quarta-feira, 1 de março de 2023

ARZ116.12 O homem que tinha um pacto com o diabo

Na madrugada do dia seguinte foram descobertos os dois corpos suspensos da ramada da árvore. Mike, avisado por um mancebo, marchou para o local da macabra descoberta, acompanhado de Manuel, tendo os cadáveres sido identificados por um rancheiro.

— São dois daqueles que ontem assaltaram o «Veracruz». O da cicatriz foi o que disparou contra Lewis. Na povoação, para onde os corpos foram transportados, foram reconhecidos também por outras pessoas que se encontravam no «saloon, à hora do assalto.

— Ter-se-ão engalfinhado uns com os outros? — lembrou Manuel, ao verificar que Mike se encontrava pensativo.

— Não creio — afirmou o jovem xerife. — Havia muitas pegadas no caminho. Devem ter sido vítimas de alguma espera. Os outros, ou fugiram, ou foram aprisionados.

— Por quem?

— Isso não sei, mas tenho cá as minhas suspeitas.

Mike, porém, não pôde entregar-se por muito tempo às suas reflexões. Pela rua principal onde ele se encontrava, em frente do «Veracruz», viu avançar um cavaleiro que se deteve diante do edifício do Banco. Era um homem ainda bastante novo, vestido de escuro e tendo na cabeça um amplo chapéu de cor excessivamente clara.

O recém-chegado, como se nenhuma pressa o dominasse, apeou-se, paulatinamente, prendeu o cavalo em frente do estabelecimento de crédito e relanceou os olhos por toda a rua com o ar do curioso que se interessa pelo aspeto que a mesma oferecia.

Mike viu-o entrar seguidamente no Banco, reparando que Simon também o contemplava da porta do «saloon».

— Sabe quem é aquele figurão, xerife? — perguntou o dono do estabelecimento saindo para a rua.

Mike abanou a cabeça, apesar de estar convencido de que se tratava de Willy Grant, irmão do juiz do mesmo nome e tio da encantadora Rosália.

— Chama-se Dunn. Ë um sujeito esquisito e de poucas falas. Mas é um homem cheio de dinheiro e gasta-o sem conta nem medida. É para admirar que venha sem companhia.

— Alguma mulher?

— Exato. Uma mulher de truz — aproximou a boca do ouvido do mancebo e perguntou: — Sabe quem é?

— Presumo.

— Consta que é irmã desse patife de Blitte. E parece que não é absurda tal suposição. Do que ninguém pode, é gabar-se de saber qual o negócio que traz entre mãos. Sabe-se apenas que chegou aqui há algum tempo e que faz viagens sobre viagens sem que ninguém saiba para onde. Dizia-se à boca cheia que foi para aqui enviado pelo governador, a fim de se entender com Blitte. O certo é que, passado algum tempo, deixou de ver-se na povoação, pelo que Blitte e os seus homens continuam a agir com toda a liberdade. A seguir aparecia na companhia da tal mulher, mas apenas se demorava por aqui algumas horas.

— Estou tentado a ir apresentar-lhe os meus cumprimentos.

— Aconselho-o a que tenha cuidado, xerife. Nada me admiraria se ele tivesse feito algum pacto com o diabo.

Sem ligar importância às objeções de Simon, Mike dirigiu-se para o Banco, observando que Willy Grant falava com um dos empregados. Snydell encontrava-se junto deles, observando-os em silêncio.

— Estou interessado em adquirir um rancho aqui pelas redondezas — dizia o irmão do juiz. — E fui informado de que existe um em excelentes condições para os lados de Rattbone.

— Esse rancho é propriedade de Arnold Davies —esclareceu o empregado. —É um dos nossos clientes.

— Consta-me que está muito desprezado e que é muito natural que ele tenha desejos de o vender. Estou na disposição de ir vê-lo esta manhã mesmo.

Quando Mike se aproximou, Grant apercebeu-se da sua presença. Olhou para ele um tanto ou quanto surpreendido, mas recompôs-se e acabou por sorrir-se.

—Bons olhos o vejam, xerife — cumprimentou, levando um dedo à aba do chapéu. —Tinha já ouvido dizer que em Lenox havia um novo xerife, mas confesso que cheguei a convencer-me de que se tratava de uma brincadeira.

— Como acaba de verificar, não se trata de brincadeira nenhuma.

— Folgo que assim seja. Há muito tempo que se fazia sentir a necessidade de uma autoridade capaz de impor o respeito e a ordem. Para mim é isso duplamente agradável, uma vez que decidi instalar-me perto de Lenox.

— Tem, pelo visto, a sua residência noutra povoação.

— Sim; mas prevejo que nesta região existam excelentes condições para um investimento de capitais num futuro mais ou menos próximo.

Mike guardou silêncio, observando atentamente como Willy Grant contava a importância que acabara de levantar e a guardava seguidamente na algibeira. Retirou-se para junto da porta e aguardou ali que aquele cliente acabasse de ser atendido, abordando-o quando ele se preparava para sair.

— Acabo de tomar conhecimento de que se propõe adquirir o rancho de Davies. Não sabia que estivesse em venda.

— Na realidade, parece que não está, mas chegou-me aos ouvidos que o velho se encontra em dificuldades. O rancho está bastante desprezado e representa um sério encargo para o homem. Tenho esperança de o convencer.

—Talvez eu possa dar-lhe uma ajuda.

— O senhor? — perguntou, intrigado.

