quinta-feira, 18 de outubro de 2018

BIS163.05 Um vulcão de maldade a rugir nas entranhas

— Concretizando, Lou: tu necessitas de três ou quatro pistoleiros dos mais decididos, para tomarem parte em qualquer coisa que não queres dar-me a conhecer.
— Exato.
A estrondosa gargalhada de Doc Newman, quase fez abalar a sala onde ele e Twerlin se encontravam em redor de uma mesa lautamente servida. O seu olhar irónico e sorridente poisou-se com fixidez no seu amigo.
— Estás a tomar-me por idiota ? Escuta, Lou: eu disponho de uma boa dúzia desses tipos de que tu necessitas. Posso pôr à tua disposição os melhores pistoleiros de toda a região... mas exijo a minha parte no caso que trazes entre mãos. Compreendes?
— Metes-me nojo, Doc...
— A gente precisa de viver, não te parece ?
— Miserável! Estou farto de te dizer que não se trata de qualquer negócio. Não pretendo roubar nenhum Banco, nem coisa que com isso se pareça. O que eu pretendo... Bem, trata-se de um assunto que só a mim diz respeito. Um assunto pouco agradável, cheio de riscos e de outros inconvenientes que eu quero e hei-de vencer por todo o preço.
Doc Newman deixou de sorrir-se. Bebeu um copo de uísque e olhando distraidamente para o fundo vazio, perguntou com a maior gravidade:
—Porque vais fazer isso, Lou?
— E indispensável!
—Tens, certamente, motivos muito sérios, pelo visto.
— Assim é.
Newman olhou para o seu amigo com um ar carrancudo e concentrado.
— Então vou dizer-te uma coisa, Lou. Convenço-me de que o que pretendes fazer não passa de uma autêntica idiotice.
Os lábios de Twerlin, descerraram-se num frio sorriso.
— Talvez
... — Trata-se de uma vingança, não?
— E possível...
— Queres vingar-te de Bart Lockwood?... Newman agitou a cabeça num gesto de reprovação. — E um péssimo inimigo, rapaz. E um tipo perigoso e influente. Um osso muito duro de roer, acredita!
Lou Twerlin fechou os olhos por um momento. As suas mãos crisparam-se sob a toalha.
— Conheço muito bem a espécie de inimigo que vou ter pela frente — disse, como falando consigo mesmo. — Não foi positivamente em vão que fui, durante muitos anos, o seu homem de confiança. Pagava bem; Lockwood pagou sempre bem os serviços de um bom pistoleiro. Estava instalado na sua própria residência. Vivia como um rei... — a voz converteu-se num murmúrio. — Dezenas de vezes paguei eu tudo aquilo, movimentando com mortal rapidez a minha mão, antecipando-me aqueles que pretendiam agredir o meu «venerável» patrão!
Newman sorriu-se sarcasticamente.
— Se Lockwood te pagou, ficaste quites e em paz, ou não?
Lou Twerlin riu-se, por sua vez.
— Ah, sim! Em paz!... Sim, talvez tivéssemos ficado em paz se esse maldito bastardo me não tivesse abandonado e virado as costas, precisamente quando eu mais necessitava da sua ajuda.
— De que te queixas, afinal? Isso é o que acontece sempre a quem trabalha para gente da espécie desse tal Lockwood. Arrisca-se mil vezes a pele, até que se acaba por se não ser preciso seja para o que for.
Twerlin passou a mão pelo queixo.
—E muito possível que seja esse o costume... Mas, comigo, não será assim! — e descarregou um violento murro sobre a mesa. — Chamo-me Lou Twerlin, o pistoleiro mais temido em todo o sul do Arizona, e não é sem mais nem menos que um homem como eu se põe de parte, como uma coisa inútil.
Doc Newman riu com satisfação.
— Plenamente de acordo, Lou. Continuas a ser o mesmo tipo melindroso de sempre. Com mil... Não quero dizer que não tenhas razão, rapaz. Sim... porque não hás-de tu ajustar as contas com o «venerável» senhor Lockwood?
Twerlin pestanejou...
— Posso, então, contar contigo? Pões os homens à minha disposição?...
— Claro que podes. Podes contar comigo para tudo... Absolutamente.
