quarta-feira, 30 de outubro de 2019

ARZ140.15 A última fronteira para um xerife

Larsen parou. Teria parado mesmo no ar ao ouvir aquela voz. Porque era a voz do xerife Rocket.
Coberto de pó, com os olhos a brilhar como carvões acesos, a mão crispada a muito pouca distância do revólver, o xerife Rocket olhava-o fixamente a doze passos de distância. Boa distância para matar... ou para morrer.
— Procurei-te por todo o Sudoeste — resmungou o xerife. — Agora, maldito seja o inferno, chegámos os dois ao fim, chegámos à última fronteira. Vamos decidir isto de uma vez para sempre.
Larsen disse, num fio de voz:
— Sim, xerife, de uma vez para sempre.
— O teu revólver está carregado?
— Ainda tem, pelo menos, duas balas xerife. Mas antes de acontecer o inevitável quero que me escute. Todo o condenado à morte tem direito a formular o último pedido.
— Fala, mas sê breve. Juro-te que os meus dedos já tremem ao pensar no gatilho.
— Você não tem autoridade aqui, Rocket. Não procede em nome da lei.
— Bom, e depois? Procedo em nome do meu revólver.
— Contratou pistoleiros para me liquidarem por qualquer preço. Um desses pistoleiros foi até dos que assaltaram a diligência. Descobri-o porque o seu cavalo me trouxe, impelido pela querença, a casa de Roland. E contratar pistoleiros não é legal.
— Eu não falo de legalidades, rapaz; falo de balas.
— Pois ouça-me agora, xerife Rocket. Posto que estamos nesta situação, posto que não tem o direito de me prender, podemos chegar a um acordo. Deixe-me ir a casa de um homem que fica exatamente a duas milhas daqui. Assim que resolver um assunto com ele, terei muito prazer em conversar do nosso caso.
O homem da estrela denegou lentamente com a cabeça, ao mesmo tempo que um sorriso lhe aflorava aos lábios.
— Não há acordo, Larsen.


