segunda-feira, 28 de outubro de 2019

ARZ140.13 Ainda há quem entregue o ouro ao bandido

Roland regressou silenciosamente a sua casa, dando uma volta para não ser ouvido, e por fim entrou por uma janela das traseiras. Já colocara debaixo da janela um grosso tapete, para abafar o ruído dos seus passos, e dali entrou silenciosamente num quartinho que lhe servia de arrecadação e no qual havia um armário que Ingrid jamais se atreveria a abrir. Era o armário onde se guardavam as carabinas e as munições, coisas que para nada interessavam à mulher.
Arrumou as carabinas no armário, em cujo fundo havia um buraco muito bem dissimulado pelas caixas de munições. Nesse buraco ia a colocar o baú, mas antes sentiu a tentação irresistível de o abrir.
Queria ver os duzentos mil pesos mexicanos, queria desfrutar a contemplação de uma fortuna que o convertia no homem mais rico da região.
O conteúdo daquele baú permitir-lhe-ia viver no México como um nababo, até que dentro de cinco ou seis anos, esgotado o dinheiro e cansado da mulher que o acompanharia, começasse vida nova.
O pensamento de que aquele dinheiro custara muito sangue e, além disso, se esgotaria um dia, não o preocupou absolutamente nada.
Tinha na sua frente cinco ou mais anos de riqueza e prazer na companhia de urna mulher que lhe transtornava os sentidos. E isso era mais que suficiente para um homem como Roland.


Mas quando ia a abrir o baú ouviu passos no saibro do exterior, passos de alguém que se aproximava cautelosamente, mas não com a clara intenção de passar despercebido.
Roland empurrou precipitadamente a caixa de madeira grossa, para a pôr no seu esconderijo, tapou o buraco com alguns pacotes de munições e fechou o armário, depois de pegar numa carabina carregada e de cujo bom funcionamento estava certo.
Abriu uma porta posterior e viu, com efeito, a silhueta de um homem, muito perto do alpendre traseiro. Era um homem que trazia uma maleta na mão direita. Roland reconheceu-o sem demora, sobretudo por que o outro não fez nada para se esconder. Era Larsen. O dono da casa apontou-lhe a carabina.
— Que vens cá fazer a estas horas, Larsen?
— Queria ver-te. –
-- A mim?
— Sim, precisamente a ti. Mas preferi não fazer barulho, para não incomodar Ingrid.
— Que delicadeza!
— Não vim cá para ouvir sarcasmos, Roland. O as-sunto que me traz é importante.
— Vens pedir que te deixe passar a noite num barracão, porque te expulsaram do hotel?
— Não, muito pelo contrário. Venho trazer-te cento e doze mil dólares.
—O quê?!
— Estão aqui, nesta maleta.
Roland abriu muito a boca, para falar, mas não pôde. Tudo aquilo escapava à sua capacidade de compreensão. Cento e doze mil dólares!
Por um momento, esteve quase a soltar uma gargalhada, mas então reparou que Larsen falava a sério. Terrivelmente a sério.
— Por que me vens trazer esse dinheiro — perguntou por fim.
— Soube que estavas em apuros e que tens de restituir duzentos mil dólares.
Roland engoliu em seco.
— Bom... é verdade. Já deves ter ouvido falar do roubo. Uma importância que não conseguirei reunir durante toda a minha vida.
— Pois aqui te trago mais de metade. O resto poderás ir pagando sem grandes sacrifícios.
Roland engoliu em seco outra vez, e custou-lhe tanto fazê-lo que teve a sensação de que o céu da boca se lhe convertera em cortiça.
— Por que me trazes isto? — inquiriu depois. — Conseguiste prender os ladrões?
— Não. Nem tenho ideia de quem são. Então, como arranjaste esta fortuna?
— Ganhei-a ao jogo a um jogador profissional. Esse jogador mandou-me já dois homens para ma tirarem e tive de os matar... muito perto desta casa. Por isso vim sem chamar a atenção e procurando que ninguém saiba que tens esse dinheiro. Entrega-o ao Banco quanto antes e regulariza a tua situação. Penso que Ingrid to agradecerá.
Roland conteve um sorriso zombeteiro.
— Fazes isto por Ingrid, para que ela não tenha dificuldades na vida, não é verdade?
— Imaginemos que sim. Mas não quero que jamais comentes isso com ela. Eu desaparecerei e nunca mais voltarão a saber de mim.
— Tanto a amas? Ele esqueceu-te para casar comigo, Larsen.
— Teria os seus motivos.
— Sim, claro que os teve... Eu oferecia-lhe maior segurança e, além disso, tu abandonara-la para ires atrás de outra mulher.
— É verdade.
— Reconhece-lo?
— Nunca o neguei. E nunca censurei Ingrid pelo facto de me ter abandonado.
Avançou dois passos e pousou a maleta no chão, ao alcance das mãos de Roland. Este convenceu-se de que não se tratava de uma armadilha nem de um logro.
Larsen era desses tipos românticos e fora de moda que dizem sempre a verdade. Um desses homens capazes dos maiores sacrifícios por uma mulher, sem esperarem nada em troca. Um perfeito idiota que nada podia esperar da vida, eis o que ele era, na opinião de Roland. E este esteve quase a soltar uma gargalhada. De modo que ia ser muito mais rico do que pensava! De modo que ia ter trezentos e doze mil dólares! Nem por um momento pensou em entregar ao Banco aquela quantia. Se o destino lhe oferecia cento e doze mil dólares, por que havia de os atirar pela janela?
— A única condição que ponho é que não digas nada a Ingrid — recomendou Larsen.
— Não direi.
— Nesta mesma noite saio da povoação. Trouxe-me a casualidade e sei que, desta vez, nunca mais nos tornaremos a ver, Roland.
— Assim espero.
— Faz Ingrid... muito feliz.
— Sê-lo-á. Não podes imaginar como será feliz, rapaz.
Roland pegou na maleta, enquanto Larsen virava as costas e se afastava lenta e silenciosamente até desaparecer nas sombras da noite.

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