Doc Newman ria-se agora com mais entusiasmo. Sentia-se feliz. Gostava de tudo o que fosse vingança e ainda mais dos homens capazes de as levar por diante. Lou Twerlin era inegavelmente o homem mais vingativo e mais capaz de levar avante a sua ideia, entre todos os que até ali tinha conhecido.
Engoliu o uísque, esvaziando o copo de um só trago e repotreando-se no amplo cadeirão, suspirou:
— Está dito, meu idiota. Liquida a tua vingança!
— Que há a respeito dos homens?
— Não penses que os levas de «borla». Manter estes tipos à boa vida, custa-me uma fortuna. Compreendes, não é verdade?
— Acho justo.
— Trazes dinheiro?
— Que pergunta?...
— Três bons «revólveres» não te custarão menos de... digamos, mil...
Uma estranha luz brilhou nos olhos de Twerlin.
— Estás transformado num sentimental, Doc — disse com desprezo.
Newman não se alterou.
— Talvez seja um sentimental sob outros aspetos. Mas... que são, afinal, mil dólares, em comparação com o que podes arrancar a Lockwood? Sim, porque tu vais arrancar ao velho uma grossa fatia ...ou não ?
Lou Twerlin não respondeu. Limitou-se a olhar fixamente para o seu antagonista, como nem sequer o tivesse na sua frente.
— Bom! Se o dinheiro te dá tantas preocupações, esquece-te de Lockwood. Fica-te mais barato — aconselhou Newman, um tanto contrafeito.
Aquela maneira de falar, irritou-o. Pôs-se repentinamente em pé e puxando por um maço de notas do banco, atirou-os sobre a mesa.
— Onde estão esses homens, Doe?
Sorridente, sem dar mostras de qualquer pressa, Newman arrecadou o dinheiro, cuidadosamente, antes de responder:
— Os homens vão custar-te vinte dólares por dia, cada um. n um salário extra. Bem sabes que vão defrontar-se com Bart Lockwood!
Twerlin cuspiu para o lado.
— És um ladrão indecente! — explodiu. — Se algum dia tiveres um filho, estou convencido de que te farás pagar pelo simples facto de o teres engendrado...
Newman riu-se com ar divertido.
— Aí está uma coisa que nunca me tinha passado pela cabeça... Falemos a sério: não penses que pretendo fazer negócios à tua custa. Sou teu amigo, sabes? Olha que nos tempos que correm, ter um amigo vale muito dinheiro!
— Vai para o diabo mais a tua amizade. Onde estão os homens?
Newman meneou a cabeça, pesarosamente.
— Oh, maldita ingratidão! — lamentou. — Devias dar-te por muito satisfeito com a minha ajuda, e...
Subitamente, Twerlin lançou-se sobre o seu companheiro, agarrou-o pela gola da jaqueta, levantou-o em peso e gritou, furiosamente:
— Com todos os diabos! Explicas-me imediatamente quem são os homens que contratei, ou queres obrigar-me a arrancar-te os seus nomes pela violência?...
Newman suspirou!
— Está bem, homem está bem... Larga-me.
Twerlin libertou-o bruscamente. Doc Newman pôs-se agressivamente sério.
— Chego a pensar, por vezes, se não estarás louco. Twerlin olhava-o no meio da maior expectativa.
—Podes pensar o que quiseres... Mas, antes, apresenta-me os homens cujos serviços te acabo de pagar! Está a dar-me vontade de o não fazer e de renunciar ao contrato.
— Experimenta fazê-lo que te matarei como a um cachorro.
Olharam-se mutuamente, com firmeza, agressivos, em ar de desafio... Newman, porém, abriu os lábios num sorriso.
— De acordo. Vou apresentar-te aos meus homens. Terás ao teu serviço, Walker, Tiktin, Dodge e... Teylor. Oxalá que Bart Lockwood acabe com eles e contigo, pedaço de idiota!
O rosto sombrio de Lou Twerlin encheu-se de alegria.
— Espero que estejas equivocado, Doc — murmurou. —Conheço Waler e Teylor. Se Tiktin e Dodge forem da mesma qualidade, podes ter a certeza que nós, todos juntos, vamos dar muito que falar!
