empunhar as armas respetivas. Disparou, fazendo girar a mão direita em jeito de leque, enquanto com a esquerda, premia aritmeticamente o percutor. O seu dedo indicador, imóvel, rígido, como que crispado sobre o gatilho...
Quase ao mesmo tempo, todos os três pistoleiros sentiram uma violenta sacudidela nas mãos armadas; o seu próprio sangue os salpicou de vermelho, enchendo-os de vergonha e de ignominia. Perfeitamente senhor da situação, muito mais vitorioso de que se os tivesse matado, Twerlin disse:
— Não me desloquei a Chiricahua para dar que fazer ao coveiro do cemitério. Mas ficai-vos com a certeza de que liquidarei qualquer imbecil que se atreva a atravessar-se no meu caminho. Entendidos ?
Ninguém respondeu. Os três pistoleiros que seguravam os pulsos quebrados e sanguentos, deram meia volta e desapareceram da sala, envergonhados e cabisbaixos, por uma das portas laterais.
Twerlin cravou os olhos no primeiro deles, o da advertência. Estendido ainda por terra, sangrando abundantemente pela comissura dos lábios cerrados e raivosos, aquele homem tinha os olhos fixos, como um cachorro enraivecido, no revólver caído a seu lado. Recolheu a arma para a desviar do alcance da mão.
— Persistes ainda em mandar-me daqui para fora, meu palerma?
Dos olhos do vencido saíram chamas de raiva, mas não foi tão estúpido que respondesse à pergunta.
Com um pouco de sorte era muito possível que, um dia mais tarde, pudesse vir a vingar-se daquele fanfarrão. Não seria muito difícil agredi-lo pelas costas!... Neste momento, porém... Lou Twerlin encafuou o revólver no coldre e voltou-se para o empregado do balcão.
— Vai dizer a Doc Newman que preciso de o ver imediatamente. Rápido!
O empregado arqueou as sobrancelhas.
— O senhor... o senhor deseja falar com o senhor Newman?
— Ficaste espantado, animal?
— Não, mas... é que o senhor Newman apenas recebe os seus amigos!
— Eu sou um desses amigos. Diz-lhe que desejo conversar um bocado e que prepare uma garrafa do seu melhor uísque para receber Lou Twerlin.
— Lou Twerlin! — o rapaz do balcão quedou-se boquiaberto.
— Conheces-me, por acaso, fantoche?
— Não... não... mas tenho ouvido o senhor Newman contar muitas coisas a seu respeito.
Twerlin esboçou um sorriso.
— Se é assim, porque esperas, idiota? Vai avisar o senhor Doc.
Subitamente o pistoleiro voltou-se, rapidamente, de forma a ficar de frente para um homem que, silenciosamente, se aproximava dele pelas costas. Foi um movimento instintivo, veloz, agilíssimo, quase como um pulo de um gato sobressaltado. A sua mão direita voou em direção da coronha da arma.
— Desejavas ver-me Lou?...
A pessoa que acabava de falar era um homem relativamente novo, alto e forte, de aspeto frio, duro e implacável. Os seus olhos eram inquisitoriais e penetrantes, mas nos seus lábios brincava um sorriso bonacheirão.
Lou Twerlin arrecadou o revólver e aproximou-se do homem a quem estendeu a mão.
— Doe, amigo...
— Como vai isso, meu sem-vergonha?...
As mãos dos dois homens estreitaram-se num forte e demorado aperto. Ora...
Lou Twerlin só tarde se apercebeu das verdadeiras intenções do seu amigo. Quando quis reagir já Newman lhe havia aplicado um violento golpe no estômago com a mão esquerda, enquanto com a direita lhe segurava a mão, impedindo-o de se afastar.
Perdido todo o vestígio de respiração, Twerlin dobrou-se para a frente como um boneco. Mas, como se de uma catapulta se tratasse, o punho de Newman vibrou um violento murro nos queixos do pistoleiro obrigando a retomar a posição vertical. Embateu com as costas no balcão, deslizou seguidamente para o solo onde permaneceu de cabeça curvada, como se todos os ossos das articulações se lhe tivessem quebrado. Doc Newman aproximou-se, rindo à gargalhada. Segurou-o pela gola da peliça e ergueu-o no ar, sem o menores forço.
