O «saloon» transbordava de clientela.
Duas jovens airosas faziam a delícia dos assistentes com os seus bailados e as suas canções bastante livres. O velho piano não parava um só instante de tocar e as bebidas corriam pelas sequiosas gargantas dos rudes trabalhadores, sem ser preciso utilizarem-se de taças ou de copos.
Nas mesas da roleta, dos dados e das cartas não se via um único lugar vago suscetível de ser ocupado pelos que aguardavam a sua vez. O alarido, as discussões e as gargalhadas misturavam-se numa ruidosa confusão de que apenas sobressaia a música do velho instrumento.
No apogeu de toda aquela algazarra detiveram-se em frente da porta do «saloon», sem desmontar, cinco cavaleiros que permaneceram alguns momentos apreciando o ruidoso bulício proveniente do interior.
Seguidamente, e como se todos obedecessem a um sinal dado, desmontaram e prenderam as montadas a um dos lados da barra. Nenhum dos presentes se apercebeu da sua entrada. Abriram caminho através da compacta multidão e aproximaram-se do balcão.
Beberam em silêncio, pagaram a despesa e encaminharam-se para as mesas de jogo. O mais jovem dos cinco tentou diversas paradas na roleta. Perdeu as duas primeiras, mas ganhou a terceira.
Dali passou para os dados. Umas atrás das outras, as cinco notas do banco que arriscou sumiram-se na caixa do encarregado da banca. Subitamente, o jovem apoderou-se dos dados.
— Alto! — exclamou furioso. — Isto não passa de uma autêntica trapaça! Todos os presentes emudeceram, olhando pasmados uns para os outros.
— Que espécie de brincadeira é esta? —perguntou o encarregado do estabelecimento.
O jovem abriu a mão e exibiu um dos dados.
—Já suspeitava que devia aqui haver «gato». Este dado está viciado.
Todos os circunstantes puderam verificar que se tratava de um dado preparado. Ergueu-se um violento coro de protestos que acabou por se converter numa explosão de raiva.
—É falso! — gritou o empregado. — Esse dado não é o mesmo que estava em jogo. Foi substituído por outro!
— Atreves-te a dizer que eu sou um aldrabão?
O encarregado da banca lançou-lhe um repto explosivo:
— Disse-o e repito-o. O senhor não passa de um trafulha!
O jovem levou a mão ao revólver no que foi imitado pelo banqueiro. A casa recrutava o seu pessoal entre os indivíduos hábeis no manejo das armas, uma vez que, infelizmente, as lutas e os rebuliços estavam sempre na ordem do dia.
Naquela ocasião, porém, a rapidez para nada lhe serviu. O tiro não chegou a sair do cano da sua arma, nem também da do seu antagonista. Foi um dos cinco homens do grupo que acabara de entrar que se antecipou a ambos.
O empregado caiu de bruços sobre a mesa sem soltar um único gemido. O pânico espalhou-se por todo o estabelecimento. Num ápice, os cinco homens, previamente preparados para o golpe, apontaram as armas para todos os banqueiros das diversas mesas e apoderaram-se dos lucros daquela noite.
Do lado do balcão começaram a chover balas. As mulheres gritavam cheias de terror e muitas garrafas cheias e vazias se cruzavam em todas as direções. Uma das lanternas apagou-se. A confusão era cada vez maior.
Os gritos e as pragas confundiam-se com os tiros. Todos se atropelavam na ânsia da fuga, enquanto os aventureiros recuavam para a porta, disparando e ameaçando todos aqueles que pretendiam vedar-lhes a passagem.
Chegados à porta, dispararam uma última rajada e correram para os cavalos, desaparecendo em seguida em direção desconhecida. Ainda foi possível aos circunstantes verificarem que um deles procurava abraçar-se ao pescoço da sua montada. Era evidente que estava ferido. Mas ninguém se atreveu a mover-lhes perseguição.
O estampido do tiroteio chegou até aos ouvidos de Mike e de Manuel que apreciavam pacatamente, dentro da repartição, a situação em que o abandono dos serviçais ia deixar o rancho de Arnold Davies.
— Que diabo terá acontecido? —perguntou Manuel. — Troca-se violento tiroteio e parece não ser muito longe daqui. Vamos a saber o que se passa.
Cingiram os cinturões e saíram para a rua.