***
Uma enorme lua cheia, que iluminava as trevas envolventes, punha tonalidades de um claro-escuro em todas as coisas, tornando tudo quase irreal e fantasmagórico, ajudando a formar aquele estranho ambiente que se desprendia da noite. O aroma dos álamos era mais intenso naquela semiobscuridade: era mais rumoroso o murmúrio do rio invisível; mais misteriosos e excitantes, os gritos e os sussurros que vinham do deserto...
Lou Twerlin ergueu, mais uma vez, a cabeça para contemplar a lua que, lá no alto, se encontrava suspensa. Era uma lua magnifica e impressionante. Uma lua capaz de perturbar e inquietar os coiotes que uivavam à distância, chamando impacientemente as suas fêmeas.
Aquele pensamento fez com que o pistoleiro se sentisse também desassossegado. Bem vistas as coisas, que diferença poderia haver entre um coiote sem a sua companhia e um homem completamente solitário, iluminados pela claridade da mesma lua?
A recordação de Lupe aguilhoou, de novo, a mente do pistoleiro. Esboçou um sorriso. A clara luz daquele esplêndido luar, os seus alvos dentes brilharam ferozes e ameaçadores. E porque não? Resolveu-se naquele instante. Afastando-se da parede a que se encontrava apoiado, abandonou a galeria e, penetrando na casa, percorreu rapidamente o silencioso e deserto corredor do hotel--cantina: Era já muito tarde. Os clientes mais tresnoitados tinham abandonado há muito o «Saloon» de Newman. Sem que alguém pudesse aperceber-se da sua manobra, aproximou-se de uma porta que até aquela data - jamais se abrira fosse para quem fosse. Bateu. Sentiu-se nervoso, impaciente...
— Entre!
Empurrou a porta. Ante os seus olhos, iluminado pela mortiça luz de uma lâmpada, surgiu o único quarto decente que existia em todo o edifício. Tinha uma cama com armação de metal e um toucador de carvalho guarnecido de cortinas. Ao fundo, perto da janela, encontrava-se Lupe.
A jovem voltou-se vagarosamente, com uma indiferente e estudada lentidão. Uma expressão de curiosidade e expectativa deflectia-se nas belas feições da rapariga. Era indubitável que aquela visita nem a surpreendia, nem a sobressaltara. Imóvel, no meio da porta, Twerlin contemplou-a durante alguns momentos com os olhos ávidos e cintilantes. Era aquilo mesmo; gozar aquela visão voluptuosa e tentadora, era a sua maior ambição desde o instante em que chegara a Chiricahua Hills!
Um amplo e provocante sorriso iluminou o rosto de Lupe. Sorriso de quem sabe o significado de um olhar ansioso e ardente.
— Esperava a sua visita, senhor Twerlin — disse. —Não me parecia delicado da sua parte que se ausentasse daqui... sem despedir-se.
O homem fechou a porta atrás de si, empurrando-a com o pé. Passou a língua pelos lábios.
— Bem... e nada mais do que isso ?... — murmurou com tremuras na voz.
Lupe abriu a boca como para dar uma resposta mas resolveu ficar calada e aguardar. A presença daquele homem no seu quarto e o ar de virilidade que se desprendia de todo ele, dominavam-na completamente. Lou Twerlin sorriu-se por sua vez. Sorriu de satisfação e de triunfo... Encaminhou-se para ela.
Parou e ambos se olharam ávida e silenciosamente. Subitamente as mãos da jovem ergueram-se num instintivo movimento de defesa e apoiaram-se no peito do homem como que a tentar afastá-lo dali. Intento vão e hipócrita. Era mais do que evidente que não pensava em oferecer qualquer resistência...
Olharam-se em silêncio, trémula e apaixonadamente. Quando finalmente caíram sobre a cama, Lupe rendeu-se por completo. Não havia naquele homem nem delicadeza nem ternura. Era apenas... o homem... E ela estava disposta a entregar-se com tanta ou mais paixão do que aquela com que ele a tinha desejado.
***
— Levas-me contigo, Lou?
— Bom... não neste momento, precisamente.
— Depois de acabares ...esse trabalho?
— Talvez.
