domingo, 20 de outubro de 2013

PAS135. Uma mulher na tempestade

Os relâmpagos rasgaram as trevas. Ainda não começara a chover, mas o vento trazia o cheiro a terra húmida do alto dos montes. Quando as rajadas abrandavam, um peso sufocante desabava sobre todas as coisas.
A mulher elevou os olhos no céu e cerrou-os quando um novo raio abriu passagem entre o negrume. O vento chegou de novo até ela, que apertou o colarinho da camisa que vestia. Por fim, nervosamente, sentou-se no tronco caído de uma árvore.
A paisagem, ao clarão dos relâmpagos, parecia um confuso amontoado de pedras e árvores. Uma fonte cantava perto dali e o solo estava coberto de erva espessa. Um lugar ideal para encontros amorosos, quando o luar derramasse sobre ele a sua poalha prateada. Porém, naquele momento tornava-se sinistro, soturno.
- Meu Deus! Meu Deus! – repetiu várias vezes a rapariga, em voz baixa.
No ramo de um ácer, uma coruja abriu os seus olhos circulares para a observar e uma ratazana esgueirou-se quase entre os pés da jovem. As aves noturnas, aterradas pela iminente borrasca, aquietavam-se.
O trovão ribombou nos desfiladeiros, enquanto novos relâmpagos apunhalavam a abóboda celeste. A coruja soltou um pio que ressoou de maneira fantasmagórica aos ouvidos da mulher. Esta, como se reparasse na ameaça que pairava sobre o bosque, pôs-se de pé e olhou em redor, enquanto repetia doloridamente: «Meu Deus!».
Então, ouviu as vozes. A princípio era apenas um sussurro; depois, à medida que se aproximavam, distinguiu duas, uma mais profunda que a outra, mas as palavras eram ininteligíveis. Não falavam inglês.
A jovem, silenciosamente, meteu-se entre as árvores. De trás delas, espreitou e viu duas figuras escuras, seguidas de várias outras, chegarem à clareira. Cintilou um relâmpago e, ao seu lívido esplendor, viu caras achatadas e corpos miúdos, guarnecidos de velhas calças e camisas. As vozes cessaram por um momento, para logo recomeçarem. Pareceu-lhe que uma delas entoava uma cantilena monótona, mas não podia assegurá-lo.
Retumbou de novo o trovão e os raios voltaram a escrever a sua rubrica no manto negro da noite. A mulher levou uma mão à boca para não gritar. Acabava de ver dois daqueles homens agarrarem outro.  Um quarto levantou um braço no ar e, na ponta do braço, qualquer coisa brilhou. Um leve gemido chegou até ela, mas o estrondo progressivamente mais forte do trovão impediu-a de ouvir mais. Sem forças, horrorizada, apoiou as costas no tronco de uma árvore e a cantilena começou de novo. Então, houve um grito agudo e, por último, o pesadelo terminou. As sombras desvaneceram-se entre as ramagens e tudo, exceto o eco do último trovão, ficou em silêncio. Começou a chover. As gotas, pesadas e espaçadas a princípio, em breve formaram uma cortina ininterrupta de água. A mulher, tiritando de medo e molhada até aos ossos, ainda teve coragem suficiente para se acercar do local onde se desenrolara a terrífica cena.
Não havia nada. Nada, absolutamente. No solo encharcado, não havia nenhum cadáver, nem sequer ferido. Apenas erva e alguns pedregulhos, e água, a água que caía do céu em catadupas.
- Não pode ser – murmurou ela.
De repente, o seu terror tornou-se mais agudo. Mecanicamente, as suas pernas transportaram-na ladeira abaixo, sem que ela fizesse o menor esforço para as mover; ensopada, sentindo que os braços lhe pesavam como chumbo, caminhou rapidamente até sair do local. E sempre nada.
- Não pode ser – voltou a balbuciar.
A água cegava-a. O que tinha sido a promessa de um belo passeio converteu-se num intolerável pesadelo. Compreendia que não poderia resistir muito mais. Nem as pernas nem os olhos lhe serviam já de grande coisa. Tropeçou na toca de algum coelho ecaiu por terra. Nesse momento, as nuvens rasgaram-se de novo e, à luz do relâmpago, conseguiu ver, à sua esquerda, o edifício do rancho. Com um soluço de desespero, obrigou-se a prosseguir. Cinco minutos mais tarde, chegava à cerca. Nos alojamentos dos poucos vaqueiros que ainda restavam, ouvia-se o lamento de uma guitarra e uma voz rouca que cantava em espoanhol. Chegou à porta sob o alpendre e viu que estava aberta. Com um suspiro deteve-se.
- Entre, menina Lowrie – disse o homem.
Só agora ela via o clarão do cachimbo que o outro estava a fumar. Voltou a suspirar, desta vez com alívio matizado de desespero.
 
Frances está em segurança. Mas quem seria o homem esfaqueado? Como justificar a cena a que tinha assistido? Resposta em “Invasão”, Coleção Pólvora, nº 14.

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