Stuart encheu de novo o copo com «whisky». Ned inclinou-se para ele e disse, preocupado:
— Não gosto nada da maneira como isto está decorrendo, Stuart.
Kleber encolheu os ombros e sorriu.
— Nada receie, tio Ned. Ao fim e ao cabo, contra nós não há nada.
—Contra ti, quererás dizer. Temem-te e não te atacam...
Stuart sorriu.
— Você é meu amigo, tão pouco o molestarão.
— Obrigado, rapaz, mas quando os ânimos andam à solta deste modo, é possível dizer quem nos receberá — juntou Ned, acariciando as feridas. —Eu já vi uma cidade vítima do saque. Havia fome nas montanhas e os mineiros invadiram-na. O álcool enlouqueceu-os e todos foram prejudicados.
— Tranquilize-se, aqui não sucederá nada.
Naquele momento Beckett acercou-se do jovem, sorrindo na sua maneira untuosa.
— Parece que as coisas estão piores — disse, melifluamente. — A cada momento chegam novos grupos de vagabundos e já não se contentam com saquear as casas de comidas. Vão-se já dirigindo a outras casas comerciais.
Stuart concordou.
— Sim, parece que as coisas estão a tomar mau aspeto. Mas como não saímos à rua, aqui estamos seguros, não é verdade?
Beckett apoiou uma das mãos no ombro de Kleber com paternal afeto e disse-lhe:
— Há uma coisa de que gostaria que falássemos. Venha ao meu escritório.
Kleber negou com a cabeça.
— Não é necessário. Ninguém nos vai ouvir, além de que é preferível que fique aqui, porque pode algo suceder. Podem entrar alguns revoltosos e então você sairá prejudicado.
— Com muito gosto — reconheceu Beckett. — Fez uma pausa e continuou: Pois o que queria era propor um bom negócio. A cidade está a ponto de ser saqueada. Eu conto com alguns homens decididos que tu podes capitanear...
Kleber olhou-o com curiosidade.
— Os vigilantes?
— Algo nesse sentido.
Acercou-se mais do rapaz e falou em tom confidencial:
— Neste momento todos receiam pelas suas cabeças. Se você se apresentar e lhes pedir uma quantia para os proteger, por grande que seja ninguém se nega. —E acrescentou sorrindo: — Se tiver de suceder alguma coisa e desaparecer o dinheiro que têm nas suas caixas fortes, ninguém vai protestar. Pensarão que foram saqueadas pelos revoltados.
Kleber assentiu:
— Compreendo.
Beckett esboçou um sorriso de satisfação.
—E depois é o momento de nos vingarmos de alguns que nos molestaram. Ninguém se atreverá a protestar.
— Claro — reconheceu o jovem.
Beckett apoiou novamente a mão no ombro dele.
— Como está a ver, rapaz, é o momento de ficarmos com a povoação e de conquistar uma fortuna. Seremos ricos. Que lhe parece a ideia?
— Soberba — respondeu o jovem.
O outro sorriu de novo, mas Kleber apressou-se a acrescentar:
— Aconselho-o a que procure outro que a realize. Eu não vou carregar com crimes dessa natureza.
Beckett ficou estupefacto.
— Que diz, Kleber?
—O que ouviu.
— Mas isso não pode ser. Você trabalha para mim.
—Um momento, um momento — observou o jovem. —Você contratou-me para que o protegesse aqui. E eu fi-lo. Se alguém o tivesse atacado, impedi-lo-ia de o fazer. Mas misturar-me nos seus assassinatos, não. Isso nunca o fiz e não penso fazê-lo agora. Já sabe!
Beckett apertou os punhos, desesperado. Todo o negócio, que tinha como certo, vinha por água abaixo. Inclinou-se para o rapaz e disse-lhe para o captar:
— Mas escute-me, Kleber: dar-lhe-ei metade de tudo o que se ganhar. Faremos um acordo pelo qual será meu sócio e...
— Não perca o tempo --- aconselhou o jovem. — Não vou fazê-lo.
Kleber serviu-se de um novo copo de «whisky» e admitiu, ante a fúria impotente do seu interlocutor:
—Estou aqui para proteger a sua casa. Você dirá se prefere que me vá embora, deixando-o abandonado, ou se pelo contrário está de acordo em que eu continue.