— Deixaremos o Arizona?
— Pode ser que sim...
— Para onde ?
— Para longe. Nem eu sei ainda...
— E que fico eu a fazer aqui, enquanto tu...
— Esperar.
-- Sim, mas...
— Mas... quê ?
— Continuarei aqui junto de Doe?
— Naturalmente. Não é ele que te sustenta?
Após aquela resposta terminante, rude e grosseira, Twerlin deu por terminada a conversação trocada na meia luz do aposento.
Riscou um fósforo; a pequena chama afugentou por instantes a densa escuridão. Lupe apressou-se a cobrir as carnes nuas, sob os lençóis. Olhou para o pistoleiro e sorriu-se.
— Jamais poderei esquecer-te, Lou!
Os seus olhos tinham aquela meiga expressão do cão amigo e fiel que se extasiasse a contemplar o dono... Twerlin pegou no revólver que se encontrava sobre a mesinha juntamente com o cinturão enrolado.
— Já vais deixar-me?
A resposta foi um grunhido ininteligível. Cingiu a cartucheira, puxou pelo revólver e abriu-o com um movimento seco. Estava carregado. Tinha seis balas no tambor; sempre prevenido... Voltou-se e olhou para Lupe.
— Bom! Adeus!
— Espera! Não te vás ainda.
Saiu da cama, cobriu-se negligentemente com uma manta e aproximou-se de Twerlin, dengosa e humilde:
— Lou! Lou, vida da minha vida...
Estendeu os braços e rodeou-lhe o pescoço. Twerlin franziu o sobrolho.
—Larga-me. Está a fazer-se tarde...
Lupe soluçou...
—Beija-me, Lou. Peço-te que me beijes...
A jovem ergueu-se na ponta dos pés, procurando ansiosamente a caricia daqueles lábios crispados num ricto impressionante. Twerlin desabafou:
— Que diabo! Não te basta termos estado juntos durante toda a noite?
Os negríssimos olhos da rapariga, incendiaram-se com um brilho abrasador de paixão.
— Talvez isso para ti seja suficiente, Lou; mas para mim... Beija-me só mais uma vez... Semicerrou os olhos e ofereceu-lhe a boca.
Em troca, porém, recebeu uma bofetada. Uma bofetada brutal, dada pela mão do pistoleiro em plena face.
—Lou!...
Twerlin soltou uma gargalhada. Atraiu-a depois para si e beijou-a furiosamente.
— Não te esqueças que és minha. Isto deverá bastar-te por agora. Compreendes?
— Oh, Lou! E Newman? Quando ele vier a saber ?...
— Matá-lo-ei.
Trémula, excitada, arquejante, Lupe agarrou-se ao pistoleiro, segurando-o pelo peitilho da camisa.
— Se é assim, porque ficamos à espera? Porque o não matas agora?
Os lábios de Twerlin, endurecidos e cruéis, abriram-se num sorriso. Seguidamente, numa mutação inesperada, o seu alegre semblante adquiriu uma expressão de ansiosa expectativa.
Voltou-se, girando sobre si mesmo num movimento vertiginoso, e ficou de frente para a porta. Demasiado tarde. A sua mão direita deteve-se, rígida, como que imobilizada, a escassos centímetros da coronha do seu revólver. Twerlin tinha agora os seus olhos fixos na figura do homem que surgira à entrada do quarto e lhe apontava ameaçadoramente uma arma de fogo.
— Vens em busca de alguma coisa; Doc ?
Uma praga medonha saiu dos lábios espumejantes de Newman.
— Cachorro, miserável! Não passas de um nojento e repugnante traidor!
— Acalma-te, Doc.
— Maldito!... É desta maneira que agradeces os meus favores? E essa... Pécora asquerosa! Que esperas tu desse relíssimo parasita? Estás convencida de que ele te pagará melhor o teu corpo do que eu próprio o tenho feito ?
Newman, completamente desvairado, fechou a porta atrás de si e apoiou-se nela com todo o peso das suas costas. Estava de tal forma enraivecido que mais parecia um autêntico louco. Twerlin tratou de ganhar tempo:
— Não te excites, Doc. Vou explicar-te tudo...
