Lenox tinha sido em outros tempos um importante ponto fronteiriço. Era um lugar de passagem obrigatório para todas as caravanas que, pela estrada do Sul, se dirigiam para o Oeste. Junto aos contrafortes da Serra Baixa, a povoação tinha adquirido uma grande importância devido à existência das minas de prata, tempos antes descobertas. O filão, porém, esgotou-se rapidamente e a exploração cessou automaticamente.
Muitos dos mineiros emigraram para outros Estados, mas uma pequena parte conseguiu prever que existia ali outro filão ainda por explorar e que era o incremento da criação de gados. De uma hora para a outra começaram os assaltos à propriedade alheia; as reses desapareciam de uma tal forma que ninguém sabia onde elas iam parar e os criadores, cada vez mais numerosos, viram com verdadeiro alarme que um novo perigo adejava por sobre as suas cabeças.
Novos elementos foram chegando a Lenox. Gente de vida equívoca, jogadores profissionais, batoteiros de toda a espécie, salteadores e pistoleiros contratados. Eram vulgares os duelos a tiro ou à navalhada, em pleno dia, mesmo em frente do hotel. A fronteira ficava próxima e os negócios escuros proliferavam.
As autoridades começaram a sentir-se impotentes para conter a crescente onda de desmandos e atropelos e quando pretenderam agir com mão firme viram-se desamparadas e sem qualquer espécie de apoio.
Johnny Burke caiu crivado de balas por um dos muitos malfeitores que tentavam semear o terror entre os pacíficos habitantes; Bill Walcott apenas ali permaneceu durante quarenta e seis dias. Desapareceu de vez, quando viu que não podia resistir às ameaças desencadeadas contra ele e contra sua mulher.
Mais tarde, chegou ali Peter van Clough que se propunha cortar radicalmente o banditismo, e caiu uma noite assassinado, varado pelas costas.
Os criadores de gado trataram de agrupar-se, com vista à defesa dos seus interesses. Jess Larsen, que foi o que tomou a presidência da organização, viu uma noite assaltada a sua propriedade, incendiados os celeiros e disperso todo o seu gado. A advertência fez mossa no seu ânimo e desistiu dos seus intentos.
Correu o boato de que, pagando determinado tributo, ninguém mais os incomodaria, pelo que muitos deles se conformaram, ainda que para isso tivessem de sacrificar a sua liberdade de ação e uma boa parte dos lucros dos seus negócios.
Hal Martin, um antigo soldado rural que ali chegara por ordem do governador para organizar a defesa contra o terrorismo, apenas se aguentou em Lenox durante quinze dias. Foi encontrado, certa manhã, na sua cama, selvaticamente apunhalado.
O terror desfraldara a sua bandeira e cada um dos cidadãos passou a desconfiar até do seu próprio vizinho. Parte deles venderam ao desbarato todos os seus haveres e abandonaram a povoação. Até que um dial começou a circular o rumor de que, todo aquele que pretendesse seguir-lhe as pisadas, não conseguiria afastar-se para muito longe.
Sam Calium fez ouvidos de mercador aos «conselhos» que lhe davam e saiu de Lenox numa galera, fazendo-se acompanhar de sua mulher e de tudo quanto lhe foi possível carregar. Veio a ser encontrado morto, dois dias depois, junto dos restos carbonizados da galera, aparecendo a mulher não muito distante do local, com a razão de tal maneira transtornada que nunca mais lhe foi possível recuperá-la.
Lenox deixou de estar sob a alçada da Lei. Durante dezoito meses imperou na povoação o direito da força e da coação. Um único nome se impunha a todos os cidadãos da localidade, mas poucos eram aqueles que se atreviam a pronunciá-lo. Dizia-se que Dang Blitte estava por detrás de tudo aquilo e que ocupava um rancho a cerca de dez quilómetros de Lenox; um rancho que o seu antigo proprietário se viu forçado a vender apressadamente, ausentando-se em seguida sem que ninguém soubesse para onde.