— Eh, Lou! — sorriu de novo. — Bem se vê que não estás em forma, rapaz. Ou já te esqueceste que, comigo não pode haver descuidos?...
Newman calou-se. Subitamente, o sorriso desapareceu-lhe dos lábios. O comprido cano do revólver de Twerlin acabava de se lhe cravar em pleno estômago.
— Querias dizer alguma coisa, Doe?...
— Mas... Como... Maldito sejas, Lou!
Os lábios de Twerlin crisparam-se num esgar de duro escárnio.
— Parece que esqueceste de que, comigo, também não pode haver qualquer descuido. Que tal?
Doc Newman saltou uma praga e fez menção de se apoderar do revólver.
— Cuidado — preveniu Twerlin. — No teu lugar eu não procederia dessa maneira, sabes?
Disse aquilo de tom mais natural de mundo, quase amistosamente... ao mesmo tempo que o ruído seco do percutor denunciava que a arma se encontrava pronta a entrar em ação. Os olhos de Doc Newman relampejara. Passou nervosamente a língua pelos lábios e ensaiou um sorriso:
— Estás gracejando, não?...
— Parece-te?
— Não te faças parvo...
Lou Twerlin acentuou mais a pressão do cano da sua arma no estômago do seu antagonista.
— Podia matar-te, sabes?... Um simples movimento do dedo sobre o gatilho e... Ou não me deste sobejas razões para isso? Acaso não puseste as tuas mãos imundas sobre mim ? Porque fizeste semelhante coisa, não me dirás ? Foi para armares em valente, à vista dos teus homens? Ou para demonstrares a todos estes papalvos que era capaz de amachucar o tipo que se atreveu a metê-los na ordem ?
A voz de Twerlin, a despeito da toda a sua suavidade, conseguiu irritar Newman. Apesar disso, tratou de reagir, demonstrando um aprumo que estava muito longe de sentir.
— Estás perdido de bêbado, Lou — disse. — Se assim não fosse, não te dirigirias a mim dessa maneira. Guarda a arma!
— Falas a sério? — Twerlin sorriu-se, divertido. — Que aconteceria se eu fizesse uma coisa dessas, Doc? Sim, que iria suceder se me apresentasse desarmado diante de ti e desses paspalhos que te servem de guarda-costas?
— Escuta, Lou: basta de palermices. Guarda o teu revólver e vamos tomar uma bebida em boa harmonia!
No meio do silêncio e da expectativa daquele asqueroso «saloon», estoirou uma gargalhada sonora e franca de Lou Twerlin.
— Combinado — disse em tom afável. — Seria de lamentar que dois velhos camaradas se matassem como cachorros!
Guardou o revólver num movimento rapidíssimo, aplicando a seguir um violento murro no maxilar de Doc Newman. Foram de tal forma simultâneos os dois movimentos que mal puderam ser observados pelos presentes. Antes de que qualquer dos circunstantes pudesse sequer suspeitar o que ia suceder-se, Newman foi impelido para traz como uma mola, indo estatelar-se, de costas, sobre o soalho.
— Bom, estamos todos em paz, hem? — disse Twerlin sacudindo as mãos uma na outra.
Outras mãos, porém, se apressaram a empunhar as armas. Antecipando-se velozmente aos seus adversários, Twerlin voltou a apoderar-se do revólver, visando os que pretendiam surpreendê-lo. Fez-se um silêncio de alguns, poucos, segundos, mas a tensão que reinava no ambiente, fê-los parecer quase uma eternidade. Ouviu-se, em seguida, a voz do forasteiro:
— Para que hão-de vocês meter-se nisto, rapazes ? Não compreenderam ainda que se trata de uma simples brincadeira entre velhos amigos?...