— Estou nas melhores relações com Davies e ainda ontem à noite, quando lá estive, o achei bastante abalado.

— Agradeço da mesma forma, mas creio que não terei dificuldades em convencê-lo.

— Como já tinha tenção de o visitar, poderemos fazer o trajeto de companhia.

Mike apercebeu-se de que Grant hesitava.

— A dizer a verdade, não tinha ideia de ir neste momento para lá. Tenho ainda de avistar-me com determinada pessoa...

—Com Sara?

Grant acusou claramente o toque.

— Que é que o senhor sabe a meu respeito, xerife? — perguntou um tanto receoso.

— Se eu me encontro em Lenox é por indicação de seu irmão. Chamo-me Mac Bride e estou nas melhores relações com sua sobrinha. Rosália.

Grant parecia profundamente surpreendido. O seu espanto, porém, durou apenas alguns escassos segundos e começou a rir-se como se acabasse de descobrir uma situação muito divertida.

—Palavra que não esperava uma tal surpresa. Quer então dizer que meu irmão mandou alguém para me vigiar os passos?

— Seu irmão pretende apenas saber em que emprega aqui as suas atividades.

—E é ele próprio que deseja saber isso? Naturalmente disse-lhe a si que me mandou para aqui a fim de o pôr ao corrente do que se passa.

— Exatamente.

—Pois é isso, precisamente, o que estou a fazer. Informar-me de tudo quanto aqui se passa.

—E a que conclusão chegou?

— Isso só a mim diz respeito. Di-lo-ei ao meu querido irmão, tão depressa volte para lá.

— O que, provavelmente, não será nunca mais.

— Talvez...

— Veja se põe de lado essa comédia, Grant. Tenho a certeza de que ainda se não apercebeu de que está realizando um jogo muito perigoso.

— Sabe, porventura, qual é o meu jogo?

— Sei simplesmente que está metido num assunto pouco agradável. E que Blitte o maneja a seu bel-prazer, como quem brinca com um peão do xadrez, mas só enquanto lhe convenha.

— Lá porque tenha relações muito íntimas cora uma sua irmã, nada lhe permite supor que eu esteja aliado com esse homem.

—Quer dizer que ele ignora essas relações?

— Não, não as ignora. Aliás ele tem restringido muito as suas atividades nesta zona, graças à minha intervenção. Deve ser do seu conhecimento que o meu querido irmão me enviou para aqui, mas não para exercer violências sobre Blitte, que, como é óbvio, de nada teriam servido. Uma vez que não era possível combatê-lo, tornava-se necessário usar de toda a diplomacia para pacificar a comarca.

— Era assim como uma espécie de pacto com o diabo.

— Pode dar-lhe o nome que mais lhe agrade. A verdade é que, depois da minha chegada, Blitte nunca mais atuou em Lenox.

— E os assassínios que, apesar disso, têm continuado a verificar-se?

— Não são da sua responsabilidade. Há muitos homens que trabalharam às suas ordens, mas que vieram a separar-se dele por não estarem de acordo com a sua forma de agir. Um deles chama-se Clein e o outro é um tal Slim. São eles os autores de toda essa série de crimes que têm sido imputados a Dong.

— Devo esclarecê-lo que já pretenderam fazer-me o mesmo e sei, de fonte segura, que é Blitte quem está por detrás de tudo isto.

— Mas chegaram a assassiná-lo, porventura? — perguntou Grant, com um sorriso.

— É certo que não, mas não porque não tivessem usado de todos os meios para o fazer.

— Talvez pretendam apenas intimidá-lo para que o senhor daqui desapareça. Não se esqueça de que Clein e Slim rondam aqui por muito perto.

Mike estava completamente perplexo pela tranquilidade com que Willy Grant refutava os seus argumentos.

—Na sua opinião, pelo visto, Blitte não passa de um excelente moço que quer impor a obediência a toda a gente, pregando-lhe um bom susto.

— Também tem as suas fraquezas. Consegue obter consideráveis lucros de muitas pessoas, em troca da sua proteção contra os desmandos dos seus antigos colaboradores.

Mike sorriu-se com ironia.

— Já vejo que tenho de recorrer a Blitte para que me auxilie a limpar a região de bandidos e malfeitores.

— Talvez ele se não recuse a isso.

— O senhor faz-me pena, Grant. E creia que me sinto incomodado ao saber que seu irmão e sua sobrinha continuam a confiar cegamente em si. Estão plenamente convencidos de que o senhor foi vítima de alguma cabala e que o têm aprisionado, valendo-se para isso dessa mulher que colocaram no seu caminho. Grant abanou a cabeça e sorriu-se com ar melífluo.

— Farei de contas que não ouvi as suas palavras, senhor Mac Bride. E quando regressar a Leyton, pode garantir a meu irmão que eu não me desviei uma linha sequer do caminho traçado. Apenas faço por cumprir o mandato da forma que acho mais conveniente. Talvez lhe não desagrade saber que estou em vésperas de me transformar num honrado fazendeiro.

Cumprimentou e deu de esporas ao cavalo para se dirigir aos arredores. Mike viu-o partir, sentindo-se absolutamente desconcertado por aquela conversa e pela firmeza que acabava de notar no irmão do juiz. Necessitava de se encontrar com o pai de Sally com a maior brevidade. Receava que, perante as contrariedades que o envolviam, ele se decidisse a vender o rancho e a abandonar Rattbone.

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