segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

ARZ116.03 A nova autoridade enfrenta novos problemas

Como é natural, o jovem libertado das garras dos seus carrascos mostrava-se expansivo e grato pela oportuna intervenção do seu salvador.

— O meu nome é Manuel. Sou natural do México, mas os meus pais levaram-me para Santa Fé, onde vivi até aos dezassete anos.

— Que ideia foi essa de vires aqui para Lenox?

— Eu, na verdade, dirigia-me para Carrilho no intuito de procurar trabalho no rancho de um fazendeiro chamado Mendonça, quando aqueles dois tipos me saíram ao caminho pretendendo apossar-se do meu cavalo.

— Tu não andas armado?

— Fui surpreendido antes de que eu pudesse adivinhar as suas intenções. Desarmaram-me, afirmando que o meu cavalo tinha sido roubado por mim.

— Que pensas tu fazer agora?

— Nem eu sei — disse ele, encolhendo os ombros. —Quem manda agora é o senhor, que me salvou a vida.

Mike sorriu-se.

— Não tenho o direito de te obrigar seja ao que for, mas se pudesse diria que és aqui necessário.

— Era isso mesmo que esperava ouvir da sua boca.

— Estás disposto a ficar?

— Segundo me parece, está um pouco falto de gente.

— É verdade. Efetivamente não conheço aqui ninguém.

— Pois, daqui por diante, não poderá dizer que se encontra sozinho. O senhor é novo cá na localidade?

— Tão novo, pelo menos, como tu próprio. O que te posso garantir é que não te faltarão distrações durante muito tempo. Mas se, por acaso, te agrada a tranquilidade...

— Espero que possa gozá-la lá para os sessenta anos e não perdi ainda a esperança de atingir essa idade.

Mike estendeu a mão a Manuel que lha apertou.

— Parece-me que estamos ambos de acordo!

— Sou da mesma opinião — concordou o rapaz.

Acabavam de chegar junto de uma casa em cuja porta, ainda bastante legível apesar do abandono em que se encontrava, se via o seguinte letreiro: «Repartição do xerife». Um homem já de certa idade, de revolta e embranquecida cabeleira espreitando por debaixo de um amachucado e seboso chapéu, encontrava-se sentado num dos degraus da escada de acesso à porta de entrada.

— Tu é que és o novo xerife? — perguntou, olhando para o mancebo com evidente curiosidade.

Mike confirmou, olhando para o homem com estranheza.

— Não me digas que estás aqui de vigia a alguém.

— Certamente que não estou. Apressei-me a vir para aqui quando fui informado de que tinha acabado de chegar uma pessoa com a estrela da autoridade. Faço sempre assim de cada vez que aqui aparece um xerife; o meu emprego, aliás, tem sido sempre de pouca duração.

— £s o encarregado da prisão?

— Eu trato apenas do que respeita aos arranjos da casa. Como não uso revólver, tenho podido conservar a pele. Chamo-me Chuck.

Mike contemplou-o durante alguns instantes. Era um tipo estranho e curioso, mas como necessitava dele, não tinha outro remédio se não se acostumar.

— Ótimo — comentou. — Podes ir tratando de me preparar os aposentos. — São vinte dólares pelos meus serviços e estou sem uma única moeda na algibeira — e estendeu a mão aberta.

O mancebo passou-lhe para a mão algumas notas de Banco.

— E esse jovem? — perguntou, apontando para Manuel.

— Este também aqui ficará instalado — respondeu ele, enquanto lhe entregava mais algumas notas. — Há lugar para os cavalos?

— A cavalariça fica ali mesmo na frente.

Mike entregou as rédeas a Manuel.

— Conduz os animais para lá. Vou dar uma vista de olhos a tudo isto.

— Um momento — observou aquela espécie de guarda. — Tem ali uma visita à sua espera — acrescentou ele, piscando um olho e fazendo um gesto com a cabeça.

— Uma visita? — perguntou Mike, intrigado. — Como podia saber que eu chegava hoje aqui?

Chuck encolheu os ombros.