Uma gargalhada alegre e galhofeira, encheu a sala.
— Lou Twerlin! Sempre o mesmo — disse uma voz vinda do pavimento do «saloon». E a mesma voz, advertiu imperiosamente: — Quietos!... Metei-vos na vossa vida, grandes estúpidos! Aquele que levantar um simples dedo para ele, terá de se entender comigo. Fiz-me compreender?
Tanto os dois homens, como o vencido e o vencedor se entreolharam atentamente. Twerlin guardou o revive enquanto Newman acariciava com a mão o queixo magoado.
— Diabos te levem, Lou! Continuas a ser um tipo tão rápido e perigoso como uma cobra.
O pistoleiro sorriu-se.
— Tu também não és manco, Doc. Tinhas algum motivo para me tratar assim, pedaço de asno ?...
Newman carregou as sobrancelhas.
—E és tu que me dizes isso, grande animal? Por pouco não me quebravas os queixos!
Riram-se ambos, alegremente, sanhudos mas divertidos. Twerlin estendeu a mão a Newman para o ajudar a erguer-se.
— Arriba, rapaz... mas nada de tramoias, heim?
— Está dito, Lou...
— Desde quando recebes tu, assim, os velhos camaradas?
— Perdoa, compadre. Mas... Caramba! Não há em toda a Chiricahua nenhum homem capaz de me meter nestes apertos como tu.
— Esquece-te disso. Onde é que para essa tal bebida que me ofereceste?
A pesada atmosfera do «saloon» pareceu desanuviar-se por completo, quando, amigavelmente, os dois homens, que momentos antes se batiam, se encaminharam para o balcão, onde o empregado se apressou a colocar dois copos e uma garrafa. Tão prontamente como haviam cessado, as conversas e as gargalhadas voltaram a reinar dentro da taberna.
Como se tudo aquilo que anteriormente se passara fosse a coisa mais natural do mundo, toda a gente se esqueceu rapidamente dos sucessos ocorridos. Sem quaisquer receios ou preocupações, todos retomaram o ritmo dos seus assuntos particulares, prosseguindo nos jogos ou nas conversações, tão bruscamente interrompidos.
No fim de contas, que mais dava uma ou duas dúzias de tiros, mais uma ou menos uma rixa em Chiricahua Hills?...
Um velho «cow-boy» sentou-se diante do piano e começou à martelada a ele, e o ambiente encheu-se num momento das vibrantes e melodiosas notas do «Lar meu doce lar»...
— Então, Doc!... Não queres apresentar-me ao teu amigo?
Newman voltou-se ao escutar a meiga e cálida voz de Lupe. Enlaçou rapidamente a rapariga pela cintura, atraiu-a a si e grunhiu alegremente:
— Que tal achas a minha cachopa, Lou?
Twerlin desviou por um instante os seus olhos da rapariga para olhar para o seu amigo, e disse:
— Uma perfeição. De onde a desencantaste, Doc ?
— Sei lá! Chegou aqui um dia para pedir trabalho como cantora e resolvi contratá-la... para tudo.
Apertando a jovem entre os seus possantes braços, Newman beijou-a furiosamente num dos ombros.
— Formosa rapariga, hem? — disse ele, piscando um olho a Twerlin.
— Formosa, sem dúvida...
— Chama-se Lupe. A mais atraente moça de todo o Arizona.
— Absolutamente de acordo.
— Mas é minha! Sinto-me orgulhoso dela, sabes? A vida aqui é muito monótona, meu rapaz. Estou convencido que daria em maluco se não tivesse Lupe junto de mim. Ela é... Bem... é como se fosse um alegre passarito, sempre adejando em redor de mim.
— Compreendo.
— Estás com inveja, não? — disse Newman, todo envaidecido. — Aposto em como nunca possuíste na tua vida uma mulher como eu.
— Ora...
Doc Newman, sorriu-se.
--É claro que não. Lou. Lupe, esta querida Lupe, é única.
— Muito bem. Única.