O dia das eleições aproximava-se e Samuel Grant começou a inquietar-se seriamente. As suas pretensões podiam comprometer-se irremediavelmente naquele autêntico vespeiro que era a povoação de Lenox.
Seu Irmão Willy ofereceu-se para se inteirar de quanto se passava, procurando ao mesmo tempo encontrar a solução adequada. Willy, porém, limitou-se a enviar de princípio algumas informações bastante vagas, não mais se sabendo fosse o que fosse a seu respeito. E Sam T. Grant, receou o pior.
Mas pior resultou ainda das fugidias notícias chegadas ao seu conhecimento, que envolviam por igual seu irmão e uma bela e estranha mulher que, havia algum tempo, surgira subitamente na povoação.
A perplexidade do juiz subiu de ponto quando informações fidedignas lhe revelaram que se tratava de Sara, a própria irmã do cabecilha Blitte.
Uma nova tentativa foi feita por intermédio de Harry Welley, homem duro e de há muito habituado à luta com os criminosos. Viera expressamente de Dodge e vinte e quatro horas depois partia para Lenox. A sua primeira intervenção fizera conceder prometedoras esperanças. Um tipo surpreendido em flagrante delito fora pessoalmente preso por Welley e, ao tentar resistir, Welley não hesitou em o matar. Finalmente, alguém em Lenox vinha impor a sua autoridade àqueles que tinham transformado aquela comarca num campo propício aos seus crimes.
A alegria, porém, iria durar bem pouco tempo. Welley foi encontrado certa noite estendido a uma esquina, num autêntico lago de sangue. Tinha sido agredido com cinco punhaladas, mas, apesar disso, ainda lhe foi possível balbuciar um nome. Mas aquele ou aqueles que o ouviram precataram-se, prudentemente, de o revelar. O medo selava por completo os seus lábios, porque sabiam que o menor deslize significava uma morte certa.
Mas o motivo da principal preocupação de Grant não consistia apenas na ameaça que Doug Blitte representava. O seu mais direto adversário às eleições que se avizinhavam era um dinâmico advogado de Dodge chamado Moore, que fazia frequentes visitas a Lenox e havia fundados motivos para se suspeitar de que gozava da cumplicidade de Blitte de quem, muito provavelmente, pretendia valer-se na sua campanha e conseguir um apaziguamento na povoação que lhe proporcionasse a popularidade indispensável para conseguir a vitória.
Todas estas considerações estavam presentes no espírito de Mike Mac Bride, enquanto percorria o caminho que o conduziria ao seu destino. Levava consigo uma relação das pessoas que o apoiariam sem reservas, mesmo à custa dos maiores riscos. Desgraçadamente, porém, as pessoas eram em tão pequeno número que se podiam contar pelos dedos das duas mãos.
E foi absorto nestes pensamentos que, a meio da tarde do dia seguinte, avistou as primeiras casas da localidade.
Uma calma paradisíaca parecia reinar por toda a parte, desmentindo a triste fama que aureolava o nome de Lenox. Algumas cabeças de gado, inclusivamente, pareciam vaguear pelas pastagens. Um velho moinho rangia junto do leito de um rio, e de um bosque próximo chegavam aos seus ouvidos os sons rítmicos dos golpes de um machado batendo no tronco de uma velha árvore. Não se distinguiam sinais de vivalma e Mike prosseguiu no seu caminho.
Acabava de pisar os primeiros palmos de terra da povoação, quando viu surgir um homem que caminhava coxeando. Teria cerca de uns sessenta anos e apoiava-se a uma bengala. Parou e encarou-o um tanto perplexo.
— Dar-se-á o caso de não haver ninguém nesta terra? perguntou Mike, amável e sorridente. — Estava quase para jurar que tinha sido abandonada.
— Andas, porventura, à procura de alguém? — perguntou o velho.
— Não. Não procuro seja quem for. Passei aqui por mera casualidade.