Beckett afastou-se indignado, decidido a vingar-se. Ned inclinou-se para o rapaz.
— Kleber, creio que é melhor saíres daqui.
— Bebe um trago, sou eu que te convido. Aqui não se passará nada, absolutamente nada.
Ned obedeceu, preocupado. É que não estava tão seguro para que estivessem assim tão tranquilos. Naquele momento ouviu-se uma voz que chamava:
— Stuart.
Kleber e o criado voltaram-se no mesmo instante em que na rua soava um disparo e se ouvia um certo alarido. O pistoleiro sobressaltou-se ao ver a pessoa que estava presente e perguntou:
—Wendy, que fazes aqui?
A jovem tinha entrado no «saloon» e avançava ao seu encontro. Este tomou-lhe as mãos, enquanto repetia:
— Que fazes aqui?
Da rua chegava o alarido dos revoltosos, misturado com risos brutais e incessantes disparos.
—É perigoso sair à rua neste dia! -- exclamou o rapaz. — Se algo te acontecesse...
— Nada me aconteceu — declarou ela — e necessitava urgentemente falar-te.
O rapaz deu-lhe o braço, conduzindo-a para uma mesa do «saloon» solitário e disse para Ned:
— Que ninguém me incomode...
Sentou-se contemplando com firmeza a jovem, enquanto lhe estreitava a mão.
— Foi uma loucura, Wendy --repetiu. — Podia ter havido uma desgraça.
—Pouco importa já o que poderia ter acontecido. O essencial é que estou aqui e nada me sucedeu.
Também ela ficou um pouco silenciosa, recordando a sua correria através do vale até chegar à entrada da povoação. As ruas estavam desertas, mas de vez em quando ouviam-se gritos de horror, exclamações ferozes e risos de bêbados, enquanto estalavam disparos. Teve medo, um medo quase incontível, mas dominou-se e foi avançando pelas ruelas desertas da povoação até chegar, por último, ao «saloon». Por duas ou três vezes receou que a tivessem descoberto, mas, por sorte, ninguém a molestou.
— Stuart — disse de repente. — Os rancheiros vêm a caminho de Richmond para conter a revolta e julgam-te culpado.
Ele olhou-a surpreendido.
— A mim? E que tenho eu que ver com esses indesejáveis que se dedicam ao saque?! Não os ajudo nem os comandos. Limito-me a estar aqui, esperando que tudo acabe. Eu nada tenho que ver com eles, nem a favor nem contra.
— Stuart! — repetiu Wendy. — Os rancheiros procuram-te, a ti principalmente.
O rapaz perguntou assombrado:
— A mim?! Porquê a mim?! Consideram-te o principal responsável — respondeu ela.
— Pensam que sem a tua presença tudo seria mais fácil e a ordem na cidade não seria alterada.
Kleber ficou estupefacto, mas antes que pudesse falar a jovem continuou:
— Nunca me disseste que eras um pistoleiro famoso, nem que tinhas sido contratado por Beckett para que o ajudasses a conquistar a cidade.
— Isso não é verdade — protestou o rapaz. — Eu não intervenho nesses assuntos.
— Mas trabalhas para Beckett, que é um canalha que te contratou e são as tuas pistolas que ele necessita.
Wendy esperava a reação do rapaz. Queria saber o que ele iria dizer ou fazer, imaginando-o talvez aturdido perante as suas palavras. Mas Kleber limitou-se a dizer:
— Sim, pelos vistos temia que alguém assaltasse o estabelecimento e o impedisse de seguir o seu plano. Contratou-me para que mantivesse a ordem...
—Contratou-te, porque eras um pistoleiro —replicou ela.
Mas Stuart interrompeu-a.
— Sim, sou um pistoleiro. E dos melhores. É por isso que todos me temem e me respeitam. — De repente toda a sua amarga infância lhe veio à memória e exclamou com voz dorida, como um menino que injustamente é castigado. —Sim, se não fosse assim, ter-me-iam linchado e todos aproveitariam para me bater.
Wendy, um pouco surpreendida pela sua resposta, contestou:
— A mim, não me bateram nem me maltrataram, nem a muitas outras pessoas que conheço!