Twerlin concordou, ao mesmo tempo que os seus olhos ávidos e cintilantes lhe percorriam todo o corpo, desde os pés até à cabeça. O seu olhar era suficientemente expressivo. Tão expressivo que Lupe se ruborizou... Olharam-se.
— Sabes que este Lou Twerlin é o meu melhor amigo? — disse Newman sem vislumbrar nada de anormal naquela troca de olhares entre os dois. — E o grande Twerlin! Já corremos juntos, mais de um milhar de aventuras. Salvou-me a vida por diversas vezes e outras tantas vezes lhe paguei na mesma moeda. Lou é a única pessoa do mundo com quem repartiria tudo quanto tenho... Tudo, exceto tu, claro está!
Doc Newman riu-se alegremente da sua própria expressão. Twerlin, porém, não se riu. Nem Lupe. Lou Twerlin era um daqueles tipos duros e ríspidos, mas dotado de varonil presença, capaz de fazer palpitar o coração de qualquer mulher. Lupe era uma mulher. Uma mulher jovem e ardente e apaixonada que adivinhou naqueles escassos instantes, todos os pensamentos que tumultuavam no cérebro do forasteiro, cujos olhos não deixavam de a fixar. Lou Twerlin era um daqueles homens habituados a tudo conseguir, precisamente porque os outros o desdenham.
«É a única pessoa com quem eu repartiria tudo quanto tenho», tinha dito Newman.
Tudo?
Tudo!
Era uma povoação constituída quase só por homens, porque as mulheres não tinham chegado ainda e as poucas que ali existiam eram insignificantes. Apesar disso, podia, afoitamente, afirmar-se que as mais belas raparigas de todo o Sul do Arizona se encontravam em Chiricahua Hills.
O recém-chegado acomodou o seu cavalo na cavalariça que estava situado em frente do «saloon» de Doc Newman, abasteceu a manjedoura sem pedir licença ao homem que dormitava sobre o feno, e encaminhou-se para a taberna. Empurrou os batentes da porta e ficou-se alguns momentos entre os umbrais, observando com olhos perspicazes os homens e as mulheres que enchiam todo o recinto.
A clientela era constituída por pistoleiros e foragidos de mistura com diversas mulheres; a proporção era de quatro homens para cada rapariga...
Twerlin vivera o tempo suficiente entre os piores homens, para compreender que estava ali reunida a fina flor de todo o Sudoeste. Pela expressão dos vários curiosos, que se voltaram para o observar, compreendeu imediatamente que apenas dois caminhos se lhe apresentavam: ou pisar o próprio terreno que eles pisavam, ou atraí-los para o seu campo de ação.
Após aquele primeiro movimento de curiosidade e de apreciação, os clientes do «saloon» desinteressaram-se desdenhosamente do recém-chegado.
Quando Lupe executava os seus bailados, todos os olhares se fixavam nela... Lupe!
Lou Twerlin quase sentiu faltar-lhe a respiração, quando o seu olhar se cravou na galante rapariga que, nesse momento, bailava uma espécie de fandango. Recordou-se instantaneamente do que era na realidade, uma mulher; e o que isso significava. Passou a língua pelos lábios. Aquela jovem era uma soberba representante do género feminino!
Twerlin aproximou-se do balcão e pediu de beber, sem deixar de dirigir olhares incendiados para a gentil bailarina. Lupe, além de jovem era bastante bonita. Trajava um vestido de cores garridas, amplamente decotado, que deixava entrever os seus pujantes seios e uma saia vaporosa que, no revolutear da dança, revelava os mórbidos contornos das suas coxas roliças.
Terminada a exibição, um coro de aplausos coroou a atuação da vedeta que, ágil como uma gazela, se furtou aos seus admiradores esgueirando-se pela escada que conduzia ao piso superior.
Twerlin notou que aquela escaldante beldade lhe dirigira um rápido e furtivo relance de olhos e, sentindo como que um calafrio percorrer-lhe todas as suas veias, enviou-lhe delicadamente um beijo na ponta dos dedos.
