domingo, 5 de abril de 2020

KNS054.02 Um pistoleiro incómodo

Alguém advertiu, com apreensão:
— Cuidado, aí vem.
Os que falavam com ele voltaram-se para mirar com inquietação para o outro extremo da cantina da casa de pasto onde, com ar fanfarrão, se via um homem alto, de largos ombros, vestido com uma levita.
De súbito, recortou-se na porta uma silhueta delgada, forte e elástica. Vestia como os cavaleiros, mas com certa elegância extravagante, como se quisesse destacar-se de todas as partes. Calçava bota texanas, de alto tacão. Suas calças metidas nas botas tinham um estranho galão nas costuras como a dos mexicanos. Eram escuras e de boa fazenda. Vestia camisa escura, com um lenço verde ao pescoço e um colete branco adornado com bordados índios. Seus músculos pareciam de aço, capazes de destruir todo aquele que se opusesse à sua passagem.
Não só a força física era perigosa como algo que irradiava também da sua pessoa, algo impalpável, mas que todos advertiam num instante. Da sua cintura pendia um cinturão com dois revólveres magníficos, com desenhos em marfim. Tinha a tez curtida e nela ressaltavam seus olhos verdes e audazes e seus brancos dentes que se descobriam com o seu eterno sorriso. Os cabelos loiros surgiam por debaixo do amplo e negro «sombrero» franjado.