— Pois se queres aceitar um bom conselho, será melhor que voltes por onde vieste e te dirijas a qualquer outra parte.
— É proibido aos forasteiros entrarem na povoação?
— Ninguém te impedirá de o fazeres.
— E a gente da terra?
— Encontra-se em suas casas. Mas se te dirigires para a praça, encontrar-te-ás com alguns que não quererão perder o espetáculo.
— Que espécie de espetáculo? — perguntou.
— Vai, que logo o saberás — disse o velho, encolhendo os ombros.
Preparava-se para continuar o seu caminho, mas deteve-se para olhar de novo para Mike.
— Apoderaram-se de um pobre diabo e estão dispostos a enforcá-lo. E acusado de ter roubado um cavalo.
—A quem?
— Provavelmente a ninguém. Mas como se trata de um perfeito animal, parece que é crime possuí-lo. Não te dou os parabéns por teres vindo aqui parar. Por isso te aconselho a que desapareças quanto antes, se não queres saber como elas mordem.
— Então e o xerife?
— Nesta terra não há xerife. O cargo não agrada a ninguém.
Mike despediu-se do velho. Este acompanhou-o com os olhos durante alguns segundos e prosseguiu no seu caminho sem deixar de abanar a cabeça.
Avançou pelo meio da rua principal. Continuava a não enxergar ninguém. A meio do caminho, porém, avistou um grupo de dez ou doze pessoas reunidas no centro de um pequeno largo. Existia ali uma meia dúzia de árvores, de uma das quais estava suspensa uma corda, cujo significado o não podia iludir.
Continuou a avançar até chegar perto do grupo. Nenhum homem se tinha apercebido da sua presença, uma vez que todos se encontravam atentos ao que se passava debaixo da árvore. Pôde então ver dois indivíduos que ladeavam um moço de uns vinte e cinco anos, de cabelos revoltos e com a camisa rasgada, apresentando o tronco um dos ombros completamente nus.
Mike compreendeu que a sua chegada não podia ter vido mais oportuna. Colocou a estrela no peito e avançou até se encontrar no meio do grupo que contemplava o repugnante espetáculo.
— Que farsa é esta que vai representar-se aqui? —perguntou em voz alta, dirigindo-se aos dois homens que seguravam o preso.
Todos os olhares se dirigiram para ele, enquanto um profundo silêncio se fazia em toda a praça. Destacando-se dos componentes do grupo, um homem de cerca de quarenta anos, de pele escura e bigode negro que lhe caía de ambos os lados da boca, olhou para o mancebo com ar insolente e provocador.
— Quem te chamou a ti para assistires a esta «festa»?
— Sou portador de uma nomeação passada pelo governador do Estado. De hoje em diante, a única pessoa com autoridade para organizar festas, sou apenas eu. Soltai esse homem.
— Este homem roubou um cavalo.
Mike dirigiu-se ao preso que o olhava com um raio de esperança.
— É verdade o que este homem diz?
— É falso! — exclamou. — Juro que não roubei cavalo nenhum! Há cerca de meio ano que o comprei em Dodge.
— Esse cavalo foi furtado ontem — interveio de novo a mesma personagem. — Seguimos-lhe os passos e conseguimos caçá-lo ao romper do dia.
— Não é verdade! — replicou o prisioneiro. — Adquiri-o há mais ou menos seis meses! Esses homens saíram--me ao caminho e apoderaram-se dele. Nunca roubei nada a ninguém!
O homem fez um gesto de energia.
— Basta de explicações e de desculpas! Se a Lei não for aqui aplicada, isto acabará por se transformar em um manicómio.
Os dois homens que seguravam o preso conduziram--no para debaixo da árvore.
— Quietos, ou algum de vocês tomará a dianteira no caminho do inferno — ameaçou Mike.
As suas mãos empunhavam os revólveres que pouco antes descansavam nas pistoleiras. Mais ainda do que a ameaça, a firmeza da sua atitude era o que mais desconcertava quantos ali se encontravam.
