terça-feira, 7 de abril de 2020

KNS054.04 Uma cidade pouco recomendável

Wendy contemplou a paisagem que se via da janela da sua habitação e sorriu. Efetivamente, era uma região formosa e um lugar como poucos. Não a tinham enganado as suas recordações durante o tempo em que permanecera na escola, vivendo afastado do Oeste e sem voltar a ver seu pai.
As suas recordações indicavam que nada havia parecido a New Richmond, mas não dera conta que tinha crescido com tanta rapidez. Era já uma grande cidade, que todos pretendiam comparar com as mais importantes do Oeste. Seu pai entrou na habitação.
—Que tal te sentes na tua nova casa?
Wendy sorriu.
—Tal como a recordava. Sonhei muito com estas terras e estes lugares. E trago grandes planos a respeito de tudo.
Roberts contemplou-a um instante e indagou:
— Quais são esses planos?
Wendy acercou-se dele e tomando-lhe o braço, explicou:
— As crianças crescem aqui sem ajuda e proteção de ninguém. É preciso ajudá-los e conseguir que saiam de um lado para outro. Sou professora e creio que a minha obrigação é contribuir para o bem-estar dos outros. — Fez uma pausa e prosseguiu com entusiasmo: — Pensei fundar uma escola, onde as crianças possam aprender a ler.

Roberts coçou o nariz, sem saber que dizer. Era difícil revelar a verdade àquela rapariga, que se mostrava decidida e entusiasmada. Mas era preciso desenganá-la. Dizer-lhe tudo o que em New Richmond estava sucedendo.
— Wendy — começou, — as coisas mudaram muito nesta cidade desde que tu saíste daqui.
A jovem assentiu.
— Bem o vejo. Este vale era um deserto onde se levantavam uns quantos ranchos. Agora, é uma grande cidade e tem um grande número de ranchos, fazendas e granjas.
Roberts voltou a cabeça para a janela, pensativo e inquieto. Efetivamente, o vale havia crescido. Mas também haviam crescido os ódios, a violência e o vício. Desde que se encontrava no vale, podia vê-lo como o vira a primeira vez, ele e sua mulher, quando ali chegaram. Uma terra aberta e livre, onde todos cabiam. Isto em nada havia mudado, ainda que o rancho já não fosse o casebre que tinham construído.
No entanto, antes só tinham o perigo dos índios e dos bandidos E agora havia que contar com os homens de Caldwell e de Beckett. A umas milhas de distância encontravam-se esses perigos que pugnavam por dominar a cidade. Em breve o conseguiriam e depois aniquilariam todo o vale. Era preferível que Wendy soubesse a verdade e assim estivesse preparada para fazer frente ao que se avizinhava.
— Wendy — continuou Roberts, — as coisas mudaram muito, não só no aspeto material como também noutro aspeto, pois deram ao vale uma feição que antes não tinha. A jovem escutava-o em silêncio.
— Sim — prosseguiu, — um aspeto muito diferente do que era. Primeiro, devemos ter em conta que quando uma cidade de vaqueiros cresce, acodem a ela homens de toda a espécie e classe. Existem «saloons» e também pistoleiros. Agora, há muitos em New Richmond.
Wendy olhou-o surpreendida e perguntou:
— Não há, por acaso, xerife?
— Sim, desde há muito.
— Pois a sua missão é expulsá-los daqui.
O rancheiro passou de novo a mão pelos olhos. Era muito difícil explicar-lhe a verdade.
— Wendy, não calculas como as coisas estão por aqui. A discórdia e o rancor são quase gerais. Tem havido muitas mortes e ninguém se fia nos vizinhos. Todos temem que os assassinem e que qualquer possa ser o primeiro a fazê-lo.
Wendy não podia acreditar.
—Como é possível? Antes, todos estavam unidos e se os índios apareciam todos se ajudavam mutuamente.
— Sim — respondeu o pai, — mas, agora, não é assim. Os homens que invadiram New Richmond, conseguiram semear entre nós rancores. E agora estão tentando dominar a cidade e todas as fontes de negócios. Entre eles, sente-se a desconfiança e desejam eliminar-se uns aos outros. Isto é o que de momento nos salva e impede que sejamos as primeiras vítimas dessa gente.
Wendy moveu a cabeça, incrédula.
— E só lutam entre eles?
Roberts encolheu os ombros.
— Nem sempre, ainda que o façam a maior parte das vezes. Temos conseguido manter um xerife e que o respeitem, mas está só e não é muito decidido. Mas às vezes não me fio nele por muitos motivos. Sucede, uma ou outra vez, cair um homem honrado, mas o pior é que vão chegando novos indesejáveis.
Wendy assentiu.
— Mais uma razão para que se estabeleça essa escola. Assim as crianças não cresceriam com o mesmo estado de ânimo. E talvez seja um modo de reunir as pessoas mais velhas e lograr que tudo isto acabe.
Roberts moveu lentamente a cabeça.
— Wendy, desde há muito que desejava a tua chegada. Agora, que cá estás, talvez fosse melhor partires. Isto não é lugar para uma jovem como tu.
A rapariga sorriu e acercou-se de seu pai, sentando-se a seu lado.
— Vejam — disse, brincando. —De modo que já te cansaste de eu estar a teu lado! Pois equivocas-te; tens de me suportar muito tempo. Não estou disposta a ir-me embora e abrirei a escola.
Roberts teve pena de destruir tão depressa o entusiasmo da jovem, e, talvez resultasse certo e útil o que ela propunha. 

