quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

CLT017.08. Um revólver sob a saia

 — Boa noite, «sheriff» — saudou Lídia.

Sobreveio outra pausa e em seguida ouviu-se a voz de Ronald.

— Procuras-me, Lídia?

— Não. Não vim procurar-te. Só quero falar com o preso.

— Com o preso? — a voz de Ronald estalou como um chicote. — Para quê?

— É um assunto meu — respondeu a jovem.

— Proíbo-te, Lídia! — gritou Ronald furioso.

— Não és tu precisamente quem o pode fazer. Permite-me você, «sheriff»?

Smilles soltou um grunhido. Decorreram uns segundos, e, finalmente, respondeu:

— Está bem, pequena. Vamos lá.

Tony ouviu o tilintar de chaves, uns passos e viu oscilar uma luz no fundo do corredor. O «sheriff» avançou levando numa mão um candeeiro e na outra um molho de chaves. Lídia vinha atrás do representante da Lei. O «sheriff» meteu a chave na fechadura e a porta ficou aberta. A jovem deu um passo e deteve-se olhando Smilles.

— Pode deixar-me a sós com ele?

Ronald avançava pelo corredor e deteve-se sorrindo com a sua forma tão peculiar.

— Que lhe vem perguntar, Lídia?... Acaso como matou Lee Carey?... Se o fez com uma navalha? Com uma pistola? Golpeando-lhe a cabeça a coronhadas?

— Basta! — gritou Smilles. E em seguida com voz mais suave: — De acordo, Lídia. Conceder-te-ei` dez minutos.

A jovem passou para dentro da cela. Em seguida, Smilles deixou o candeeiro no chão e fechou novamente a porta, afastando-se pelo corredor.

— Vem comigo, Ronald.

— Não quer que fique aqui a vigiá-los? Escutarei o que dizem e depois conto-lhe.

— Eu disse que venhas!

Ronald riu outra vez.

— De acordo, chefe. O som dos passos perdeu-se quando o «sheriff» e o seu ajudante chegaram ao escritório. Lídia e Tony Trevor estavam-se fixando nos olhos, frente a frente.

— Obrigado por ter vindo— disse ele.

Ela caminhou até à janela voltando as costas. Ao chegar à parede deteve-se e olhando as estrelas, disse:

— A você deve-lhe parecer estranho que tenha respondido à sua chamada.

— Confesso que nos últimos momentos refleti e arrependi-me de lhe ter mandado recado por Morrow.

Ela voltou-se bruscamente.

— Teria vindo ainda que não tivesse recebido o seu recado.

Tony franziu as sobrancelhas.

— Porquê?

— As coisas mudaram nestas últimas horas. Quando Peter Morrow chegou a minha casa há um momento, eu nem sequer me havia deitado ainda... Pensava em você e nos motivos por que se encontra aqui. Serei mais clara, senhor Trevor... Eu pensei que durante o julgamento acabaria por confessar o seu crime, mas você insistiu uma e outra vez nas declarações que tinha feito... Na troca cavalo. Na venda do relógio... Na existência desses indivíduos que encontrou no seu caminho... E para ser sincera, impressionou-me, não a sua tranquilidade, mas sim o tom que empregava para dar força à sua narração... Comecei a duvidar... Mas isso não bastou. Esta noite ocorreu algo em minha casa que é verdadeiramente o que me impulsionou a vir aqui

— Que foi, menina Howells?

— Ronald foi ver-me... Seriam umas dez ou dez e meia da noite. Notei em seguida que estava um pouco ébrio. Tratei de conseguir que se fosse embora alegando que me encontrava cansada e que precisava de dormir, mas ele não se foi... Depois chegou o momento que eu temia. Ronald declarou-me o seu amor. Roguei que se calasse, mas ele continuou a falar... Tentou beijar-me e então eu dei-lhe uma bofetada... Isso enfureceu-o... Disse coisas terríveis.

Lídia levou a mão à testa enquanto baixava o olhar para o chão. Ao fim de uns momentos voltou a olhar para Tony, e prosseguiu:

— Disse que não sentia o mesmo que os demais com a morte de Lee. Havia celebrado muito a sua desaparição. Disse-me que havia sentido anteriormente desejos de o matar e que chegou mesmo pensar na forma de o conseguir... Cada vez que via Lee a meu lado, sentia um ódio imenso. Pediu-me que casasse com ele e garantiu-me que, se eu negasse, mataria quem poisasse os olhos em mim. Houve uma pausa.

— Compreende agora porque estou aqui, senhor Trevor?

— Sim, creio que sim.

— Para conseguir que Ronald se fosse embora, prometi-lhe que lhe daria uma resposta dentro de dois dias... Ao ficar só pensei em tudo que me havia confessado. Nos seus desejos de ver morto Lee... e quando me lembrei de si... admiti a possibilidade de todos estarmos equivocados... Vão enforcá-lo dentro de poucas horas... Não podia permitir que isso acontecesse... Se mais tarde se demonstrasse a sua inocência, o resto da minha vida seria um verdadeiro inferno de remorsos, porque eu fora a culpada de ter sido preso.

— Agradeço-lhe a confiança que deposita em mim.

A jovem voltou-lhe novamente as costas, e levantou a saia. Quando se voltou de novo tinha na mão uma pistola que estendeu a Tony, dizendo:

— Aqui tem um revólver. Espero que faça bom uso dele.

Tony estendeu a mão e agarrou no «Colt».