Um dos homens que se encontravam junto do balcão, acercou-se do forasteiro e advertiu:
— Cuidado, amigo! Aquela jovem é pertença do chefe. Entendido?
Olhou-o de alto a baixo com o maior desdém.
— Quem te pôs na mão a vela dos enterros, amigo?
O outro hesitou um momento. E a seguir:
— Ponha-se a andar daqui para fora, amigo. Volte para de onde veio, ou...
Lou Twerlin franziu o sobrolho. Aquela maneira de dizer as coisas, áspera e seca, foi reforçada ainda com o significativo gesto de quem empunha um revólver.
— É uma ameaça?
—E a si que lhe parece?
— Puff!...
Twerlin cuspiu para o lado. O homem, que estava na sua frente, ficou vermelho de raiva e puxou pelo revólver.
Não devia tê-lo feito. Demasiado tarde se apercebeu da categoria do adversário que tinha pela frente. O revólver do desconhecido saltou para fora do coldre, não para ser empunhado pela mão do seu dono, mas para ir parar no soalho, uma vez que o provocador tinha caído também, por sua vez, de costas para trás, com os lábios rebentados pelo violento murro que o atingira.
Registou-se um instante de espanto e de sobressaltada surpresa. Num ápice, todas os frequentadores se afastaram para um dos lados, arredando precipitadamente mesas e cadeiras.
Os olhos de Lou Twerlin brilharam ameaçadoramente. Antevendo o perigo, deslizou rápido para a sua direita para se defrontar com os três homens. Três pistoleiros. Um trejeito amargo, quase doloroso, crispou-lhe os lábios.
— Bem, de que estais à espera, amigos ?...
Os três homens trocaram entre si um olhar de inteligência. O forasteiro era, sem dúvida, um pistoleiro profissional como eles próprios; um homem que vivia para matar... Eles, porém, eram três!
Nem uma palavra, nem um gesto. Não houve nada nem houve ninguém que dissesse aqueles homens que deviam matar ou morrer. Apesar disso, nenhum dos quatro se atrasou a mínima fração de tempo de que viesse depois a arrepender-se. Três explosões. Três?...
Foram realmente três... apenas três... Três tiros rápidos, velozes, simultâneos. Três fogachos condensados num só, que brotaram do revólver que Twerlin segurava na sua mão. Prodígio, destreza, habilidade. Serenidade, frieza... e pontaria. Como se tudo aquilo fosse a coisa mais natural deste mundo.
Lou Twerlin disparou aqueles três tiros em muito menos tempo do que os seus três antagonistas necessitaram para empunhar as armas respetivas. Disparou, fazendo girar a mão direita em jeito de leque, enquanto com a esquerda, premia aritmeticamente o percutor. O seu dedo indicador, imóvel, rígido, como que crispado sobre o gatilho...
Quase ao mesmo tempo, todos os três pistoleiros sentiram uma violenta sacudidela nas mãos armadas; o seu próprio sangue os salpicou de vermelho, enchendo-os de vergonha e de ignominia. Perfeitamente senhor da situação, muito mais vitorioso de que se os tivesse matado, Twerlin disse:
— Não me desloquei a Chiricahua para dar que fazer ao coveiro do cemitério. Mas ficai-vos com a certeza de que liquidarei qualquer imbecil que se atreva a atravessar-se no meu caminho. Entendidos ?
Ninguém respondeu. Os três pistoleiros que seguravam os pulsos quebrados e sanguentos, deram meia volta e desapareceram da sala, envergonhados e cabisbaixos, por uma das portas laterais.
Twerlin cravou os olhos no primeiro deles, o da advertência. Estendido ainda por terra, sangrando abundantemente pela comissura dos lábios cerrados e raivosos, aquele homem tinha os olhos fixos, como um cachorro enraivecido, no revólver caído a seu lado. Recolheu a arma para a desviar do alcance da mão.
— Persistes ainda em mandar-me daqui para fora, meu palerma?
