quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

ARZ116.06 No meio do tiroteio surge o romance

Apesar de tanto Mike como Manuel se encontrarem protegidos graças à localização da mesa a que se sentavam, os dois homens puseram-se em pé assim que se desencadeou a saraivada de balas e empunharam os revólveres.

Não lhes era possível distinguir quem estava do lado de fora da janela, nem aproximar-se sequer, em virtude do amontoado de mesas e de cadeiras espalhadas pelo chão. Mas logo que o tiroteio terminou, Mike correu para a porta, espreitando para o exterior.

Dois dos circunstantes saíram mesmo para a rua, mas nem rasto dos bandidos lhes foi possível descortinar.

— Tiveram tempo mais do que suficiente para fugirem — disse um rancheiro com os punhos crispados pela Indignação. — Essa corja de miseráveis sente-se em terreno conquistado, arrogando-se o direito de fazer tudo quanto lhes dá na gana.

— E continuarão a fazê-lo enquanto não aparecer alguém que lhe corte as asas — acrescentou o outro.

— Fazem alguma ideia acerca de quem possa ter sido? - perguntou Mike, dirigindo-se aos dois homens.

Ambos se voltaram, surpreendidos. Nenhum deles se tinha apercebido da sua presença; e quando se lhes deparou a placa metálica que brilhava no seu peito, ambos pareceram emudecer.

— Nenhum de nós viu coisa nenhuma — respondeu b. rancheiro, aborrecido.

— Enquanto nesta terra existir gente que se recuse a «ver» o que se passa, duvido que seja possível resolver qualquer problema — disse Mike, intencionalmente. —Hoje dispararam contra a frascaria das prateleiras; amanhã serão porventura os frequentadores o alvo das suas balas.

— Como é que tu vieste aqui parar? — perguntou um, dos interlocutores.

— Haverá umas quatro horas que aqui cheguei e confesso que já aprendi muitas coisas apesar do pouco tempo decorrido.

— Foste tu, então, que deste aquele «bigode» a Luck?

— Sim. Arranquei-lhe das mãos um pobre diabo que ele acusava de ter roubado um cavalo.

— E como é que se meteu na cabeça de quem te mandou para aqui, a ideia de te enviar sozinho?

— Porquê? Era necessário mandar mais alguém?

— Falta em Lenox uma brigada de Polícia Rural. Por muita coragem e valentia de que sejas possuidor, de nada isso te valerá! Com esta espécie de gente, não pode haver contemplações.

— Obrigado pelo conselho — disse o jovem, levando dois dedos à aba do chapéu.

Voltou a entrar no estabelecimento. Simon esbracejava, indignado, enquanto ia pondo um pouco de ordem no rebuliço ocasionado pelo tiroteio e parte da assistência se dava à tarefa de endireitar as mesas e as cadeiras espalhadas pelo salão.

Pelo seu lado, o pianista preparava-se para retomar a melodia interrompida. A «estrela» negra que se arrojara também ao solo, dava-se ao trabalho de arranjar o vestido, enquanto trauteava uma cançoneta, como se aquilo que acabava de ocorrer fosse a coisa mais natural do mundo.

Mike aproximou-se de Simon.

— Não restam dúvidas de que as ameaças são muito sérias.

— Que irá ser do meu negócio se me recusar a pagar o que eles me exigem?

— Se cais na esparrela de lhes dar os quinhentos dólares, não decorrerá um mês sem que venham pedir-te mil, e assim sucessivamente até se apossarem de tudo.

Simon abriu os braços com desespero.

—E que poderei eu fazer? Recusar-me?

—Perentoriamente! E muito possível que eles regressem, mas cortar-lhe-emos as vasas. Sei que isso representa para ti um sacrifício.

— Não sei... não sei... Tenho de pensar maduramente no caso. Virou as costas e continuou a apanhar os estilhaços espalhados pelo chão.

Mike reuniu-se a Manuel, saindo ambos do estabelecimento.

— É de supor que não voltem mais esta noite. Contentam-se com a advertência feita. Amanhã é que talvez possa sobrevir qualquer coisa de bastante trágico.

—E como poderemos nós impedi-lo?

—E indispensável dar com o antro de Luck e do seu grupo.

— Apenas nós os dois?

— Bastará averiguar onde se acoitam. É a única maneira de impedir que eles se atrevam a sair.

Regressaram à repartição. Preparavam-se para entra. quando se aperceberam de que um cavaleiro galopava em direção a eles. Encostaram-se à parede e detiveram-se. Mike reconheceu imediatamente a rapariga que ali estivera naquela mesma tarde.

Sally! exclamou, surpreendido. — A estas horas por aqui?