— Palpita-me que será no «Saloon Veracruz» — disse Mike. — Simon deve encontrar-se em apuros.
Ao atingirem a esquina da rua observaram um grupo de cavaleiros que se afastavam pelo extremo oposto.
— Fogem por além! — disse Manuel, compreendendo que se tratava dos homens que deram origem ao rebuliço.
Mike adiantou-se ao companheiro e chegou à porta do estabelecimento quando os primeiros frequentadores começavam a sair em tropel, gritando exaltadamente.
— Acabam de roubar Simon! — gritava um.
— Vão incendiar a casa! — gritava outro, cheio de terror.
Os mais prudentes procuravam acalmar os ânimos, afirmando que os assaltantes tinham já desaparecido. Mike penetrou no recinto e verificou que a confusão era indescritível. Três homens jaziam caídos no soalho, revelando o sangue que lhes manchava as roupas que tinham sido atingidos pelas balas.
Simon, pálido e descontrolado, esforçava-se por fazer-se ouvir, recomendando a todos a maior serenidade.
Pouco a pouco a calma foi-se restabelecendo. Havia ali um morto e três feridos. A ordem acabou por se impor e tudo voltou à normalidade.
— Que aconteceu aqui, afinal? -- perguntou Mike ao dono da casa.
— Um grupo de aventureiros disparou sobre Lewis e apoderaram-se de todo o dinheiro!
— Sabem, acaso, quem foi?
—Nunca aqui tinham entrado. Era todos forasteiros.
— Então não conseguiremos um dia que haja paz nesta localidade? — grunhiu um ganadeiro que sangrava abundantemente por ter sido atingido com uma garrafa na cabeça.
— Quase que vale mais meter-se uma pessoa num ninho de coiotes! — dizia um dos trabalhadores do túnel. — Acaba uma pessoa de chegar para passar uns momentos agradáveis e a primeira coisa que lhe acontece é ficar sem o seu rico dinheiro. Que pode fazer um xerife numa terra assim?
— Aqui quem dá leis são os bandidos e os pistoleiros.
Simon ordenou ao pianista que prosseguisse na sua tarefa. Uma das bailarinas subiu para o tablado e a alegria foi regressando pouco a pouco, ouvindo-se dichotes e galanteios dirigidos à estrela que rodopiava no meio do maior gáudio da assistência.
A calma restabeleceu-se de vez, tratando-se de remover os corpos estendidos nas tábuas do «saloon». Manuel tomou a tarefa a seu cargo, enquanto Mike ia recolhendo elementos acerca dos acontecimentos ocorridos e dos seus indesejáveis autores.
Foi precisamente nesta altura que Phil Moore deu entrada no «saloon», encaminhando-se na direção do mancebo. Aparentava a maior tranquilidade, dando a entender que possuía um admirável, sangue-frio.
— Grande azáfama, pelo visto, não, Mac Bride?
Mike olhou-o, surpreendido por ele se encontrar ali naquelas circunstâncias.
— Milagre seria se o não houvesse em estabelecimentos deste género — respondeu Mike.
— Ouvi uma troca de tiros; algum borracho, não?
— Foi um bando de gatunos que passou por aqui. Armaram um charivari dos demónios e acabaram por desatar aos tiros para poderem escapar-se.
— Perfeitamente lamentável — disse ele meneando a cabeça. — Há-de haver sempre aborrecimento quando me encontro ausente. Pode crer que sou o primeiro a
O advogado encaminhou-se para o balcão, seguido pelo olhar de Mike. A tranquilidade daquele sujeito não só lhe causava admiração, como se lhe afigurava muito suspeita. Era um novo argumento para utilizar na sua campanha de descrédito contra Grant.
Cerca de duas horas antes tinha chegado um cavaleiro ao rancho onde Doug Blitte parecia ter-se recolhido, para gozar alguns dias de descanso. O cavaleiro parecia demonstrar grande pressa em chegar, uma vez que esporeava incessantemente a sua montada, obrigando-a a um desenfreado galope. Mal acabou de chegar, apeou-se de um salto e correu para a vivenda.
Doug Blitte estava com Long, o seu homem de confiança, jogando uma partida de cartas.
— Acabo de ver Clein acompanhado de quatro homens caminhando em direção a Lenox! — foram as palavras com que o recém-vindo justificou a sua inesperada vinda. Blitte fixou nele os seus olhos escuros e poisou as cartas.