Dos olhos do vencido saíram chamas de raiva, mas não foi tão estúpido que respondesse à pergunta.
Com um pouco de sorte era muito possível que, um dia mais tarde, pudesse vir a vingar-se daquele fanfarrão. Não seria muito difícil agredi-lo pelas costas!... Neste momento, porém... Lou Twerlin encafuou o revólver no coldre e voltou-se para o empregado do balcão.
— Vai dizer a Doc Newman que preciso de o ver imediatamente. Rápido!
O empregado arqueou as sobrancelhas.
— O senhor... o senhor deseja falar com o senhor Newman?
— Ficaste espantado, animal?
— Não, mas... é que o senhor Newman apenas recebe os seus amigos!
— Eu sou um desses amigos. Diz-lhe que desejo conversar um bocado e que prepare uma garrafa do seu melhor uísque para receber Lou Twerlin.
— Lou Twerlin! — o rapaz do balcão quedou-se boquiaberto.
— Conheces-me, por acaso, fantoche?
— Não... não... mas tenho ouvido o senhor Newman contar muitas coisas a seu respeito.
Twerlin esboçou um sorriso.
— Se é assim, porque esperas, idiota? Vai avisar o senhor Doc.
Subitamente o pistoleiro voltou-se, rapidamente, de forma a ficar de frente para um homem que, silenciosamente, se aproximava dele pelas costas. Foi um movimento instintivo, veloz, agilíssimo, quase como um pulo de um gato sobressaltado. A sua mão direita voou em direção da coronha da arma.
— Desejavas ver-me Lou?...
A pessoa que acabava de falar era um homem relativamente novo, alto e forte, de aspeto frio, duro e implacável. Os seus olhos eram inquisitoriais e penetrantes, mas nos seus lábios brincava um sorriso bonacheirão.
Lou Twerlin arrecadou o revólver e aproximou-se do homem a quem estendeu a mão.
— Doe, amigo...
— Como vai isso, meu sem-vergonha?...
As mãos dos dois homens estreitaram-se num forte e demorado aperto. Ora...
Lou Twerlin só tarde se apercebeu das verdadeiras intenções do seu amigo. Quando quis reagir já Newman lhe havia aplicado um violento golpe no estômago com a mão esquerda, enquanto com a direita lhe segurava a mão, impedindo-o de se afastar.
Perdido todo o vestígio de respiração, Twerlin dobrou-se para a frente como um boneco. Mas, como se de uma catapulta se tratasse, o punho de Newman vibrou um violento murro nos queixos do pistoleiro obrigando a retomar a posição vertical. Embateu com as costas no balcão, deslizou seguidamente para o solo onde permaneceu de cabeça curvada, como se todos os ossos das articulações se lhe tivessem quebrado. Doc Newman aproximou-se, rindo à gargalhada. Segurou-o pela gola da peliça e ergueu-o no ar, sem o menores forço.
— Eh, Lou! — sorriu de novo. — Bem se vê que não estás em forma, rapaz. Ou já te esqueceste que, comigo não pode haver descuidos?...
Newman calou-se. Subitamente, o sorriso desapareceu-lhe dos lábios. O comprido cano do revólver de Twerlin acabava de se lhe cravar em pleno estômago.
— Querias dizer alguma coisa, Doe?...
— Mas... Como... Maldito sejas, Lou!
Os lábios de Twerlin crisparam-se num esgar de duro escárnio.
— Parece que esqueceste de que, comigo, também não pode haver qualquer descuido. Que tal?
Doc Newman saltou uma praga e fez menção de se apoderar do revólver.
— Cuidado — preveniu Twerlin. — No teu lugar eu não procederia dessa maneira, sabes?
Disse aquilo de tom mais natural de mundo, quase amistosamente... ao mesmo tempo que o ruído seco do percutor denunciava que a arma se encontrava pronta a entrar em ação. Os olhos de Doc Newman relampejara. Passou nervosamente a língua pelos lábios e ensaiou um sorriso:
— Estás gracejando, não?...
— Parece-te?