— Como já lhe deve ter dito Peter Morrow, penso ir a El Paso. Se tiver sorte, encontrarei ali os dois indivíduos que provam a minha inocência. Dar-lhe-ei notícias quando puder.

— Não vou esperá-las, senhor Trevor.

— Que quer dizer?

— Que vou consigo.

— Não pode estar a falar a sério!

Ela meneou a cabeça em sinal afirmativo.

— Sim, senhor Trevor. Estou falando seriamente.

— Ê absurdo!

— Eu, facilitando-lhe a fuga, fico culpada de um delito. Posso alegar as razões por que o fiz, mas, que julga que aconteceria? O «sheriff» quere-me muito. Era muito amigo do meu pai e quando ele morreu, Smilles ocupou de certo modo o seu lugar. Você disse antes que agradecia a confiança que deposito em si. Eu somente lhe peço que faça por merecer essa confiança. Agora tem um revólver nas mãos. Se você apesar de tudo matou Lee Carey, diga-mo agora. A arma pode facilitar-lhe na mesma a fuga.

Fez uma prolongada pausa, mas eles continuaram-se fitando.

— Eu não matei Lee Carey, Lídia — declarou Tony.

— De acordo. Eu vou com você. Uma vez que prove a sua inocência, pode seguir o seu caminho e eu voltarei a Pau Verde e viverei tranquila.

— E sua mãe?

— Deixei-a com uma vizinha para que cuide dela.

Ouviram uns passos pelo corredor e pouco depois o «sheriff» apareceu na porta dizendo:

— Terminaram os dez minutos, Lídia.

Tony estava de costas para a porta e com o revólver junto ao estômago. A jovem olhou para Trevor e começou a andar para a porta. Smilles meteu a chave na fechadura e fê-la girar. Lídia saiu. Imediatamente Tony voltou-se, apontando a arma a Smilles.

— Silêncio, «sheriff»! Você é-me simpático, mas se se converte num obstáculo não terei outro remédio senão disparar.

Smilles contemplou o revólver e em seguida olhou para Lídia. Ia para dizer alguma coisa, mas ficou com a boca aberta sem nada dizer.

— Passe para dentro, «sheriff» — ordenou Tony.

Smilles baixou a cabeça e entrou na cela. Tony despojou rapidamente o «sheriff» dos seus revólveres e meteu-os no cinturão.

— Poderia amordaçá-lo, e evitaria qualquer aborrecimento, mas não o farei se me prometer estar calado durante os dez minutos próximos. Terei tempo para lhes apanhar uma boa dianteira.

— Não posso prometer nada disso.

— Então ponha-se de costas para nós... Lídia, quer rasgar um desses lençóis?

Lídia fez o trabalho rapidamente. O «sheriff» não opôs resistência ao ser manietado e amordaçado. Uma vez realizada a operação, Tony saiu da cela e dirigiu-se para o escritório do «sheriff». Lídia ficou junto da cela. Trevor avançou silencioso e viu Ronald sentado diante de uma mesa fazendo uma paciência com cartas.

— Levanta-te Ronald! — disse Trevor, aparecendo diante do ajudante.

Ronald assustou-se e olhou de olhos semicerrados.

— Que é isto, Trevor?

— Uma fuga. Somente isso. E você vai-se portar como um bom rapaz ou o reduzo ao silêncio. Levante-se e ponha os braços no ar; dê meia-volta e caminhe na minha frente, até às celas.

Ronald levantou-se lançando chispas pelos olhos.

— Ajudou-te ela, eh, Trevor? Foi ela!

— Cala o bico.

— Essa maldita!...

Tony fechou-lhe a boca com um murro. Em seguida tirou-lhe as armas que deixou sobre a mesa próxima.

— Caminha Ronald, se não queres ganhar uma tareia.

Ronald começou a andar e Tony foi atrás dele. Chegados ao fundo do corredor, Ronald deteve-se a observar Lídia.

— Assim, era isto que preparavas, eh, rapariga?... Enamoraste-te deste maltrapilho.

— Não! — exclamou a jovem.

— Sim, Lídia, é isso. Surpreendi-te várias vezes quando o olhavas no decorrer do julgamento... Soube-te levar.

— Já chega, Ronald— disse Tony, e dando-lhe um empurrão, atirou-o para dentro da cela.

Depois, Trevor deu a Lídia um revólver e alguns minutos depois manietou e amordaçou também Ronald. Por último saiu da cela e fechou a porta com a chave. Fez um sinal a Lídia e começaram a andar pelo corredor. Uma vez no escritório, Tony abriu a porta e espreitou para o exterior. Não havia ninguém pelos arredores.

— Trouxe cavalos? perguntou a Lídia.

— Sim. Estão nas traseiras. Ao cuidado de Peter.

Tony sorriu.

— Também vai connosco?

— Quando lhe contei o meu plano, disse que viria connosco.

Saíram e deram a volta ao edifício. Peter estava sentado numa pedra segurando as rédeas de três cavalos. Pôs-se de pé ao vê-los.

— Tudo saiu bem, eh?

— Vamos, não podemos perder tempo.

Um dos ajudantes, Luke, pode chegar de um momento para o outro, e então a fuga seria descoberta.

— Ajuda-me a subir para a cela, Peter? — disse Lídia.

Tony adiantou-se e agarrou-a pela cintura. Antes de a levantar olhou-a no rosto e disse:

— Não esquecerei nunca o que acaba de fazer.

Ela sentiu-se perturbada e desviou os olhos dos dele. Então Tony levantou-a e colocou-a na sela. Pouco depois três cavaleiros corriam através da noite a caminho de El Paso.

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