Saiu para a rua soalheira. Durante alguns momentos teve de
caminhar de olhos semicerrados, acostumado À penumbra do bar e incomodado agora
pela crueza causticante da claridade exterior. Dirigiu-se para o largo que o
taberneiro lhe indicara. Não tinha fome, mas queria descansar e dormir uma boa
sesta. Continuava a sentir-se deprimido por aquela transpiração pegajosa que
lhe colava a roupa às carnes. Caminhou pelo passeio do tabuado, sob a proteção
da cobertura de madeira, que o resguardava do sol.
Foi então que tropeçou. Passava nesse instante em frente de
um armazém de comestíveis, e a mulher saía apressadamente, com um volume nos
braços. Ele olhava para outro lado, observando com indiferença como um velho mineiro
carregava algo num burro, e não reparara na mulher antes de tropeçar com ela.
Instintivamente, estendeu os braços e susteve-a. Viu, num segundo apenas, uns
cabelos loiros muito próximos e o revoltear de umas saias brancas.
- Perdão, senhora!
A mulher ergueu o rosto. Um rosto pálido, naquele momento
alterado pela surpresa do encontro. Aparentava uns trinta e cinco anos e era
bastante atraente. Olhou o homem com quem tinha tropeçado e este olhou-a
também.
Há sempre qualquer coisa que nos sacode fortemente! Como ver
assassinar um ser querido. Assistir À agonia de uma criança. Sentir o adejar da
morte em torno de nós mesmos. Saborear o gosto do veneno no copo servido por um
amigo. Tocar nas feridas purulentas de um leproso. Algo que nos sacode fortemente!
Tão forte que paralisa o coração…
A mulher fitou-o com os olhos transtornados, nos quais se
refletia uma estupefação infinita. Abriu e fechou a boca várias vezes e o seu
rosto empalideceu como se o sangue deixasse de correr nas suas veias. O seu
olhar, aturdido, is das feições do homem para o volume que lhe caíra dos
braços. Depois, soltando um grito apavorado, baixou-se rapidamente e, após
agarrar no embrulho caído no solo, lançou-se numa corrida através da rua
poeirenta.
O homem ficou imóvel sobre as tábuas do passeio. Durante um
instante o seu cérebro esteve paralisado e o coração pareceu deixar de lhe
bater no peito, para logo se precipitar num ritmo galopante que lhe sufocava a
garganta.
«Jane!... Jane!... Jane!!!...»
Não conseguia mais do que repetir o nome que lhe afogava a
alma. O céu, a terra, o pó, o calor, nada contava para ele.
- «Jane!... Jane!... Jane!...»
Encostou-se a uma coluna das que sustinham o tejadilho, pois
sentia que as pernas lhe fraquejavam. O seu corpo parecia subjugado a um estranho
peso adicional. Experimentava uma angustiosa sensação na boca do estômago e a
terra começou a tremer diante dele.
Passou-lhe a vertigem, mas qudou-se como que oco, vazio,
incapaz de um racioicínio. Não sabia que fazer. Deu alguns passos no caminho
que seguia, mas voltou-se e regressou ao bar.
«Jane»… e o nome repercutia-se num eco infindável no seu
cérebro.
(Coleção Pólvora, nº 27)
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