— Porquê?
— Chegámos à última fronteira, bem sabes. Agora não se trata de falar, mas apenas de matar ou morrer.
— O homem de quem falo é responsável por um assalto à mão armada! Com mil demónios, não compreende?! Há dias foi assaltada uma diligência e cometeram-se vários assassínios. O responsável é esse homem que quero procurar. Só lhe peço isso!
— Não me peças nada, Larsen. Bem sabes que não mo podes pedir.
— Porque matei o seu irmão?
— Sim.
— Mas fi-lo porque o seu irmão violentara uma rapariga.
— Isso não te dizia respeito, Larsen. Não era tua parente, nem tua noiva. Não tinhas motivo para intervir.
— Havia uma coisa que me ligava àquela rapariga, embora você não compreenda. Parecia-se muito com...
Naquele momento, pareceu que o passado voltava bruscamente aos olhos de Larsen. Naquele momento distinguiu a figura de Ingrid atrás do xerife, apenas a vinte passos. Uma Ingrid que vinha agitada, trémula, mais bela e tentadora do que nunca, mas também mais distante...
— Larsen... — gemeu ela — Roland vai fugir... Está a preparar tudo e julga que eu não vi. Vai fugir...
Os lábios de Larsen tremeram um momento, só um momento. Quase não via o numeroso grupo de curiosos que se formara de ambos os lados deles. Só via o rosto pétreo e imperscrutável do xerife.
— Vê? — perguntou em voz alta. — Esse homem vai fugir!
— Já disse que não me interessa! Defende a tua maldita vida, se o sabes fazer!
Os lábios de Larsen tremeram levemente outra vez.
— Não tem nenhuma autoridade aqui, xerife, e todos são testemunhas disso. Só o move uma vingança estúpida, e não o desejo de servir a lei. Eu matei o seu irmão por ser um violador e um cobarde, e você bem o sabe. Apesar de tudo, quer vingá-lo. Muito bem, faça-o, mas saiba-se que isto é simplesmente um duelo entre particulares, e não entre um xerife e um perseguido. Se por sorte ficar vivo, ninguém terá nada contra mim.
Rocket resmungou entre dentes:
— Não sairás daqui vivo, boneco...
Via que o revólver do seu inimigo estava entalado entre a camisa e as calças e sabia que assim era muito mais difícil sacar. Via também que o seu rival estava ferido, o que lhe dava uma grande vantagem, pois sabia antecipadamente que mão utilizaria. Por isso, repetiu:
— Concordo com tudo o que disseste, mas não viverás, imbecil...
— Muito bem, xerife. Foi você quem me levou a esta última fronteira e não eu. Saque!
O gesto felino dos dois homens foi acompanhado por um grito angustioso de Ingrid. Esta gemeu ao pressentir que Larsen ia morrer, ao adivinhar muitas coisas que ele quisera manter secretas, abafadas, mortas... Impulsivamente, correu para o xerife, enquanto repetia:
— Não! Não...
Dois disparos simultâneos perfuraram o ar. Todos os presentes soltaram um grito de espanto ao ver o gesto de Larsen, que se atirava de lado ao chão e empregava a mão do flanco ferido para tirar o revólver e fazer fogo com ele. A dor foi terrível, mas sabia que só era necessário empunhar o revólver. Apontar, não. Estava diante de Rocket e àquela distância não podia falhar.
Num duelo daquele género só há tempo de disparar uma bala, e Rocket falhou a sua. O seu inimigo fizera justamente o movimento contrário àquele que imaginava. Quando quis retificar, já era tarde, porque uma bala se lhe alojara no coração. Caiu de bruços e expeliu uma grande golfada de sangue pela boca. Antes de morrer, murmurou:
— Nunca julguei que tivesse de morrer... numa aldeola... tão miserável... Maldito seja o infer...
Não pôde dizer mais nada. De repente, tudo se tornou vermelho e, mais tarde, negro. Uns segundos depois, até esse negro deixava de existir...
Larsen aproximou-se dele e tirou cal=mente, de uma das algibeiras do xerife, um recorte de jornal de dois anos atrás. Sabia que Rocket o trazia sempre. Devagar, como se com isso desse cumprimento à. sua última vontade, estendeu o recorte à espantada Ingrid.
— Está aqui um desenho da rapariga que 'quis salvar... — disse, lentamente. — A rapariga atrás da qual fui, O irmão deste homem violentou-a e levou-a consigo. Mais tarde assassinou-a.
Segui a sua pista durante quase um ano, até que acabei com ele e a vinguei. Se olhares esse desenho, encontrarás tu própria a explicação. Essa rapariga era muito parecida contigo. Quando soube o que lhe acontecera, senti o mesmo que sentiria se fosses tu a vítima e não me consegui conter... Durante a minha perseguição escrevi-te duas cartas, tentando explicar-te o que se passava, mas devolveste-mas sem as abrires. Julgaste que fora atrás de outra mulher, quando precisamente com isso te provava que...
Não quis continuar. Para quê? Para que abrir mais aquela ferida que sangrava de novo? Mas foi ela quem terminou a frase. A sua voz pareceu tremer no ar quando disse:
— ...que o teu amor por mim era superior a todas as coisas. E fui eu... eu...
Agora era Ingrid quem não se atrevia a terminar, quem não podia. Mas Larsen também não lhe deu oportunidade, porque recuou, saltou para o cavalo e fê-lo tomar a direção da casa de Ingrid. Sabendo que ia para a cavalariça, o animal lançou-se num galope desenfreado. Ingrid suplicou: — Depressa, dêem-me um cavalo! Dêem-me um cavalo, por Deus!
Um dos presentes ofereceu-lhe o seu, quando já Larsen, no seu frenético galope, estava prestes a chegar à casa. 

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