Examinou a sala com uma mirada fria, que parecia capaz de descobrir inclusive os pensamentos dos que ali estavam. A luz da rua iluminava-o e podia-se calcular muito bem a sua idade. Teria pouco mais de vinte e dois anos.
Lentamente, encaminhou-se para onde se encontrava o homem que o vira primeiro e permaneceu um instante mirando-o. Os que com este falavam deram-se conta do estranho silêncio que se havia produzido no local e afastaram-se do interlocutor.
— Olá Kleber!
Stuart Kleber, pois dele se tratava, sorriu.
—Seguramente não pensavas encontrar-me aqui, Luchaire.
Luchaire encolheu os ombros.
— Sabia que corria esse perigo. Onde há dinheiro fácil de ganhar e violência, ali apareces tu sempre.
Kleber assentiu:
— Sim, acertaste. Mas devias assegurar-te de que eu não apareceria por aqui pois temos uma conta pendente, e para mais desejo liquidá-la quanto antes.
Luchaire inchou o peito, ainda que se sentisse que estava muito menos seguro do que antes.
— Creio que há aqui sítio para os dois. Sei que é escusado essa conta de que falas. A ti, o único que te interessa é seres só nesta cidade.
—Não percamos o tempo falando —disse Kleber. — Nada te salvará ainda que fales muito. Vamos — ordenou. — «Saca».
Luchaire deu um passo atrás, dando conta de que estava só em frente daquele homem. Era inútil quanto fizera para escapar e lançou uma maldição.
— Tu o quiseste.
Logo empunhou o revólver e o esgrimiu com grande rapidez, decidido a derrubar o seu adversário. Para todos os que se encontravam ali presentes foi uma ocasião que nunca esqueceram jamais.
Kleber inclinou-se ligeiramente, ao mesmo tempo que empunhava o revólver, com tanta rapidez que o olhar humano não podia seguir os seus movimentos, e disparou.
Luchaire não tinha tido tempo de premir o gatilho quando recebeu uma bala. Depois, deu um passo para trás, perdidas as forças, e dobrou-se enquanto disparava o revólver. O projétil foi cravar-se no solo, inofensivamente.
Stuart soprou o cano do revólver e enfundou a arma, sem fazer o menor comentário. Contemplou em silêncio a sua vítima e saiu fazendo soar as esporas.
Os reunidos na cantina da estação de diligências olharam-se em silêncio. Havia corrido a notícia de que à cidade havia cegado Stuart Kleber, aquele jovenzinho que se conhecia como «O homem mais temido do Oeste do Missouri».
Ninguém olvidara o que o trazia à cidade nem tão-pouco que quando chegasse correria sangue. Uns empregados saíram a recolher o cadáver de Luchaire. Este tinha tido pouca sorte na cidade. Mas nenhum deles, em seu lugar teria ido à cidade se tivesse contas pendentes com Kleber. Ele era implacável. Uma das testemunhas da luta perguntou ao seu vizinho:
— Qual o motivo que tinham pendente?
O outro encolheu os ombros.
-- Não sei. Mas tão pouco estou muito seguro de que houvesse algo pendente entre os dois. Já tinha ouvido Luchaire. Talvez tenha razão no que disse.
O primeiro que tinha falado mirou com certa apreensão em torno dele.
—Creio que é melhor não falares tão alto. Não gostaria que tivessem algo contra mim.
Outro dos que se encontravam ali reunidos perguntou a um velho rancheiro:
—Crês que para nós foi conveniente a morte desse homem?
O rancheiro moveu a cabeça.
—É difícil dizê-lo, mas temo que não.
—Em parte, mister Roberts, significa que temos um adversário a menos. Luchaire havia tratado com outro bando, mas entre os dois acabariam por vencer-nos.
O chamado Roberts assentiu.
— Sim, mas tinha tido um adversário. E este agora será o homem valente da cidade. Ninguém poderá opor-se ao bando que o contrate. Por isso me preocupa, Reed.
O jovem assentiu em silêncio.
— Sim, será um duro golpe para nós, e temo que a nossa causa esteja perdida.
Roberts assentiu:
— Sim, eu também o temo.
As conversações continuaram na cantina enquanto cada um narrava o que sabia acerca de Stuart.
Dizia-se que tinha morto o primeiro homem quando apenas contava quinze anos e que desde então havia adquirido mestria e habilidade na luta. Não exercia outro ofício que o de pistoleiro e sua fama era tão grande que ninguém se atrevia já a enfrentar-se com ele, senão algum da sua espécie que desejava adquirir fama. Havia, porém, um cavaleiro que gozava da mesma honraria ainda que jamais se tivessem encontrado.
O outro chamava-se Willard Strist e vivia na Califórnia. De súbito alguém anunciou:
— Está a chegar a diligência.
Roberts e Reed saíram da cantina, encaminhando-se ao encontro da carruagem. Esta cruzava a rua principal da povoação, saudada com vitórias e deteve-se com um ensurdecedor chiar de rodas diante da estação. O maioral deixou as rédeas e gritou:
— Daria metade da minha vida por um trago de cerveja e por um prato de papas.
Seu ajudante deixou a espingarda de dois canos que todos manejavam e seguiu-o. Entretanto começavam a descer os viajantes. Quase todos iam de passagem, mas alguns pensavam ficar ali.
De súbito, uma figura feminina saiu do veículo e saudou com júbilo:
—Papá!
Roberts levantou a cabeça para contemplar emocionado. Tratava-se de uma rapariga esbelta e alta, que vestia um simples, mas elegante trajo de viagem. Sustinha uma sombrinha com a mão direita e cobria os cabelos castanhos com um chapéu adornado com um véu. Tinha a pele macia e rosada e grandes olhos esverdeados, sombreados por largas pestanas, cheios de luz e vida. Seus lábios vermelhos sorriam alegremente e toda a sua expressão era de bondade, de vivacidade e de ternura.
Os que presenciavam a cena contemplavam-na estupefactos. Nem sequer nos «saloons» se encontravam raparigas como aquela. Nenhuma tinha a sua distinção nem a sua beleza e, podiam todos estar seguros, não era precisamente uma bailarina. Ninguém duvidava da seriedade do velho Roberts. Este, ajudou-a a descer do veículo e logo a estreitou com força contra o seu peito.
— Papá — exclamou a jovem. — Quanto me alegro de estar outra vez ao teu lado! O velho assentiu, contemplando-a também maravilhado.
—E eu, filha minha, e eu.
—Tenho já o meu diploma de professora e creio que vou exercer a profissão aqui. Isto parece muito bonito e muito acolhedor.
Reed e Roberts trocaram um olhar de inteligência e o velho exclamou:
— Apresento-te um amigo, Wendy. Chama-se Peter Reed.
A jovem voltou-se para o rapaz, que se descobriu galantemente.
—Encantado, senhorita. Eu me encarrego de que descarreguem a sua equipagem.
Wendy dirigiu-lhe um encantador sorriso e ele considerou-se mais do que pago. Poucas jovens como aquela havia visto na sua existência selvagem.

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