Na maioria, os curiosos que se encontravam no grupo, tendo a nítida intuição de que ali ia desencadear-se uma violenta tempestade, começaram a retirar-se da cena procurando um lugar seguro de onde pudessem presenciar desenlace.
Além dos três homens que conduziam o preso, só mais dois se mantinham junto da árvore fatídica. Durante alguns segundos ninguém proferiu palavra nem se moveu do seu lugar.
Aquele que parecia dar as ordens mostrava-se hesitante, verdadeiramente surpreendido pela temeridade daquele adventício que ostentava a placa prateada, símbolo da autoridade, sem mostrar qualquer receio pela superioridade numérica dos seus adversários.
E foi um dos que se encontravam junto da árvore que se dispôs a iniciar o tiroteio, desejoso, sem dúvida, de ganhar os favores do seu chefe. Saltou para detrás da arvore a fim de se proteger, enquanto empunhava o negro «Colt» que trazia suspenso a seu lado.
Mike não se deixou colher de surpresa e disparou o seu revólver, uma fração de segundo antes que o outro fizesse. Foi de tal forma certeiro o tiro disparado, que o facínora recebeu a bala em pleno peito, um segundo antes de conseguir ocultar-se atrás do tronco da árvore, acabando por cair do outro lado, onde se estatelou ao comprido, depois de dar uma volta sobre si mesmo. Ficou imóvel, estendido sobre o terreno.
A rapidez com que tudo aquilo se tinha passado paralisou toda e qualquer reação dos restantes membros do grupo.
— Vamos! Isso depressa! — intimou Mike, aproveitando-se da vantagem adquirida. — Soltai esse homem!
A ordem era terminante e não admitia réplicas. Os homens apressaram-se a obedecer.
— Creio que a tua vinda para Lenox não passa de um lamentável equívoco — disse o homem dos bigodes. — Isto aqui não é aquilo que tu supões!
— Toca a desaparecer de aqui, antes de que eu acabe de perder a paciência.
Mike apontou para a parte mais elevada da povoação onde se divisava o caminho que conduzia às montanhas. Os quatro homens entreolharam-se, indecisos. Não estavam habituados a receber ordens daquela natureza.
— Será possível que não tenham compreendido? Querará algum de vocês ir experimentar a cadeia?
Desta vez já não hesitaram mais. Um após outro foram-se encaminhando para os cavalos, sempre seguidos de Mike que não confiava em tais inimigos. Montaram e afastaram-se em direção dos arredores.
Só então Mike se aproximou do prisioneiro a fim de lhe cortar as cordas que lhe imobilizavam as mãos.
— Espero que não me tenha iludido — disse.
— Nunca esquecerei o que acaba de fazer por mim — disse o jovem, agradecendo. — A verdade é que não ganhei para o susto.
— E o pior de tudo é que eles estavam na disposição de te enforcar.
— Pouco faltou para isso...
Os curiosos de Lenox continuavam observando os dois homens, mas nenhum deles se atrevia a manifestar a sua aprovação. Conheciam por demais a força daquele agrupamento de patifes e não ignoravam, por certo, que as suas represálias costumavam ser terríveis.
Mike sabia que eles esperariam pelos dias seguintes para saberem o que iria acontecer em seguida. Estavam já acostumados ao facto de mais do que um xerife se apresentar ali disposto a fazer cumprir a lei, e de todos eles terem conseguido os seus objetivos nos primeiros dias. O que não queria dizer que, decorrido algum tempo, todos eles não viessem a sucumbir.
E era sumamente arriscado tomar partido por um desconhecido, sem tomar prévio conhecimento das suas possibilidades. O primeiro passo, esse, já estava dado. As dificuldades iam começar dali por diante, e o mancebo não Ignorava que isso viria a acontecer com a maior brevidade.
O que ele não suspeitava sequer é que elas o espreitavam já de muito perto.
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