— Cala-te aí, miserável! Cala-te, bastardo de judas!
No meio da sua tremenda excitação, a mão que empunhava o revólver começou a mover-se de um lado para o outro, como se hesitasse sobre o alvo a que devia atirar primeiro.
— Vamos ajustar as nossas contas, canalhas! — explodiu. — Convenceram-se de que era muito fácil enganar-me? Pois estais completamente equivocados. Nunca ninguém até hoje, ficou a rir-se de Doc Newman...
Não conseguiu acabar a frase. Com a mais incrível rapidez, Twerlin levou a mão à coronha do revólver e, mesmo sem o extrair do coldre, conseguiu disparar. Um tiro apenas. Foi o suficiente.
Doc Newman tão vermelho de indignação até ali, empalideceu progressivamente até atingir a lividez cadavérica. Exalou um débil gemido, abriu a boca em fulminante agonia e arregalou os olhos, cheio de espanto e de incredulidade. Numa fração de segundo, o homem a quem ele dominava com a sua arma acabava de pô-lo fora de combate! Nem sequer tivera tempo para disparar. Ficou de tal maneira surpreendido que nem pela cabeça lhe passou que tinha uma arma na mão. Deslizando através dos seus dedos, o revólver foi cair surdamente a seus pés. A pequenina mancha vermelha que lhe apareceu no peitilho da camisa foi-se alargando, alargando cada vez mais.
— Maldito sejas, miserável trai...
Não pôde concluir. Um ataque de tosse obrigou-o a interromper a série de maldições que proferia. Os lábios tingiram-se-lhe de vermelho. Com uma macabra expressão de dor estampada no rosto, levou ambas as mãos ao ferimento, como se quisesse impedir que a vida lhe escapasse por ali.
Um segundo ataque de tosse acabou por sufocá-lo. E após dirigir um último olhar a Twerlin, cheio de ódio e de desalento, caiu de bruços, pesadamente, ficando com a cara mergulhada na fofa espessura do tapete.
Um pesado e estranho silêncio invadiu o compartimento. Lou Twerlin, impávido e sereno, aproximou-se do local onde tombara Newman e virou-o com os pés de barriga para cima. Tinha os olhos desmesuradamente abertos, refletindo uma pavorosa sensação de terror...
Lupe, pálida e inquieta, lançava gemidos de aflição. Tudo aquilo se lhe afigurava terrivelmente perigoso e fora do habitual. Não lhe agradava absolutamente nada. Twerlin voltou-se para a contemplar. Um trejeito de escárnio brincava-lhe nos lábios fechados e implacáveis. Toca a safar daqui ordenou ele, num tom que pareceu despertar a rapariga. Os olhos iluminaram-se-lhe.
—Levas-me contigo, Lou?
O pistoleiro franziu a testa.
—Hum!... Ainda não sei. Este assunto foi levado longe demais e... O diabo é que, se aqui te deixo, os homens de Newman esfolam-te viva.
A jovem convenceu-se de tal maneira que as palavras de Twerlin correspondiam à verdade que, sem pensar duas vezes no assunto, se apressou a reunir algumas peças de vestuário, precipitando-se para a galeria.
Twerlin demorou-se alguns instantes em trancar a porta por dentro e foi no encalço da rapariga. Quando se dispunham a descer pela escadaria, ouviram fortes pancadas, como se alguém batesse furiosamente à porta do quarto que acabavam de abandonar.
— Vão apanhar-nos — gemeu Lupe.
— Vamos para as cavalariças... Rápido! — murmurou ele, empurrando-a na sua frente. Em meio da obscuridade reinante começaram a arrear dois cavalos.
Lupe sentia os dedos presos e sem ação, desejando, do fundo da alma, que não sucedesse o mesmo ao seu companheiro. Teria dado tudo o que lhe pedissem para evitar os funestos resultados daquela aventura. Todo o seu amoroso entusiasmo havia desaparecido; as consequências que dali podiam resultar enchiam-na de pavor...
— Que vamos fazer agora? — perguntou, assim que os cavalos ficaram preparados.
— Vamos partir a galope e s6 pararemos quando rebentarem os cavalos — replicou Twerlin, secamente. —Sabes montar a cavalo?
— Claro que sei...