Sally saltou do cavalo e correu para junto deles.

— Voltaram ao rancho há coisa de uma hora! — disse ela, assustada. — Embora se tenham retirado, não desistirão de ali tornar.

— Mas quem? Quem é que há-de lá voltar?

— Os homens que lançaram fogo ao celeiro. Recebemo-los a tiro, o que os deixou bastante desconcertados; mas eu sei que eles voltarão. Tenho a certeza.

— Porque resolveste tu sair do rancho? — perguntou Mike.

— Porque meu pai tem um ferimento numa perna. Embora não pareça coisa muito grave, resolvi-me a vir procurar o doutor Bennet. Infelizmente ele não quer ir lá antes que seja de dia.

— Onde mora esse tal médico?

— Mesmo à entrada da povoação, mas não lhe será fácil convencê-lo. Está bêbado como um cacho. Está quase sempre naquele estado. É o seu único defeito.

— Mesmo embriagado que esteja, posso obrigá-lo a ir lã.

Sally abanou a cabeça, mas Mike pegou-lhe por um braço e arrastou-a consigo.

Pouco depois paravam junto da residência do médico. Era uma casa isolada onde vivia em companhia de uma criada índia, bastante velha, que lhe cuidava de todos os seus arranjos. O médico dormitava, estendido num cadeirão. Estava realmente sob os efeitos do álcool, pelo que apenas conseguiram que ele entreabrisse os olhos e os envolvesse num olhar inexpressivo.

— Isto não são horas de incomodar os vizinhos —murmurou, agitando uma das mãos.

Mike e Manuel entreolharam-se.

— Não vejo maneira de o arrancar daqui — disse o mexicano.

— Iremos lá nós — decidiu Mike. — Pratiquei como enfermeiro quando fiz o meu serviço militar nos Serviços de Saúde.

Reuniram alguns medicamentos para os primeiros socorros, apoderaram-se de uma pequena maleta portátil com diversa aparelhagem e saíram acompanhados da jovem.

Vinte minutos depois chegavam a Rattbone. A luz da lua espargia-se já por todo o vale, permitindo contemplar as montanhas próximas em todos os seus pormenores.

O rancho ficava situado mesmo no centro do vale, ocupando a cerca uma vasta extensão do mesmo. A sua situação era estratégica por excelência, para permitir controlar a saída do vale por aquele lado.

Uma voz de homem chegou até eles, vinda do alto, quando já se encontravam a curta distância. Sally respondeu em seguida e a passagem foi-lhes franqueada.

Era um dos trabalhadores do rancho que ali se encontrava de sentinela a fim de prevenir qualquer surpresa.

— Até agora não voltaram a dar sinal de vida, mas é de supor que voltem como de costume.

— Eram muitos os assaltantes? — perguntou Mike. — Apenas uns quatro ou cinco, mas é possível que esperem reforços.

Arnold Davies, o pai de Sally, estava estendido em cima de uma tarimba. Mike examinou o ferimento e procedeu à extração da bala. Ainda ele não tinha acabado de colocar as ligaduras, quando o «cowboy» que estava de sentinela entrou na sala a fim de avisar que se viam várias sombras em movimento, afigurando-se-lhe que se dirigiam para o rancho.

Mike acabou de enrolar rapidamente a ligadura e saiu para o exterior. Um grupo de dez cavaleiros, divididos em dois grupos distanciados cerca de cinquenta metros entre si, encaminhava-se para ali.

A curta distância da casa, situavam-se os celeiros incendiados. Mike apontou para as ruínas.

— Eu e Manuel vamos instalar-nos ali — disse ele. — Há espingardas cá, em casa?

— Temos apenas duas — respondeu Sally: a minha e a de meu pai.

— Tu ficarás aqui com os empregados. Estarão muito mais protegidos.

Carregaram as armas e levaram consigo uma caixa de munições. Saíram pela porta da cozinha e arrastaram--se até junto das ruínas dos celeiros incendiados.

Os cavaleiros eram perfeitamente visíveis e tinham-se desdobrado em leque, no intuito de atacarem por dois lados simultaneamente. Detiveram-se, porém, a uma determinada distância e apenas um deles se destacou do grupo.

Por detrás dos dois mancebos ressoou o estampido de um tiro. Fora disparado do rancho, provavelmente por Sally, que não quis deixar de aproveitar a oportunidade que se lhe oferecia.

O cavalo deu um galão e o cavaleiro, esporeando o animal, desviou-o em direção diagonal, a fim de se juntar aos restantes que aguardavam as suas ordens.

O tiroteio estalou. Uma chuva de balas começou a cair sobre a vivenda e sobre os seus moradores.