— Porque não nasceste pobre. Os homens são cobardes e pretendem sempre bater no mais fraco. A única coisa que respeitam é o revólver. Eu conheci a maldade de alguns, que me maltratavam sempre que podiam. Só quando viram que eu sabia disparar, me começaram a respeitar. E desde então todos me procuram e me agasalham.
— Gente como Beckett e Caldwell.
— Não, não só esses. Rancheiros importantes, como Milan do Texas, ou Chissum de Novo México, pretendem ter-me a seu lado e tratar-me como amigo. Também os ganadeiros respeitados, procuram homens que manejem o revólver, o rei «Colt», que impera na fronteira. Viveste muitos anos afastada desta região e desconheces o que aqui sucede. De outro modo, compreenderias que em todas as equipas de vaqueiros há homens cuja única habilidade é disparar a tempo. Eu sou o melhor de todos.
Wendy, olhou-o surpreendida.
— Mas os que estão contratados pelos rancheiros — objetou a jovem, — não prejudicam toda uma cidade!
— Alguém é sempre prejudicado — ripostou Kleber. —E há quem procure que seja sempre o outro e não ele. — Fez uma pausa e acrescentou: — Eu conheço muitas coisas. Verás...
Wendy escutava o jovem em silêncio, que passou a relatar-lhe a sua infância triste, junto de um pai inútil e desumano. Compreendeu a atitude de Kleber, que só tinha conhecido a dignidade humana no trato com os seus semelhantes, quando descobriram que acertava com o revólver. Compreendeu também a sua fúria ao ver o pai morto e a sua reação diante do primeiro emprego que, comparado com a sua miséria, o transformava num potentado.
— E desde aquele momento — concluiu, — todos os rivais tiveram lutas comigo, de quem eu tive de me defender, e ainda de outros que queriam ganhar prestígio, matando-me. Mas à medida que safa triunfante e admitiam que melhorava a minha habilidade com o revólver, todos passavam a tratar-me melhor. Que culpa tenho eu que hoje se hajam sublevado?
— Puseste a ridículo o xerife — disse Wendy.
— Era um inútil e atacou-me à traição, sem motivo justificado.
— Stuart, — insistiu Wendy — sei que tu não pretendias que isto se passasse, mas foste um elemento de provocação. Associaste-te com criminosos e o teu desejo de viver só do revólver converteu-te numa força violenta e agressiva que daria maus frutos. A tua presença aqui excitava os demais, que temiam o xerife. Tu, ao vencê-lo, sendo ele o único que velava pela ordem e pela Lei, deste um mau exemplo e assim a cidade ficou nas mãos de maus homens que querem viver do revólver, como tu. Portanto, ainda que não fosse esse o teu propósito, foste tu que provocaste esta situação.
Stuart ficou confuso perante estas palavras, pronunciadas precisamente pela única mulher que havia amado. Todos os seus conceitos de vida, tudo o que tinha arquitetado para a sua futura existência, se desmoronou.
— Mas eu nunca matei senão em legítima defesa ou impelido pelas circunstâncias. Se trabalhava num rancho e havia guerras por causa do gado, tinha de combater, mas nunca o fiz por outros motivos.
— E Luchaire? — repetiu a jovem. — Tu sabias que a sua presença aqui te prejudicaria. Ofereciam-te menos dinheiro, porque não serias o único pistoleiro da cidade.
Stuart levantou a cabeça vivamente.
— Isso não é certo. Existia uma conta em aberto com Luchaire. Ele matou o meu único amigo, um rapaz paralítico em cuja casa vivia. E o fez simplesmente para me ferir, quando eu estava ausente. Depois, abandonou a cidade antes do meu regresso.
Wendy ficou pensativa. Parecia certo o que ele dizia e Luchaire, sem dúvida era um criminoso. Mas isso não mudava a situação.
— Mas a cidade continua em mãos indesejáveis. Tu, com o teu revólver e a tua fama excitaste os ânimos e afastaste a única defesa da Lei. És o responsável por todos os meninos e por todos os inocentes que morram — pôs-se em pé e agregou: — Vim avisar-te de que te iam enforcar. Adeus.
Stuart também se pôs em pé.
— Escuta-me. Não podes abandonar-me assim.
—É preciso. E não me toques — disse com expressão desdenhosa.
Stuart Kleber, pela primeira vez na sua vida faltou-lhe a coragem para a reter a seu lado.