— Chegou há poucos minutos, perguntando pelo xerife. Presumi que não deverias demorar-te e disse-lhe que esperasse. É bem bonita.

— Uma mulher?

— Está aí dentro, no gabinete.

Mike transpôs a porta. Havia ali uma espécie de vestíbulo com uma escada desconjuntada que dava acesso ao andar superior e uma porta ao fundo. Abriu-a e entrou numa sala onde havia uma mesa cheia de pó, algumas cadeiras e uma estante cheia de livros e de papéis.

Do lado esquerdo viam-se as grades de duas celas. Estavam abertas e completamente vazias. Uma voz saída de um dos cantos da sala fê-lo voltar a cabeça.

— Volta-te de costas e não faças o menor movimento! — intimou a voz com acento firme. — Disponho de seis balas para justificar as minhas razões!

— Parece-me que estás laborando num erro, rapariga.

Tinha-lhe sido possível verificar que se tratava de uma mulher bastante jovem. Segurava um revólver na mão direita, apontando diretamente ao coração.

— Não fazia a mínima ideia de que fosses como és —continuou a mulher. — É bem certo que ninguém se pode fiar nas aparências. Fazes ideia do que vim aqui fazer?

— Naturalmente para te encontrares com o xerife, mas duvido muito que isso possa ser comigo.

— De nada te servirão esses subterfúgios. Todos os que se encontram em frente de uma arma se tornam mansos como cordeiros. Hoje, porém, vão terminar aqui todos os teus crimes, hiena sanguinária.

— Espero que me digas primeiro o que se passa.

A jovem aproximou-se até ficar a poucos passos de distância de Mike. Os seus olhos chamejavam e o peito arfava-lhe por imperativo da sua agitada respiração. Era evidente que se encontrava fortemente excitada.

— Quem foi que mandou incendiar o nosso celeiro? — exclamou ela, cravando nele as duas brasas em que se tinham transformado os seus olhos. — Onde param as cinquenta reses que andavam nas pastagens?

— Quer dizer que também és vítima desses miseráveis?

— Não foste lá tu, certamente, mas enviaste alguém para arrasar o rancho. Sejam quais forem as vezes que lá voltarem, serão sempre recebidos com as mesmas honras de ontem à noite. Hão-de acabar, de uma vez para sempre, essas aves de mau agoiro a quem sustentas.

Mike abanou a cabeça. Estava absolutamente surpreendido.

— Confesso que não compreendo como é possível que me confundas com gente dessa espécie. Deveras estás convencida de que fui eu o autor de tudo isso?

— Só sei dizer-te que eles afirmam obedecer às ordens do xerife.

—E quem era o xerife antes de eu aqui chegar? Não há dúvida de que deveria ser algum daqueles que se aproveitam das rapinas desses miseráveis.

— De nada te valerão as tuas habilidades. Nunca mais voltarás a destruir celeiros, nem a roubar cabeças de gado porque vou matar-te nesta mesma hora.

-- Porque não hás-de tu perguntar a quem melhor te parecer, se sou ou não sou eu a pessoa que tu supões?

— Não acho que seja necessário.

Mike ficou silencioso, mas na sua imaginação acabava de aflorar uma ideia.

— Podemos fazer uma combinação.

— Não se fazem contratos com miseráveis — rugiu ela.

— Tens de me escutar, nem que seja por um minuto.

— Para dar tempo a que cheguem os teus mastins? Não te convenças disso.

Naquele mesmo instante, a jovem, que se encontrava de costas para a janela, sentiu-se presa pelos braços. Deu um grito e apertou o gatilho. A bala, porém, tendo sido desviada pela prisão dos braços, foi cravar-se no soalho, a pouca distância dos pés de Mike.

— Safa! — exclamou Manuel, com um suspiro de alívio. — Cheguei a recear que disparasse, sem me dar tempo a que entrasse.

Mike engoliu em seco. Tinha-lhe sido difícil entreter a rapariga, enquanto Manuel entrava silenciosamente pela janela que se encontrava por detrás da mulher.