— Tens a certeza?
— Vi-o tão bem como te estou vendo a ti e não tenho dúvida alguma que se prepara para dar um golpe. Há algum tempo que ameaça fazê-lo.
— Javardo traidor! -- rugiu Blitte, pondo-se em pé. Fartei-me de lhe dizer que não queria que se aproximasse da povoação sem o meu consentimento.
—Neste momento deve ele estar a chegar à povoação.
Blitte saiu para o exterior e, rodeando o edifício entrou numa das dependências do rancho onde sete homens conversavam em voz baixa, enquanto fumavam ou se entregavam às mais diversas atividades.
— Toca a preparar os cavalos! — ordenou. -- Temos de marchar imediatamente para Lenox.
— Que se passa de novo? —perguntou um deles --É altura de mandar o novo xerife de presente ao diabo?
— Isso ficará para quando eu o entender — replicou secamente. — Neste momento trata-se de Clein.
—Que diabo vai Clein fazer ali?
—Isso mesmo é que eu necessito de saber. Preveni essa ratazana de que, se queria trabalhar por sua conta, não devia meter o nariz a menos de cinquenta quilómetros daqui. E o tipo resolveu fazer-se engraçado, indo ao ponto de recrutar uma súcia de palermas.
— Que diremos ao tipo se o toparmos no caminho?
— Isso é exclusivamente comigo.
— Vens connosco à povoação?
— Tinha a sua graça ficar eu aqui, podendo ver bem de frente a cara desse canalha. Vamos! Nada de perder tempo.
Blitte colocou-se à frente dos seus homens, empreendendo todos juntos uma desenfreada corrida para a povoação. Encontravam-se a menos de meio quilómetro, quando, no silêncio da noite, ouviram o estampido de vários tiros.
Blitte deteve o cavalo e levantou a mão. Os seus apaniguados imitaram-no e ficaram todos à escuta.
— Eles deram início ao baile — comentou Blitte, com um estranho brilho nos olhos. — Mas a nós é que compete terminá-lo.
— Que pensas fazer?
— Clein é um autêntico imbecil e eu sei perfeitamente qual é a sua ideia. É sair a todo o galope em direção a Leyton, que é a única forma de poder fugir através da fronteira se vier a encontrar-se em apertos.
—E nós vamos esperá-lo?
— Naturalmente. E far-lhe-emos uma receção condigna. Não se esqueçam das cordas.
Encaminharam-se para um lugar onde o caminho fazia um pronunciado cotovelo, estreitando-se por entre o arvoredo. Estenderam as cordas de um lado ao outro e esconderam-se, dividindo-se em dois grupos.
Minutos depois chegou aos seus ouvidos o tropear de cascos de cavalos. Blitte, que se tinha adiantado um pouco, descobriu a certa altura vários vultos procedentes da povoação. Ocultou-se o melhor que pôde e aguardou a sua aproximação. Fez então um sinal aos seus sequazes que imediatamente retesaram as cordas.
Dois dos cavaleiros despenharam-se das montadas, antes mesmo de se aperceberem do que se passava. Um terceiro perdeu o equilíbrio, mas continuou aferrado ao pescoço do cavalo. Os dois restantes que cavalgavam um pouco atrasados, deviam ter suspeitado de qualquer coisa ao verem cair os seus companheiros e conseguiram desviar-se da armadilha fugindo em outra direção. Imediatamente os homens de Blitte se lançaram sobre as suas vítimas, manietando-as fortemente.
Os prisioneiros resmolgavam imprecações ao pressentirem o destino que os esperava. Três homens de Blitte correram em perseguição dos fugitivos, mas estes levavam já uma larga dianteira, o que anulou os esforços dos seus perseguidores.
Blitte, porém, não se dava por satisfeito. Tinha em seu poder apenas dois homens de Clein, mas este tinha conseguido escapar à ratoeira que lhe fora preparada. Ali mesmo ordenou que fossem enforcados. Queria que Clein tomasse conhecimento da maneira como ele tratava os que pretendiam fazer-lhe concorrência. A permanência foi bastante curta. Acabada a lúgubre tarefa, afastaram-se para longe, deixando os fúnebres despojos baloiçando nas trevas.
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