— Bem. Vamos encontrar-nos com Walker e com os outros, antes que saibam do que se passou. A nossa sorte foi tê-los eu mandado seguir na frente.
— E se nos perseguirem?
— Atirarão sobre nós, naturalmente. Se isso acontecer debruça-te sobre o pescoço do cavalo e não penses em mais nada senão em correr! Se paras ou se cais, abandonar-te-ei à tua sorte. Entendido?
— Sim, Lou...
Um súbito rumor, que ia progressivamente crescendo de intensidade, acabara de chegar aos seus ouvidos. Eram gritos, correrias, passos precipitados, vozes roucas de homens enfurecidos que acabavam de sair para a rua através da porta do «saloon».
— Dirigem-se para aqui ?
—É o mais natural.
— Impedir-nos-ão de sair?
— Talvez.
— Então?...
Por única resposta, Twerlin, que tinha colocado o seu cavalo ao lado do da rapariga, bateu-lhe fortemente nas ancas, obrigando-o a lançar-se para a frente, ao mesmo tempo que, cravando as esporas na sua montada, se precipitou por sua vez para a saída.
Um grupo de indivíduos, alguns dos quais meio vestidos, mas todos bem armados, travou o passo às cavalgaduras. Os que se encontravam na frente do grupo e que acabavam de reconhecer os fugitivos, prepararam-se para disparar as suas armas. Os cavalos porém, galgando por cima dos mais adiantados, impediram que o tiroteio se iniciasse. Dois ou três dos mais atrevidos, apanhados em cheio, caíram sob as patas dos animais, o que provocou uma debandada geral.
Aqueles minutos de confusão foram preciosos para a salvação de Twerlin e da sua companheira. Quando, após os primeiros instantes de confusão, o .grupo conseguiu reorganizar-se, era já demasiado tarde.
Segundos decorridos, os dois fugitivos diluíam-se na imensidão do deserto, a coberto das sombras da noite, debilmente iluminadas pela luz da lua, testemunha silenciosa da arriscada aventura.
— Diabos levem as mulheres!
Foi o comentário mal humorado que saiu da boca de Twerlin, quando se voltou para olhar para a sua companheira. A verdade é que a jovem se tinha portado à altura, das circunstâncias e continuava cavalgando e aguentando-se firmemente sobre a sela, a despeito dos inequívocos sinais de fadiga provocada pelo esforço, despendido; não tardaria, mais minuto, menos minuto, a cair desmaiada do cavalo abaixo. Necessitava de descanso; não era possível resistir por muito mais tempo ao esgotante esforço de uma cavalgada que durara cerca de duas horas. , Em todo o caso...
Há muito que amanhecera. A clara luz da alvorada Twerlin contemplou a nuvem de poeira que avançava velozmente através da planície que ambos acabavam de percorrer. Ele sabia muito bem que aquela nuvem de poeira, era causada pelo tropear dos cavalos lançados em sua perseguição e que não tardariam muito tempo a alcançá-los.
— Com cem mil diabos!...
Uma nova praga se escapou dos lábios do pistoleiro. Estava furioso e completamente fora de si. Não apenas contra Lupe mas também contra si próprio. Que ia ser agora dos planos que o tinham trazido aquelas paragens ?
A fúria cega que o invadia não era resultante, simplesmente, da pouco invejável situação em que se encontrava, mas mais ainda dos sombrios pensamentos que desde há poucos instantes lhe acudiam ao cérebro. Mais do que o risco que corria a sua própria vida, preocupava-o o fracasso dos seus planos de vingança, a vingança que lhe punha o sangue em ebulição. Só depois de liquidar aquele maldito LockWood se resignaria a ir para o inferno de cabeça para baixo. Depois disso, sim...
Este pensamento angustioso, frenético, desesperado, acabou por trazer de novo a serenidade à sua mente. Só a imperiosa necessidade de conservar a vida para levar a cabo a sua vingança, conseguiu restituir-lhe o domínio de si próprio.