— Não gosto nada da maneira como isto está decorrendo, Stuart.
Kleber encolheu os ombros e sorriu.
— Nada receie, tio Ned. Ao fim e ao cabo, contra nós não há nada.
—Contra ti, quererás dizer. Temem-te e não te atacam...
Stuart sorriu.
— Você é meu amigo, tão pouco o molestarão.
— Obrigado, rapaz, mas quando os ânimos andam à solta deste modo, é possível dizer quem nos receberá — juntou Ned, acariciando as feridas. —Eu já vi uma cidade vítima do saque. Havia fome nas montanhas e os mineiros invadiram-na. O álcool enlouqueceu-os e todos foram prejudicados.
— Tranquilize-se, aqui não sucederá nada.
Naquele momento Beckett acercou-se do jovem, sorrindo na sua maneira untuosa.
— Parece que as coisas estão piores — disse, melifluamente. — A cada momento chegam novos grupos de vagabundos e já não se contentam com saquear as casas de comidas. Vão-se já dirigindo a outras casas comerciais.
Stuart concordou.
— Sim, parece que as coisas estão a tomar mau aspeto. Mas como não saímos à rua, aqui estamos seguros, não é verdade?
Beckett apoiou uma das mãos no ombro de Kleber com paternal afeto e disse-lhe:
— Há uma coisa de que gostaria que falássemos. Venha ao meu escritório.
Kleber negou com a cabeça.
— Não é necessário. Ninguém nos vai ouvir, além de que é preferível que fique aqui, porque pode algo suceder. Podem entrar alguns revoltosos e então você sairá prejudicado.
— Com muito gosto — reconheceu Beckett. — Fez uma pausa e continuou: Pois o que queria era propor um bom negócio. A cidade está a ponto de ser saqueada. Eu conto com alguns homens decididos que tu podes capitanear...
Kleber olhou-o com curiosidade.
— Os vigilantes?
— Algo nesse sentido.
Acercou-se mais do rapaz e falou em tom confidencial:
— Neste momento todos receiam pelas suas cabeças. Se você se apresentar e lhes pedir uma quantia para os proteger, por grande que seja ninguém se nega. —E acrescentou sorrindo: — Se tiver de suceder alguma coisa e desaparecer o dinheiro que têm nas suas caixas fortes, ninguém vai protestar. Pensarão que foram saqueadas pelos revoltados.
Kleber assentiu:
— Compreendo.
Beckett esboçou um sorriso de satisfação.
—E depois é o momento de nos vingarmos de alguns que nos molestaram. Ninguém se atreverá a protestar.
— Claro — reconheceu o jovem.
Beckett apoiou novamente a mão no ombro dele.
— Como está a ver, rapaz, é o momento de ficarmos com a povoação e de conquistar uma fortuna. Seremos ricos. Que lhe parece a ideia?
— Soberba — respondeu o jovem.
O outro sorriu de novo, mas Kleber apressou-se a acrescentar:
— Aconselho-o a que procure outro que a realize. Eu não vou carregar com crimes dessa natureza.
Beckett ficou estupefacto.
— Que diz, Kleber?
—O que ouviu.
— Mas isso não pode ser. Você trabalha para mim.
—Um momento, um momento — observou o jovem. —Você contratou-me para que o protegesse aqui. E eu fi-lo. Se alguém o tivesse atacado, impedi-lo-ia de o fazer. Mas misturar-me nos seus assassinatos, não. Isso nunca o fiz e não penso fazê-lo agora. Já sabe!
Beckett apertou os punhos, desesperado. Todo o negócio, que tinha como certo, vinha por água abaixo. Inclinou-se para o rapaz e disse-lhe para o captar:
— Mas escute-me, Kleber: dar-lhe-ei metade de tudo o que se ganhar. Faremos um acordo pelo qual será meu sócio e...
— Não perca o tempo --- aconselhou o jovem. — Não vou fazê-lo.
Kleber serviu-se de um novo copo de «whisky» e admitiu, ante a fúria impotente do seu interlocutor:
—Estou aqui para proteger a sua casa. Você dirá se prefere que me vá embora, deixando-o abandonado, ou se pelo contrário está de acordo em que eu continue.
