sábado, 4 de abril de 2020

KNS054.01 Assim nasce um pistoleiro

Os transeuntes nem sequer lhe prestavam atenção. Ia pela rua fora dando tombos e gritando sem esperar que algum o escutasse. Quando chegou à porta do «saloon» deteve-se e levantou a voz:
—Fora todo o mundo. Eu cheguei e eu vou armar uma bronca fenomenal.
Logo entrou no edifício. Os clientes olharam-no sem muito interesse ainda que alguns vaqueiros jovens, os quais nunca tinham trabalho e passavam o dia nos «saloons», esperando algum meio de entretenimento, sorrissem pensando que lhes havia chegado um meio gratuito de diversão.
— Cuidado — gritou um deles em tom de gozo. —Aí vem Stan Kleber. Afastem-se, senão há mortos.
O aludido, Stan Kleber, deteve-se no centro do local e gritou:
— Hoje venho de mau humor. Hoje morrerá alguém. Quero adverti-lo para que me deixem em paz.
Todos riram ante aquela bravata típica do homem que se havia convertido em fanfarrão do povoado. Kleber encaminhou-se para o balcão, onde se encontravam quatro ou cinco homens.
— Deixem-me em paz — gritou. — Afastem-se todos.
Um dos homens, ainda jovem e corpulento, de grossos bigodes e olhar cruel, contemplou Kleber.
— Quem é esse velho? — perguntou ao seu interlocutor.