— Não te faças parvo...
Lou Twerlin acentuou mais a pressão do cano da sua arma no estômago do seu antagonista.
— Podia matar-te, sabes?... Um simples movimento do dedo sobre o gatilho e... Ou não me deste sobejas razões para isso? Acaso não puseste as tuas mãos imundas sobre mim ? Porque fizeste semelhante coisa, não me dirás ? Foi para armares em valente, à vista dos teus homens? Ou para demonstrares a todos estes papalvos que era capaz de amachucar o tipo que se atreveu a metê-los na ordem ?
A voz de Twerlin, a despeito da toda a sua suavidade, conseguiu irritar Newman. Apesar disso, tratou de reagir, demonstrando um aprumo que estava muito longe de sentir.
— Estás perdido de bêbado, Lou — disse. — Se assim não fosse, não te dirigirias a mim dessa maneira. Guarda a arma!
— Falas a sério? — Twerlin sorriu-se, divertido. — Que aconteceria se eu fizesse uma coisa dessas, Doc? Sim, que iria suceder se me apresentasse desarmado diante de ti e desses paspalhos que te servem de guarda-costas?
— Escuta, Lou: basta de palermices. Guarda o teu revólver e vamos tomar uma bebida em boa harmonia!
No meio do silêncio e da expectativa daquele asqueroso «saloon», estoirou uma gargalhada sonora e franca de Lou Twerlin.
— Combinado — disse em tom afável. — Seria de lamentar que dois velhos camaradas se matassem como cachorros!
Guardou o revólver num movimento rapidíssimo, aplicando a seguir um violento murro no maxilar de Doc Newman. Foram de tal forma simultâneos os dois movimentos que mal puderam ser observados pelos presentes. Antes de que qualquer dos circunstantes pudesse sequer suspeitar o que ia suceder-se, Newman foi impelido para traz como uma mola, indo estatelar-se, de costas, sobre o soalho.
— Bom, estamos todos em paz, hem? — disse Twerlin sacudindo as mãos uma na outra.
Outras mãos, porém, se apressaram a empunhar as armas. Antecipando-se velozmente aos seus adversários, Twerlin voltou a apoderar-se do revólver, visando os que pretendiam surpreendê-lo. Fez-se um silêncio de alguns, poucos, segundos, mas a tensão que reinava no ambiente, fê-los parecer quase uma eternidade. Ouviu-se, em seguida, a voz do forasteiro:
— Para que hão-de vocês meter-se nisto, rapazes ? Não compreenderam ainda que se trata de uma simples brincadeira entre velhos amigos?...
Uma gargalhada alegre e galhofeira, encheu a sala.
— Lou Twerlin! Sempre o mesmo — disse uma voz vinda do pavimento do «saloon». E a mesma voz, advertiu imperiosamente: — Quietos!... Metei-vos na vossa vida, grandes estúpidos! Aquele que levantar um simples dedo para ele, terá de se entender comigo. Fiz-me compreender?
Tanto os dois homens, como o vencido e o vencedor se entreolharam atentamente. Twerlin guardou o revive enquanto Newman acariciava com a mão o queixo magoado.
— Diabos te levem, Lou! Continuas a ser um tipo tão rápido e perigoso como uma cobra.
O pistoleiro sorriu-se.
— Tu também não és manco, Doc. Tinhas algum motivo para me tratar assim, pedaço de asno ?...
Newman carregou as sobrancelhas.
—E és tu que me dizes isso, grande animal? Por pouco não me quebravas os queixos!
Riram-se ambos, alegremente, sanhudos mas divertidos. Twerlin estendeu a mão a Newman para o ajudar a erguer-se.
— Arriba, rapaz... mas nada de tramoias, heim?
— Está dito, Lou...
— Desde quando recebes tu, assim, os velhos camaradas?
— Perdoa, compadre. Mas... Caramba! Não há em toda a Chiricahua nenhum homem capaz de me meter nestes apertos como tu.
— Esquece-te disso. Onde é que para essa tal bebida que me ofereceste?