— Larga-me! — dizia a rapariga, forcejando por se soltar dos braços do outro. — Hei-de matar-vos a ambos e a toda a matilha de cães danados que vos acompanha.

— Vê se procuras acalmar-te para podermos conversar com tranquilidade. Talvez assim seja possível abrir-te os olhos e convencer-te que não pretendemos fazer-te qualquer mal.

Pela fenda da porta que acabava de se abrir, assomou a cabeça de Chuck, com a maior cautela.

— Que aconteceu aqui? — perguntou. — Quem disparou o tiro?

— Foi esta gata brava de nova espécie — respondeu Mike, apontando para a rapariga. — Vinha decidida a afastar-me do seu caminho.

— Que intenções são as tuas, afinal? Que motivos do ressentimento tens tu contra o xerife, que nada fez contra ti?

— Dás o nome de xerife a um patife deste género? — perguntou a rapariga, olhando cheia de ódio.

— Evidentemente que é o xerife! Mal acaba de chegar II Já pretendes eliminá-lo com o teu revólver. Quer dizer: que se ele se descuida, ainda vai durar menos do que os outros...

A rapariga parecia agora surpreendida pelo rumo que a conversa tomava.

— Não foi ele, então, quem mandou assaltar o nosso rancho?

— Este mancebo chegou ainda não há meia hora, o que não quer dizer que não pregasse já um susto a Luck.

— Então não é este?

 — Este senhor não tem a mínima semelhança com Luck — disse Chuck, sorrindo-se. — Bem se vê que não conheces o outro.

A rapariga sentia-se cada vez mais confusa. Via agora, claramente, que estivera a ponto de cometer um erro crave.

— Seja como for, ainda bem que aqui vieste. Por algum lado se há-de começar. Resides perto da povoação?

A jovem acenou negativamente.

— O nosso rancho é o «Sunrise». Fica perto de Rattbone. Há já algumas semanas que ali acontecem coisas muito estranhas.

— Sim? Que espécie de coisas?

— Quase todas as noites é atravessado por cavaleiros que se apoderam de reses para as conduzir à fronteira.

— Vive muita gente lá no rancho?

— Apenas eu e meu pai, uma criada e três assalariados. Estou sempre a recear que acabem por se irem embora. Têm sido ameaçados frequentes vezes.

— E também já vos têm querido comprar o rancho, não é assim?

—É verdade. Quem tem feito essas propostas?

— Um senhor de apelido Moore. É um advogado que pretende comprá-lo para um ganadeiro de Abilene.

O mancebo afagava pensativamente o queixo.

— E teu pai tem-se recusado a vendê-lo?

— Redondamente.

— E que mais?

— Já tentaram incendiar o edifício por três vezes, mas foram obrigados a fugir diante das nossas armas, e ontem à noite conseguiram deitar o fogo ao celeiro. Hoje demos por falta de algumas cabeças de gado.

— Necessito de fazer uma visita a tua casa — disse, Mike, dando-lhe uma palmada num braço. — Como te chamas?

— Sally.

— Pois bem, Sally, diz a teu pai que irei fazer-lhe uma visita. Talvez seja já amanhã.

A rapariga pegou no revólver que Manuel lhe tinha tirado e guardou-o no coldre.

— Teria sido muito para lamentar que o seu amigo não tivesse chegado a tempo de me impedir de o matar — disse com um ligeiro sorriso.

— Para outra vez, veja se toma melhores precauções.

Mal acabou de se afastar, os três homens desataram a rir.

— Não há dúvida de que isto esteve para ter um bom começo! — comentou Mike.

— Não sei dizer porquê, mas fiquei logo desconfiado quando ouvi dizer que tinha uma mulher à sua espera—observou Manuel. — E depois quis averiguar o que se inumava.

Os três homens deitaram-se ao trabalho e, em menos do uma hora tinham arrumado a repartição e dado um sofrível arranjo ao resto da casa. Seguidamente, Chuck saiu a fim de fazer algumas compras.

Sem comentários:

Enviar um comentário