— Não faças caso, Standish. É um borracho que anda sempre apregoando que vai matar alguém. Vive do que o seu filho Stuart pode ganhar em trabalhos ocasionais. Não é mais do que um vagabundo.
Standish mirou-o com expressão divertida. Kleber colocou-se precisamente a seu lado.
— Afaste-se, forasteiro, e deixe-me beber um copo — disse com ar feroz. — Não vou molestá-lo.
O interlocutor de Standish tal como todos faziam naqueles casos, estendeu-lhe umas moedas. Mas Standish não lhe pareceu bem aquela atitude.
— Não lhe dês nada e que se afaste — disse. — Está a molestar-me.
Kleber mirou-o furioso.
— Forasteiro, saiba que por menos já matei várias pessoas.
Standish sorriu cruelmente.
— Pois faça-o agora. Vamos, mate-me.
Kleber mirou-o estupefacto. Aquele não tomava parte no jogo, mas não quis abandoná-lo tão facilmente.
— Tenha cuidado porque sou capaz de coisas terríveis.
Standish, sem mais palavras, levantou a mão e deu-lhe no rosto. Kleber, surpreendido, recuou, mas o outro golpeou-o de novo com incrível raiva.
— Vamos, fora daqui.
Guiado pelo instinto, o velho levantou a mão para proteger o rosto, mas esta chocou contra o rosto do seu adversário. Este empalideceu indignado e deteve-se. Mas com toda a frialdade empunhou a arma.
— Ninguém se havia atrevido a fazê-lo antes.
Kleber deu-se conta de que ia morrer e empalideceu, ao mesmo tempo que levantava as mãos, implorando:
— Não, não, por favor.
Mas Standish fez fogo por duas vezes. Depois ante a surpresa e o horror dos que contemplaram a cena voltou-se para o balcão dizendo:
— Tirem-no daqui!
*
Stuart Kleber contemplava com entusiasmo aquele velho revólver que havia conseguido e que limpou com tanto esmero. Tinham-se rido dele quando viram que o recolhia de um montão de desperdícios, mas o rapaz, que não teria mais de catorze anos, considerava aquela arma como o seu maior tesouro.
Das suas poucas ocupações tinha podido forrar algum dinheiro e comprar balas. E o revólver, contra o que tantos diziam, funcionava perfeitamente.
Stuart não conhecia da vida mais que a parte má. Era o filho do borracho do povoado, carecia de casa e de família e de trabalho fixo. Na sua infância havia tido de se defender, a pontapés dos outros meninos e, com frequência dos mais velhos.
Entretanto, no começo da adolescência, não era mais que um pária e um vagabundo, ao qual deixavam em paz, mas que ninguém queria. Acostumado a ver os vaqueiros o cavaleiros com o revólver no cinto, com o qual conseguiam todas as deferências, sentia-se estranho e poderoso com aquele velho e antiquado revólver na mão.
De súbito ouviu um escândalo na rua e apressou-se a ocultar a arma. Não sabia o que poderia ocorrer se lhe a vissem na mão. Apressou-se a ver o que sucedia e viu um grupo de homens que avançavam, carregados com um corpo. Um dos que formavam o grupo apoiou a mão no seu ombro e disse-lhe, apiedado:
— Prepara-te para um duro golpe, rapaz. Teu pai morreu.
Stuart Kleber ficou estupefacto. Que poderiam significar aquelas palavras? Seu pai havia morrido. Queria dizer que já não o tinha a seu lado nunca mais. Sempre temera que algum dia isto teria de acontecer. Sua saúde não era muito boa e um dia ou outro isto podia ocorrer. Sem embargo, de improviso advertiu umas manchas de sangue na suja camisa do velho. Voltou-se para os que o transportavam e perguntou, surpreendido:
— Que são estas manchas?
Um vaqueiro rude limitou-se a contestar:
— Um tiro que lhe pregaram. Não quererás que saísse vivo.
Outro explicou:
-- Foi um forasteiro que o matou no «saloon».
Stuart reagiu, estupefacto.
—Um forasteiro? Meu pai nunca fez mal a ninguém.
— Nunca e nesta ocasião tão pouco. Mas há ocasiões em que mais vale não falar.
Stuart sentiu que a cara lhe ardia. Haviam assassinado cruelmente, e sem nenhum outro motivo do que verter sangue, seu pobre pai. Uma fúria até então desconhecida se apoderou dele e Kleber, sem se deter a pensar, empunhou o revólver, prendendo-o no cinto e saiu do rancho. Os vaqueiros contemplaram-no surpreendidos, mas tardaram em raciocinar e quando se dispuseram a detê-lo, o jovem estava já muito longe.
Stuart, contendo as lágrimas entrou no «saloon» e deteve-se à porta. Era fácil identificar o forasteiro que se encostava ao balcão, satisfeito de si mesmo.
Stuart avançou decidido até ele e deteve-se a certa distância. Sentia um desejo incontido de lançar-se ao seu pescoço e afogá-lo ali mesmo. Standish voltou-se, advertindo aquele minucioso exame e quis saber o que se passava.
—Que se passa, miúdo? Afasta-te antes que perca a paciência.
Kleber ergueu-se, furioso.
— Vim para o matar. Você assassinou o meu pai.
O forasteiro não pôde evitar certo sorriso de compaixão. Examinou o rapaz e logo riu divertido. — Ah! De modo que te crês um homem? A teu pai matei-o porque era um borracho. A ti limitar-me-ei a dar-te uns açoites.
— Oiça. Disse-lhe que o vinha matar.
—E o que vai fazer tu só? És muito débil e muito pequem) para o tentares.
Stuart puxou do revólver e apressou-se a dizer:
— Desafio-o por ser um cobarde. Agora prepare-se.
Standish contemplou-o um instante. Ao fim e ao cabo, uma segunda morte o que é que importava? Era um bom exercício de tiro de revólver. Encolheu os ombros e respondeu:
—A teu gosto, miúdo.
Por uns momentos ficaram ambos imóveis, fixa no adversário a mirada. Semelhantes a duas estátuas que representavam a violência. Os clientes afastaram-se inquietos, e temerosos de que alguma bala pudesse alcançá-los. Não viam com bons olhos aquela luta entre um pistoleiro famoso e experiente como era Standish e um miúdo que ainda devia usar calções curtos, mas não se atreviam a impedi-lo.
Seguramente o pistoleiro enfurecia-se e o medo detinha-os nos seus bons propósitos. Standish, com uma excessiva segurança em si mesmo, empunhou o «Colt» decidido a concluir de uma vez. E depois, aquelas duas mortes podiam ser-lhe muito úteis. Haviam-lhe oferecido um emprego por causa da sua boa pontaria e o seu interlocutor, o ganadeiro que queria contratá-lo, se daria conta de que as suas credenciais não eram excessivas.
Sentiu na mão o contacto da arma, e foi para disparar, mas naquele momento, um milésimo de segundo, retumbou uma detonação e Standish sentiu um golpe no ventre. Contemplou horrorizado o seu inimigo, o rapaz que sustinha ao alto a pistola fumegante e o mirava implacável.
Logo se dobrou sem forças para tirar a arma. No «saloon» houve um longo silêncio de incredulidade. Todos se miravam com surpresa sem poder dar crédito ao que viam. Ouviram falar muito de Standish e, entretanto, um miúdo derrubava-o. Mas todos haviam vivido bastante tempo na fronteira para dar-se conta de que a superioridade de Stuart Kleber era enorme.
Ninguém se tinha dado conta do movimento da mão para empunhar o «Colt». E, sem embargo, jamais havia manejado armas. Ninguém sabia que possuía aquele velho «Colt». Mas ali se encontrava em pé, virtuoso e erguido, ante o cadáver do seu adversário. Stuart prendeu novamente o revólver ao cinto e dispôs-se a partir. Mas o companheiro de Standish chamou-o:
— Espera, miúdo, não te vás embora.
Kleber explicou:
— Quero estar com meu pai.
— Espera um momento — insistiu o outro. —Talvez te convenha que falemos — fez uma pausa e acercou-se dele. -- Onde aprendeste a manejar o revólver?
— Entretinha-me disparando aos pássaros.
O ganadeiro examinou a arma.
—Se com isto foste capaz de matar Standish, gostaria de saber o que farias com um revólver novo. Escuta — disse de súbito. — Tu venceste este homem. O seu revólver pode ser teu. Queres?
As pupilas do jovem brilharam.
— Posso?
O ganadeiro assentiu:
— Naturalmente. E ninguém objetará nada. Quando estiveres mais tranquilo, falaremos. Eu necessito de homens que manejem bem o revólver. E creio que a ti te convirá as minhas condições.
Stuart pegou no revólver de Standish e examinou-o. Era uma arma magnífica, último modelo, com a culatra em marfim.
— Obrigado — disse simplesmente, abandonando a sala.
Quando ficaram novamente sós, um cliente perguntou ao ganadeiro:
—Como se explica o sucedido?
—Não é difícil de supor. Há homens que nascem com o instinto da luta. E um deles é precisamente Stuart Kleber.
— Crês que só isso basta?
—Sim. Há homens que sabem disparar e sacar o revólver antes de aprender. Depois vão-se aperfeiçoando. E esse dia chegou e temos um pistoleiro na aldeia. — Fez uma pausa e acrescentou: —Para vencer Standish era necessária muita rapidez, mas Stuart não necessitou muito para lográ-lo. E eu tenho grandes planos para esse miúdo.
Todos se voltaram para a porta, pela qual entrou o rapaz como se o esperassem vê-lo regressar. Mas não era a sua expressão a mesma. Agora tratava-se de um homem importante, o mais importante de todos no povoado.

Sem comentários:

Enviar um comentário