A pesada atmosfera do «saloon» pareceu desanuviar-se por completo, quando, amigavelmente, os dois homens, que momentos antes se batiam, se encaminharam para o balcão, onde o empregado se apressou a colocar dois copos e uma garrafa. Tão prontamente como haviam cessado, as conversas e as gargalhadas voltaram a reinar dentro da taberna.
Como se tudo aquilo que anteriormente se passara fosse a coisa mais natural do mundo, toda a gente se esqueceu rapidamente dos sucessos ocorridos. Sem quaisquer receios ou preocupações, todos retomaram o ritmo dos seus assuntos particulares, prosseguindo nos jogos ou nas conversações, tão bruscamente interrompidos.
No fim de contas, que mais dava uma ou duas dúzias de tiros, mais uma ou menos uma rixa em Chiricahua Hills?...
Um velho «cow-boy» sentou-se diante do piano e começou à martelada a ele, e o ambiente encheu-se num momento das vibrantes e melodiosas notas do «Lar meu doce lar»...
— Então, Doc!... Não queres apresentar-me ao teu amigo?
Newman voltou-se ao escutar a meiga e cálida voz de Lupe. Enlaçou rapidamente a rapariga pela cintura, atraiu-a a si e grunhiu alegremente:
— Que tal achas a minha cachopa, Lou?
Twerlin desviou por um instante os seus olhos da rapariga para olhar para o seu amigo, e disse:
— Uma perfeição. De onde a desencantaste, Doc ?
— Sei lá! Chegou aqui um dia para pedir trabalho como cantora e resolvi contratá-la... para tudo.
Apertando a jovem entre os seus possantes braços, Newman beijou-a furiosamente num dos ombros.
— Formosa rapariga, hem? — disse ele, piscando um olho a Twerlin.
— Formosa, sem dúvida...
— Chama-se Lupe. A mais atraente moça de todo o Arizona.
— Absolutamente de acordo.
— Mas é minha! Sinto-me orgulhoso dela, sabes? A vida aqui é muito monótona, meu rapaz. Estou convencido que daria em maluco se não tivesse Lupe junto de mim. Ela é... Bem... é como se fosse um alegre passarito, sempre adejando em redor de mim.
— Compreendo.
— Estás com inveja, não? — disse Newman, todo envaidecido. — Aposto em como nunca possuíste na tua vida uma mulher como eu.
— Ora...
Doc Newman, sorriu-se.
--É claro que não. Lou. Lupe, esta querida Lupe, é única.
— Muito bem. Única.
Twerlin concordou, ao mesmo tempo que os seus olhos ávidos e cintilantes lhe percorriam todo o corpo, desde os pés até à cabeça. O seu olhar era suficientemente expressivo. Tão expressivo que Lupe se ruborizou... Olharam-se.
— Sabes que este Lou Twerlin é o meu melhor amigo? — disse Newman sem vislumbrar nada de anormal naquela troca de olhares entre os dois. — E o grande Twerlin! Já corremos juntos, mais de um milhar de aventuras. Salvou-me a vida por diversas vezes e outras tantas vezes lhe paguei na mesma moeda. Lou é a única pessoa do mundo com quem repartiria tudo quanto tenho... Tudo, exceto tu, claro está!
Doc Newman riu-se alegremente da sua própria expressão. Twerlin, porém, não se riu. Nem Lupe. Lou Twerlin era um daqueles tipos duros e ríspidos, mas dotado de varonil presença, capaz de fazer palpitar o coração de qualquer mulher. Lupe era uma mulher. Uma mulher jovem e ardente e apaixonada que adivinhou naqueles escassos instantes, todos os pensamentos que tumultuavam no cérebro do forasteiro, cujos olhos não deixavam de a fixar. Lou Twerlin era um daqueles homens habituados a tudo conseguir, precisamente porque os outros o desdenham.
«É a única pessoa com quem eu repartiria tudo quanto tenho», tinha dito Newman.
Tudo?
Tudo!
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