Os relâmpagos rasgaram as trevas. Ainda não começara a
chover, mas o vento trazia o cheiro a terra húmida do alto dos montes. Quando
as rajadas abrandavam, um peso sufocante desabava sobre todas as coisas.
A mulher elevou os olhos no céu e cerrou-os quando um novo
raio abriu passagem entre o negrume. O vento chegou de novo até ela, que
apertou o colarinho da camisa que vestia. Por fim, nervosamente, sentou-se no
tronco caído de uma árvore.
A paisagem, ao clarão dos relâmpagos, parecia um confuso
amontoado de pedras e árvores. Uma fonte cantava perto dali e o solo estava
coberto de erva espessa. Um lugar ideal para encontros amorosos, quando o luar
derramasse sobre ele a sua poalha prateada. Porém, naquele momento tornava-se
sinistro, soturno.
No ramo de um ácer, uma coruja abriu os seus olhos
circulares para a observar e uma ratazana esgueirou-se quase entre os pés da
jovem. As aves noturnas, aterradas pela iminente borrasca, aquietavam-se.
O trovão ribombou nos desfiladeiros, enquanto novos
relâmpagos apunhalavam a abóboda celeste. A coruja soltou um pio que ressoou de
maneira fantasmagórica aos ouvidos da mulher. Esta, como se reparasse na ameaça
que pairava sobre o bosque, pôs-se de pé e olhou em redor, enquanto repetia
doloridamente: «Meu Deus!».
Então, ouviu as vozes. A princípio era apenas um sussurro;
depois, à medida que se aproximavam, distinguiu duas, uma mais profunda que a
outra, mas as palavras eram ininteligíveis. Não falavam inglês.
A jovem, silenciosamente, meteu-se entre as árvores. De trás
delas, espreitou e viu duas figuras escuras, seguidas de várias outras,
chegarem à clareira. Cintilou um relâmpago e, ao seu lívido esplendor, viu
caras achatadas e corpos miúdos, guarnecidos de velhas calças e camisas. As
vozes cessaram por um momento, para logo recomeçarem. Pareceu-lhe que uma delas
entoava uma cantilena monótona, mas não podia assegurá-lo.
Retumbou de novo o trovão e os raios voltaram a escrever a
sua rubrica no manto negro da noite. A mulher levou uma mão à boca para não
gritar. Acabava de ver dois daqueles homens agarrarem outro. Um quarto levantou um braço no ar e, na ponta
do braço, qualquer coisa brilhou. Um leve gemido chegou até ela, mas o estrondo
progressivamente mais forte do trovão impediu-a de ouvir mais. Sem forças,
horrorizada, apoiou as costas no tronco de uma árvore e a cantilena começou de
novo. Então, houve um grito agudo e, por último, o pesadelo terminou. As
sombras desvaneceram-se entre as ramagens e tudo, exceto o eco do último
trovão, ficou em silêncio. Começou a chover. As gotas, pesadas e espaçadas a
princípio, em breve formaram uma cortina ininterrupta de água. A mulher,
tiritando de medo e molhada até aos ossos, ainda teve coragem suficiente para
se acercar do local onde se desenrolara a terrífica cena.
Não havia nada. Nada, absolutamente. No solo encharcado, não
havia nenhum cadáver, nem sequer ferido. Apenas erva e alguns pedregulhos, e
água, a água que caía do céu em catadupas.
- Não pode ser – murmurou ela.
De repente, o seu terror tornou-se mais agudo.
Mecanicamente, as suas pernas transportaram-na ladeira abaixo, sem que ela fizesse
o menor esforço para as mover; ensopada, sentindo que os braços lhe pesavam
como chumbo, caminhou rapidamente até sair do local. E sempre nada.
- Não pode ser – voltou a balbuciar.
A água cegava-a. O que tinha sido a promessa de um belo
passeio converteu-se num intolerável pesadelo. Compreendia que não poderia
resistir muito mais. Nem as pernas nem os olhos lhe serviam já de grande coisa.
Tropeçou na toca de algum coelho ecaiu por terra. Nesse momento, as nuvens
rasgaram-se de novo e, à luz do relâmpago, conseguiu ver, à sua esquerda, o
edifício do rancho. Com um soluço de desespero, obrigou-se a prosseguir. Cinco
minutos mais tarde, chegava à cerca. Nos alojamentos dos poucos vaqueiros que
ainda restavam, ouvia-se o lamento de uma guitarra e uma voz rouca que cantava
em espoanhol. Chegou à porta sob o alpendre e viu que estava aberta. Com um
suspiro deteve-se.
- Entre, menina Lowrie – disse o homem.
Só agora ela via o clarão do cachimbo que o outro estava a
fumar. Voltou a suspirar, desta vez com alívio matizado de desespero.
Frances está em segurança. Mas quem seria o homem
esfaqueado? Como justificar a cena a que tinha assistido? Resposta em
“Invasão”, Coleção Pólvora, nº 14.
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