Peter fez uma careta de estupefação.
— A própria noiva do morto?... Por cinquenta mil garrafas de «whisky»! Se foi ela precisamente quem teve a culpa de te apanharem em sua casa!... Que classe de loucura é essa?
— Escuta, Peter. Tu sairás daqui esta noite à meia-noite. Restam-me ainda seis horas. E quando I ousares os pés na rua, vais direito a casa de Lídia Howells e contas-lhe as minhas suspeitas.
— Dirá que sonhaste.
— Lídia conhece perfeitamente os sentimentos de Ronald Donovan a seu respeito. Quem sabe, talvez julgue interessante a minha ideia. E a minha última oportunidade.
— Nunca ouvi maior disparate em toda a minha vida. Como vai ela prestar-se para uma coisa dessas? Teria de entrar no escritório com um revólver escondido debaixo da roupa, surpreender Smilles e Luke, apanhar as chaves e abrir-te a porta. Como vai ela fazer isso, quando se trata precisamente do homem que está condenado por ter matado o seu futuro marido?... Oh, não!
— E uma possibilidade entre mil, mas tenho de tentar.
Houve uma pausa e finalmente Peter Morrow deu um estalo com a língua.
— Está bem, rapaz, por mim não me importo. À meia-noite, quando sair daqui, irei a sua casa.
— Obrigado, Morrow.
— Não tens de agradecer. Um favor faz-se a qualquer pessoa.
Trevor bocejou e disse:
— Creio que vou dormir um bocado. Far-me-á bem descansar um Pouco. A noite passada não preguei olho.
— Quem o pregaria na tua situação?... Diabo! Não gostaria de ter o meu pescoço rodeado por uma gravata de cânhamo!
Tony sorriu enquanto se dirigia para a sua tarimba. Estendeu-se e pouco depois dormia profundamente. Quando despertou, deu conta de que era noite cerrada. Pela janela viu as estrelas no firmamento. Acercando-se da porta gradeada viu que tinha deixado a sua ceia num prato que se encontrava chão. Apanhou o prato e colocou-o num canto, pois não tinha fome.
— Eh, Morrow — chamou em voz baixa, juntando a cara aos varões. — Que horas são?
A tarimba vizinha gemeu. Em seguida, alguém disse:
— Faltam dez minutos para tornar-me um cidadão honrado outra vez.
— Continuas a pensar em ir a casa de Lídia Howells?
— Ainda que pense que não consegues nada, irei, Tony. Dou-te a minha palavra.
Tony sentou-se na borda da cama à espera. Cinco minutos mais tarde ouviram-se passos no corredor e a voz de Smilles dizer:
— Bem, Peter. Chegou a tua hora.
— Demónio, «sheriff»! — resmungou Peter. — Disse-o de uma forma que parece que me vão executar.
Smilles soltou uma risada enquanto fazia a chave dar a volta na fechadura.
— Qualquer dia, numa dessas zaragatas que armas, quererás fazer o gosto ao dedo, e então sim, ninguém te livrará da execução.
Peter Morrow saiu da cela, compondo as calças.
— Parece mentira que diga isso a uma pessoa que é da casa. Sabe muito bem que sou incapaz de matar alguém.
— Anda, põe-te ao fresco. Ainda que aposte que ao amanhecer já te encontrarás aqui outra vez.
— Não o vejam os seus olhos. Permite que me despeça do condenado?
— Está bem. Despede-te, mas depressa.
Peter aproximou-se da cela ocupada por Tony.
— Sinto a tua sorte, Trevor — disse ao jovem. — A vida é assim.
Morrow apertou a mão que se lhe estendia pelo meio dos varões, e disse.
— Boa sorte, Tony.
Em seguida começou a andar pelo corredor seguido do «sheriff». Tony encaminhou-se para a parede do fundo e entreteve-se a ver as estrelas pela janela. O tempo foi correndo lentamente. Ao cabo de uma hora ouviu-se o cavalgar de um cavalo, que se aproximava da porta principal. Chegou-se para a porta de ferro e prestou atenção. A porta do escritório do «sheriff» abriu-se.
— Boas noites, «sheriff» — disse uma voz pastosa.
— Olá, Ronald... Estiveste a beber?
— Não é o meu dia de folga?
— Sim, mas há coisas que um ajudante de «sheriff» não pode fazer.
Ronald desatou a rir.
— Bem, num dia de festa...
— Festa? O que é que celebras?
— Dentro de cinco horas enforcarão esse tipo que está aí dentro... Não penso deitar-me. Vim aqui para fazer-lhe companhia. Se vou para casa, não me levantarei menos das nove, dez horas, e às seis é que vão enforcar esse tipo. Quero vê-lo dançar pendurado na árvore.
— Sabes o que te digo, Ronald? — interveio o «sheriff» com voz rouca. — Cada vez estou mais arrependido de te ter dado a chapa de ajudante Nunca pensei que fosses um tipo tão sádico... Que mal te fez, no fim de tudo?
— E um assassino. Nada mais do que isso... ou por acaso pensou que são verdadeiras as suas histórias?
O «sheriff» murmurou algo baixo, que Trevor não conseguiu ouvir. Ao fim de um largo silêncio, Ronald perguntou
— E Luke?
— Mandei-o para casa. Tremia mais que um pudim. A sua mulher está para ter um filho.
A Tony não lhe interessava aquele diálogo e sentou-se de novo. Conforme avançava o tempo as suas esperanças desvaneciam-se. Peter Morrow tinha razão. Como se ia prestar Lídia Howells a facilitar-lhe a fuga? Ela própria lhe havia confessado que amava Lee Carey. E para toda a gente, ele, Tony, era o assassino desse homem.
Agora verificava como tinha sido estúpido o seu pensamento. De qualquer maneira, havia ainda a possibilidade de que Peter Morrow não tivesse ido falar com a jovem. Morrow, piedosamente, havia-o enganado dizendo-lhe que lhe faria esse favor. Morrow tinha por dever conhecer melhor os membros daquela comunidade, e, portanto, havia considerado o seu plano como o pensamento de um louco, de um homem que dentro em breve ia ser enforcado. Os seus pensamentos foram interrompidos por umas pancadas que deram na porta do escritório.
— Entre — disse a voz do «sheriff».
Fez-se silêncio. Em seguida, Smilles exclamou:
— Boas noites, Lídia... Esta sim, é que é uma surpresa!
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