Beckett afastou-se indignado, decidido a vingar-se. Ned inclinou-se para o rapaz.
— Kleber, creio que é melhor saíres daqui.
— Bebe um trago, sou eu que te convido. Aqui não se passará nada, absolutamente nada.
Ned obedeceu, preocupado. É que não estava tão seguro para que estivessem assim tão tranquilos. Naquele momento ouviu-se uma voz que chamava:
— Stuart.
Kleber e o criado voltaram-se no mesmo instante em que na rua soava um disparo e se ouvia um certo alarido. O pistoleiro sobressaltou-se ao ver a pessoa que estava presente e perguntou:
—Wendy, que fazes aqui?
A jovem tinha entrado no «saloon» e avançava ao seu encontro. Este tomou-lhe as mãos, enquanto repetia:
— Que fazes aqui?
Da rua chegava o alarido dos revoltosos, misturado com risos brutais e incessantes disparos.
—É perigoso sair à rua neste dia! -- exclamou o rapaz. — Se algo te acontecesse...
— Nada me aconteceu — declarou ela — e necessitava urgentemente falar-te.
O rapaz deu-lhe o braço, conduzindo-a para uma mesa do «saloon» solitário e disse para Ned:
— Que ninguém me incomode...
Sentou-se contemplando com firmeza a jovem, enquanto lhe estreitava a mão.
— Foi uma loucura, Wendy --repetiu. — Podia ter havido uma desgraça.
—Pouco importa já o que poderia ter acontecido. O essencial é que estou aqui e nada me sucedeu.
Também ela ficou um pouco silenciosa, recordando a sua correria através do vale até chegar à entrada da povoação. As ruas estavam desertas, mas de vez em quando ouviam-se gritos de horror, exclamações ferozes e risos de bêbados, enquanto estalavam disparos. Teve medo, um medo quase incontível, mas dominou-se e foi avançando pelas ruelas desertas da povoação até chegar, por último, ao «saloon». Por duas ou três vezes receou que a tivessem descoberto, mas, por sorte, ninguém a molestou.
— Stuart — disse de repente. — Os rancheiros vêm a caminho de Richmond para conter a revolta e julgam-te culpado.
Ele olhou-a surpreendido.
— A mim? E que tenho eu que ver com esses indesejáveis que se dedicam ao saque?! Não os ajudo nem os comandos. Limito-me a estar aqui, esperando que tudo acabe. Eu nada tenho que ver com eles, nem a favor nem contra.
— Stuart! — repetiu Wendy. — Os rancheiros procuram-te, a ti principalmente.
O rapaz perguntou assombrado:
— A mim?! Porquê a mim?! Consideram-te o principal responsável — respondeu ela.
— Pensam que sem a tua presença tudo seria mais fácil e a ordem na cidade não seria alterada.
Kleber ficou estupefacto, mas antes que pudesse falar a jovem continuou:
— Nunca me disseste que eras um pistoleiro famoso, nem que tinhas sido contratado por Beckett para que o ajudasses a conquistar a cidade.
— Isso não é verdade — protestou o rapaz. — Eu não intervenho nesses assuntos.
— Mas trabalhas para Beckett, que é um canalha que te contratou e são as tuas pistolas que ele necessita.
Wendy esperava a reação do rapaz. Queria saber o que ele iria dizer ou fazer, imaginando-o talvez aturdido perante as suas palavras. Mas Kleber limitou-se a dizer:
— Sim, pelos vistos temia que alguém assaltasse o estabelecimento e o impedisse de seguir o seu plano. Contratou-me para que mantivesse a ordem...
—Contratou-te, porque eras um pistoleiro —replicou ela.
Mas Stuart interrompeu-a.
— Sim, sou um pistoleiro. E dos melhores. É por isso que todos me temem e me respeitam. — De repente toda a sua amarga infância lhe veio à memória e exclamou com voz dorida, como um menino que injustamente é castigado. —Sim, se não fosse assim, ter-me-iam linchado e todos aproveitariam para me bater.
Wendy, um pouco surpreendida pela sua resposta, contestou:
— A mim, não me bateram nem me maltrataram, nem a muitas outras pessoas que conheço!
