sexta-feira, 17 de abril de 2020

KNS054.14 Tratado para divisão da cidade

A notícia correu por toda a cidade. O xerife tinha fugido e New Richmond carecia de representante da Lei. Isto significava a livre expansão dos piores instintos e a absoluta garantia de toda a impunidade. Ninguém supôs quem fez circular aquelas notícias, nem quem atiçou o fogo que desde há tempos incendiava os corações. Mas bem depressa se fizeram sentir os primeiros sintomas de revolta. Num «saloon» entraram dois cavaleiros barbudos e sujos, acercando-se do balcão.
— «Whisky» do melhor—pediu um deles à linda mestiça que, por vezes, atendia os fregueses ao balcão.
Esta obedeceu, se bem que assustada pelas olhadelas daqueles homens. Serviu a bebida, mas o outro cavaleiro disse--lhe:
— Vamos, deixa a garrafa e não te vás embora. Gostamos de te ver aqui.
Ela não se atreveu a desobedecer, ainda que desse conta de que a atitude dos cavaleiros não era nada tranquilizadora. O proprietário observava a cena, temendo que de um momento para o outro estalasse a borrasca. Os dois cavaleiros emborcaram o «whisky» e encheram novamente os copos.
— Bem, — disse o mais forte — vamos embora para outro sítio, que este é muito aborrecido.
Pegaram na garrafa, prontos a irem-se embora e naquele momento a mestiça exclamou:
— São quatro dólares!
Os cavaleiros olharam-na, como que divertidos.

— Mas que roubo. Olha, quatro dólares por isto! — disse e mais magro. — Mas somos generosos e não a denunciaremos ao patrão.
Este pôs-se em pé.
— Ladrões! — gritou. — Se bebem na minha casa, têm de pagar...
Os cavaleiros olharam-na, como que divertidos. levavam a mão à pistola.
— E quem nos vai obrigar? Esta é uma cidade livre e fazemos o que nos apetece.
— Sim — disse o outro. — Olha como pagamos.
Empunhou o «Colt» e começou a fazer fogo sobre as estantes. O outro, divertido, imitou-o. Ressoavam os estampidos no silêncio que pesava sobre o «saloon», enquanto as garrafas saltavam destroçadas. O proprietário deu um passo para trás, assustado. Estes detiveram-se e logo perguntaram:
— Tens o bastante ou queres cobrar mais?
Ao ver que não respondia, o outro cavaleiro advertiu:
— Vou dar um beijo de presente a esta rapariga tão linda. Vem cá, pequena! A mestiça pretendeu livrar-se dele, mas sujeitaram-na com força, sem fazer caso dos seus gritos e protestos e beijaram-na, um primeiro e o outro depois.
— Agora, vamo-nos embora.
Entre a admiração dos clientes e o terror do proprietário, saíram ostensivamente para a rua, sem atenderem aos soluços da mestiça. De repente, outro cliente deu um murro no balcão o disse:
— «Whisky», depressa! — Acariciou o revólver com um sorriso e concluiu: — Eu também tenho boa moeda para pagar!
Desde aquele momento, grupos de vagabundos indesejáveis avançaram para o centro da povoação sem que se olhassem uns aos outros. Os honrados habitantes compreenderam que as suas vidas corriam perigo e apressaram-se a fechar as portas e janelas, amontoando as armas e dispondo-se para a luta. De um momento para o outro, o assalto podia começar.
Mas não fizeram mais do que entrar nos «saloons» e nos estabelecimentos mais centrais. Não pensavam mais do que em comer e embebedar-se. Não tardou que os bêbados corressem, dando tombos pela rua, enquanto volteavam o revólver e disparavam para o ar, lançando o seu grito de vaqueiros. O medo pesava como uma pedra sobre a povoação. Bem depressa correria o sangue em rios...


Um empregado entrou no escritório de Caldwell, que falava com Parker, e anunciou com voz trémula:
— Está ali Beckett.
— Quem? — perguntou Caldwell, surpreendido e trocando, um olhar com Parker.
— Beckett — respondeu o empregado. — Quer vê-lo a si, patrão.
Dusty sorriu:
— Recebe-o. Assim saberemos o que ele pretende.
Saiu o empregado e Caldwell acariciou a mandíbula.
— Por esta não esperava eu. Estava certo de que com esta revolta dos cavaleiros ia poder livrar-me dele, mas não esperava que fosse ele mesmo a apresentar-se aqui.
— Agora saberemos o que pretende — atalhou Dusty.
Abriu-se a porta para deixar passar o visitante, que sorriu com expressão melíflua.
— Bons dias, Caldwell.
— Bons dias — disse o outro. — O que é que deseja?
Beckett tossiu fracamente.
—Vinha propor-lhe um negócio magnífico, Caldwell. Você e eu somos os únicos que o podemos levar a cabo.
Parker fez um gesto afirmativo e Caldwell convidou:
— Bem, pois fale.
— Verá. Eu tenho alguns homens decididos e um importante negócio que me interessa ampliar. Você está nos mesmos casos. New Richmond é bastante grande para os dois se nós a dividíssemos amigavelmente e nos batêssemos por ela! Que lhe parece se uníssemos as nossas forças e repartíssemos a cidade em zonas? Uma para você e a outra para mim?
Caldwell ficou pensativo.
— Não me parece má ideia — disse.
— Bem — continuou Beckett, — agora estamos numa situação grave, mas muito favorável para nós. Graças ao meu ajudante, não há autoridade. Os cavaleiros e os vagabundos andam em revolta. Podemos restabelecer a ordem, exigir também ordem aos comerciantes, para os protegermos, e logo dispor na cidade as coisas tal como nos convier.
Caldwell não tinha pensado naquilo, mas o facto é que não lhe parecia má a sugestão. Beckett propunha-lhe um pacto que virtualmente os convertia em donos da cidade. E Parker não correria o perigo de ter de se enfrentar com Kleber. Pelo contrário, ele os ajudaria a impor a ordem em New Richmond. Uma vez que tudo estivesse solucionado, não havia a menor dúvida de que não seria difícil desfazer-se dos seus ferozes aliados. Beckett poderia desaparecer e Kleber cair numa emboscada. Sim, de facto o plano proposto por Beckett era magnífico.
— De acordo — disse Caldwell, estendendo a mão. — Podemos começar a trabalhar de seguida.
— Não, ainda não. Deixe que as coisas se ponham piores e então aceitarão a nossa oferta como quem se agarra a um ferro em brasa.
Também Beckett tinha os seus planos secretos no que respeitava àquele projeto. Não seria difícil libertar-se depois dos seus aliados. Aquele Parker, que era um pistoleiro, sem dúvida alguma, poderia enfrentar-se com Stuart Kleber.
—Se não nos apressarmos — disse Caldwell, — os rancheiros virão impor a ordem.
—Tardarão horas ou talvez dias. Deixemos...
— Então?...
— Deixemos que cresça o tumulto e depois atuaremos.

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