A situação era realmente grave, mas não era ainda desesperada. Podia, por exemplo, entrincheirar-se por detrás dos rochedos e abrir fogo a curta distância contra os seus perseguidores, quando estes iniciassem a subida da ladeira. claro que, mesmo que tivesse a sorte de eliminar três ou quatro daqueles malditos, ainda ficariam os suficientes para o manterem em respeito até que chegassem os reforços indispensáveis para acabarem com ele. Não. Decididamente, aquela ideia não era das melhores.
«Continuar galopando?» Também de nada servia. O seu cavalo, ainda que possante, encontrava-se suficientemente esfalfado para poder aguentar a perseguição.
«Então ?...»
Quando atingiram o topo da eminência, Twerlin deteve a sua montada a fim de lançar um olhar de investigação em toda a sua volta. Apenas uma coisa lhe ficou gravada na retina: a pequena ponte de madeira, que minutos antes utilizara para transpor a espumante e alterosa corrente do rio que deslizava ao sopé da montanha. Não havia outro processo de se desfazer dos seus perseguidores. A ponte...
O rio ia grandemente caudaloso; a espuma das suas águas embravecidas esparrinhava-se sobre as largas tábuas que constituíam o leito da ponte, em direção à qual cavalgavam os homens que vinham em sua perseguição.
Um frio sorriso de triunfo iluminou o rosto do pistoleiro. Apeou-se do cavalo.
— Desce agora tu — ordenou a Lupe.
A jovem estendida em cima da sela, inclinada para diante e profundamente abatida, agitou-se.
— Estás farta de cavalgar, não é verdade?
Por única resposta, a jovem voltou a cabeça para contemplar os perseguidores.
— Vamos esperá-los aqui, sabes?
Lupe voltou-se vivamente.
— Não me olhes dessa maneira querida — disse Twerlin, sorridente. — Que te passou pela cabeça?
— Na... nada.
— Mentes. Estás convencida de que estou louco, não ? — Voltou a sorrir-se. — Nada receies. Descobri a maneira de nos desfazermos desses idiotas, de uma vez para sempre.
A jovem agitou as pálpebras.
— Pretendes fazer-lhes frente apenas com um revólver?
— Não. Vou fazer-lhes frente... contigo.
Lupe empalideceu.
— Não irás tu...
— Pôr-te a servir de isca? Pois é isso mesmo.
O pistoleiro saltou uma gargalhada cruel, impiedosa, feroz... E a seguir:
— Não tenhas receio, minha tola. Ainda me não aborreci da tua pessoa...
Twerlin conduziu a jovem até a um local bastante elevado sobre um rochedo, e deixou-a ali em sítio bem visível, com a farta e loira cabeleira, flutuando ao vento.
— Não te mexas daí — ordenou.
Junto à beira da rampa, existiam enormes blocos de pedra, alguns dos quais em periclitante equilíbrio. Escolheu o que melhor se lhe afigurava para os seus desígnios e instalou-se tranquilamente por detrás dele, aguardando os acontecimentos. Lá em baixo, junto do rio ,ouviam-se agora os gritos dos perseguidores ao descobrirem, lá no alto, a inconfundível perfil de Lupe.
Os oito cavaleiros, que tantos eram os perseguidores, não conseguiram compreender o significado de tão inesperada aparição lançaram-se em fila indiana, através da estreita ponte que ligava as duas margens do rio.
Os que marchavam à frente aperceberam-se, quando olharam para o alto, do enorme rochedo que Twerlin acabava de empurrar naquele preciso momento. Viram o descomunal pedregulho rolando pela ladeira abaixo, saltando e ressaltando em direção à ponte e, instintivamente, puxaram pelas rédeas aos cavalos.
— Atenção! Ê uma armadilha! Para trás!
Antes, porém, que lhes fosse possível retroceder, e atropelando-se uns aos outros numa confusão medonha, o gigantesco bloco de granito despenhou-se mesmo ao centro da frágil ponte de madeira. Homens e cavalos caíram de borco no remoinho da embravecida corrente, em trágico torvelinho, sendo instantaneamente tragados e arrastados pelas águas.
Lou Twerlin sentiu como que um vulcão de maldade a rugir alegremente nas suas entranhas. Sentiu-se alegre; selvaticamente alegre e satisfeito. Triunfara, mais uma vez, dos seus inimigos. E conseguira, também, matar mais uma vez!
 

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