*

Os três homens detiveram-se diante da porta em que se via escrito: Town Marshall.
— Suponha que estará lá dentro — disse um deles.
— Se não está, esperaremos. Isto não pode continuar.
O terceiro, de expressão sisuda, limitou-se a concordar. Os três homens, pelos seus trajes e os seus rostos curtidos pelo sol, deviam ser rancheiros e viver nos arredores. Mostravam ser homens decididos, capazes de lutar e enfrentar quem quer que viesse.
Abriram a porta e entraram no estabelecimento, no qual só se ouvia o barulho do homem que dormia, estendido num suja divã. O rancheiro que primeiro havia falado, murmurou:
— O melhor seria despertá-lo com um pontapé.
— De acordo, Jason — disse um deles.
O outro, sem esperar mais palavras, descarregou um golpe nas costas do homem que dormia e que ao peito tinha a «estrela» de xerife. Este pôs-se de pé num salto e levou a mão ao revólver.
— Que se passa? Que fazem aqui?
Desperto por completo, reconheceu os seus visitantes. Fez um gesto de contrariedade e acrescentou mal-humorado:
—Podiam despertar-me de outra maneira.
— Não podíamos perder tempo — disse o que lhe dera o pontapé. — E temos muita pressa.
O xerife emitiu um grunhido e fez um gesto para as cadeiras, ao mesmo tempo que ele próprio se sentava diante de uma mesa.
— Bem, falem...
O rancheiro de nome Jason consultou os outros com um olhar e a um sinal destes começou por dizer:
— Winton, a situação é grave.
O xerife não pôde conter um gesto de desagrado. Pretendeu, no entanto, dominar-se e quis levar o caso para a brincadeira.
— Será que os índios entraram em New Richmond? —inquiriu.
O segundo rancheiro interrompeu-o com expressão dura:
— Winton, não desvies a conversa.
— Está bem, Brooks. Digam, portanto, o que se passa —corrigiu o xerife.
Jason explicou:
—Esta manhã assassinaram um homem em pleno dia e diante de muitas pessoas. Isto não pode tolerar-se. É preciso intervir, para que episódio semelhante se não repita.
Winton recostou-se na cadeira e contemplou, com fingimento, o seu interlocutor.
— Referem-se a Kleber? Pois o morto não era muito recomendável. E mais, a luta foi leal. Enfrentaram-se, talvez, por velhas inimizades.
— Isso nada tem a ver com este assunto — objetou o segundo rancheiro. — O que queremos é que tal coisa não volte a suceder.
Winton quis ser conciliador.
—Estamos na fronteira. Um homem pode solucionar os seus assuntos de revólver na mão, sempre que não abuse. Se Kleber se meter em mais zaragatas, terei isso em conta.
O terceiro rancheiro advertiu:
— Se você não o fizer, também o teremos em conta, e verá então que não terá muita graça.
Quando os três homens saíram do escritório, Wiston acariciou o queixo. De facto, não seria nenhuma graça entender-se com o temível Kleber, mas não estava disposto a abandonar o cargo de xerife que, até àquele momento, tão bons resultados lhe davam.
Era de esperar que Kleber não se decidisse a realizar mais tiroteios, coisa com que muito bem contava. Caldwell saberia subjugá-lo e isto sempre era uma garantia.


Sem comentários:

Enviar um comentário