Mike e Manuel, ocultos no celeiro, esperavam que se lhes deparasse uma oportunidade favorável.

Subitamente, três dos cavaleiros destacaram-se do grupo e dirigiram-se a galope para o celeiro, no propósito de procurar uma posição estratégica para o ataque. Os dois mancebos ficaram na expectativa, contendo, inclusivamente, a respiração, esperando a ocasião propícia para entrarem em ação. As miras das suas espingardas visavam já, o corpo dos bandoleiros.

— Fogo! — disse Mike em voz baixa.

Dispararam ambos ao mesmo tempo. Um dos cavaleiros deu uma reviravolta e caiu por terra, enquanto o outro, inclinando-se sobre o pescoço do cavalo, o forçava a retroceder. O terceiro atacante, surpreendido por aquela inesperada receção, sofreou o ímpeto da sua montada. Mike aproveitou a oportunidade e premiu mais uma vez o gatilho. O bandoleiro, atingido num dos ombros, soltou um rugido de dor e empreendeu uma fuga veloz.

Os outros aperceberam-se por fim de que as coisas não corriam à medida dos seus desejos e que alguém — fosse quem fosse — se encontrava em invejável posição para as receber.

O cabecilha da expedição gritou uma ordem e o grupo dividiu-se em duas alas a fim de cercar o edifício.

—Tu ficas aqui! — ordenou Mike ao seu ajudante. — Eu vou colocar-me na cerca, por detrás da casa.

Saiu das ruínas e percorreu a peito descoberto a distância que o separava da cerca. Um dos cavaleiros que seguia na mesma direção lobrigou-o e disparou sobre ele. Mike atirou-se ao chão e rolou alguns metros até ficar imóvel. O seu agressor aproximou-se para lhe dar o golpe de misericórdia. Mike, porém, ergueu a espingarda e disparou. O seu inimigo caiu do cavalo e foi parar a uns dez ou doze metros do ponto onde o mancebo se encontrava. Tentou ainda levantar-se, mas a ordem de Mike foi bastante eloquente.

— Ou estás quieto, ou te mando de presente ao diabo!

O assaltante estendeu-se de barriga para baixo e ficou imóvel. Tanto de dentro de casa, como do celeiro, o tiroteio prosseguia ininterruptamente. O assalto não durou muito mais do que dois minutos. Uma ordem do comandante mandou reunir os bandidos dispersos, regressando todos, seguidamente, ao ponto de partida. Pareceu que deliberavam qualquer coisa entre si e começaram a afastar-se até desaparecerem. Todos começaram a sair dos seus lugares.

Manuel reuniu-se a Mike, fazendo ambos uma inspeção ao campo. Um dos assaltantes foi encontrado morto, mas o outro que rolara pelo declive, estava simplesmente ferido. Dois outros, quando mais não fosse, deveriam ler sido seriamente atingidos.

O ferido foi conduzido à vivenda do rancho. Era um tipo de cerca de trinta e cinco anos que se manteve num Impenetrável mutismo, recusando-se a responder às perguntas que lhe foram dirigidas.

— Disponho dos meios indispensáveis para obrigar a falar nem que seja um cadáver. Vai connosco para o comissariado.

Acabou de fazer o curativo à perna de Arnold Davies e após ter dado algumas instruções aos homens do rancho, despediu-se do rancheiro.

Sally falava com Manuel à porta da vivenda. Mike verificou imediatamente que os dois jovens tinham simpatizado um com o outro.

— Parece-me que não farias nada demais se te dispusesses a vir aqui com frequência em missão de vigilância — disse Mike ao seu ajudante.

— Acho até que uma excelente ideia — concordou imediatamente o mexicano.

Sally não disse coisa nenhuma, mas o brilho dos seus olhos convenceu Mike de que a ideia tinha a sua mais completa aprovação.

— Já não está ressentido comigo por aquilo que estive quase a ponto de lhe fazer? — perguntou ela um pouco acanhada.

— Devia estar terrivelmente furioso, mas guardarei o mau génio para outra vez. O ferimento de teu pai não tem qualquer gravidade.

— Graças a si, que é um ótimo cirurgião.

— Amanhã cá estarei para ver como isso corre. Vê se me tens esses olhos bem abertos, rapariga!

— Essa matilha de cães danados não se atreverá a voltar aqui tão cedo. A lição que lhes demos não vai esquecer-lhes assim tão depressa...

Despediu-se da jovem, obrigando o ferido a montar e a seguir na sua frente. Manuel reuniu-se-lhe, instantes depois, e fazendo ambos escolta ao prisioneiro depressa chegaram à vista das primeiras casas de Lenox.

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