— Porque não nasceste pobre. Os homens são cobardes e pretendem sempre bater no mais fraco. A única coisa que respeitam é o revólver. Eu conheci a maldade de alguns, que me maltratavam sempre que podiam. Só quando viram que eu sabia disparar, me começaram a respeitar. E desde então todos me procuram e me agasalham.
— Gente como Beckett e Caldwell.
— Não, não só esses. Rancheiros importantes, como Milan do Texas, ou Chissum de Novo México, pretendem ter-me a seu lado e tratar-me como amigo. Também os ganadeiros respeitados, procuram homens que manejem o revólver, o rei «Colt», que impera na fronteira. Viveste muitos anos afastada desta região e desconheces o que aqui sucede. De outro modo, compreenderias que em todas as equipas de vaqueiros há homens cuja única habilidade é disparar a tempo. Eu sou o melhor de todos.
Wendy, olhou-o surpreendida.
— Mas os que estão contratados pelos rancheiros — objetou a jovem, — não prejudicam toda uma cidade!
— Alguém é sempre prejudicado — ripostou Kleber. —E há quem procure que seja sempre o outro e não ele. — Fez uma pausa e acrescentou: — Eu conheço muitas coisas. Verás...
Wendy escutava o jovem em silêncio, que passou a relatar-lhe a sua infância triste, junto de um pai inútil e desumano. Compreendeu a atitude de Kleber, que só tinha conhecido a dignidade humana no trato com os seus semelhantes, quando descobriram que acertava com o revólver. Compreendeu também a sua fúria ao ver o pai morto e a sua reação diante do primeiro emprego que, comparado com a sua miséria, o transformava num potentado.
— E desde aquele momento — concluiu, — todos os rivais tiveram lutas comigo, de quem eu tive de me defender, e ainda de outros que queriam ganhar prestígio, matando-me. Mas à medida que safa triunfante e admitiam que melhorava a minha habilidade com o revólver, todos passavam a tratar-me melhor. Que culpa tenho eu que hoje se hajam sublevado?
— Puseste a ridículo o xerife — disse Wendy.
— Era um inútil e atacou-me à traição, sem motivo justificado.
— Stuart, — insistiu Wendy — sei que tu não pretendias que isto se passasse, mas foste um elemento de provocação. Associaste-te com criminosos e o teu desejo de viver só do revólver converteu-te numa força violenta e agressiva que daria maus frutos. A tua presença aqui excitava os demais, que temiam o xerife. Tu, ao vencê-lo, sendo ele o único que velava pela ordem e pela Lei, deste um mau exemplo e assim a cidade ficou nas mãos de maus homens que querem viver do revólver, como tu. Portanto, ainda que não fosse esse o teu propósito, foste tu que provocaste esta situação.
Stuart ficou confuso perante estas palavras, pronunciadas precisamente pela única mulher que havia amado. Todos os seus conceitos de vida, tudo o que tinha arquitetado para a sua futura existência, se desmoronou.
— Mas eu nunca matei senão em legítima defesa ou impelido pelas circunstâncias. Se trabalhava num rancho e havia guerras por causa do gado, tinha de combater, mas nunca o fiz por outros motivos.
— E Luchaire? — repetiu a jovem. — Tu sabias que a sua presença aqui te prejudicaria. Ofereciam-te menos dinheiro, porque não serias o único pistoleiro da cidade.
Stuart levantou a cabeça vivamente.
— Isso não é certo. Existia uma conta em aberto com Luchaire. Ele matou o meu único amigo, um rapaz paralítico em cuja casa vivia. E o fez simplesmente para me ferir, quando eu estava ausente. Depois, abandonou a cidade antes do meu regresso.
Wendy ficou pensativa. Parecia certo o que ele dizia e Luchaire, sem dúvida era um criminoso. Mas isso não mudava a situação.
— Mas a cidade continua em mãos indesejáveis. Tu, com o teu revólver e a tua fama excitaste os ânimos e afastaste a única defesa da Lei. És o responsável por todos os meninos e por todos os inocentes que morram — pôs-se em pé e agregou: — Vim avisar-te de que te iam enforcar. Adeus.
Stuart também se pôs em pé.
— Escuta-me. Não podes abandonar-me assim.
—É preciso. E não me toques — disse com expressão desdenhosa.
Stuart Kleber, pela primeira vez na sua vida faltou-lhe a coragem para a reter a seu lado.
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