sábado, 26 de outubro de 2019

ARZ140.11 Um bando desfeito

A pequena fogueira cobria de leves resplendores os rostos dos bandidos reunidos no acampamento que Roland visitara noites antes. As estrelas recamavam o céu e a quietude era absoluta.
Os cinco homens reunidos ali tinham quase a sensação de se encontrarem numa ilha deserta, no fim do mundo, onde nenhum perigo os poderia ameaçar. E esse excesso de confiança, originado por vários dias, de estada ali sem o menor contratempo, levara-os a não pôr ninguém de guarda à entrada do refúgio.
Agora os rostos de quatro deles estavam voltados com irritação para o homenzinho que imitava o uivo dos coiotes e se entretinha a caçar as serpentes do deserto.
— Já mataste esse bicharoco? Não o terás escondido perto daqui, com risco de se introduzir no acampamento?
— Juro-lhes que...
— Tu e as tuas malditas serpentes acabarão na fogueira! Nunca vi mania mais repugnante do que essa! Podias entreter-te a colecionar mulheres...
— As mulheres são mais traiçoeiras do que as serpentes e ligam-me muito menos importância.


— Acredito... porque para se aproximar de ti uma mulher necessita de estar cega. E coxa, para não fugir a correr quando lhe deres o primeiro beijo. Maldita, silva durante todo o dia! Mas se voltarmos a ouvir essa serpente por aqui, juro-te que...
— Não correm nenhum perigo! Garanto-lhes que não lhes acontecerá nada!
— Mas dissemos-te que nos trouxesses a pele desse asqueroso réptil, para sabermos que estava morto, e não a trouxeste!
— Prometo-lhes que...
— Não prometas nada! Ou a pele desse bicho ou a tua!
— É um exemplar único! Quero conservá-lo! Dois dos pistoleiros levantaram-se bruscamente para esbofetear o homenzinho, mas naquele momento qualquer coisa os fez sentarem-se de novo, para caírem depois suavemente por terra. Nunca chegariam a saber que duas balas acabavam de lhes atravessar a testa. E naquele momento a carabina crepitou pela terceira vez...
*
Três homens restavam com vida, mas os sobreviventes ainda não haviam compreendido o que se passava.
Os três olharam atónitos para os seus dois companheiros mortos, em cujos rostos ensanguentados parecia pairar ainda uma careta de profundo pasmo.
O terceiro tiro de carabina chegou como um uivo através da noite. Os sobreviventes atiraram-se ao chão como se fossem um só corpo e um deles sentiu que a bala lhe arrancava cabelos da cabeça, mas sem chegar a feri-lo.
Os revólveres saíram para a luz. Demasiada luz, na opinião dos pistoleiros, porque os três estavam dentro do círculo de claridade projetado pelas chamas da fogueira.
O seu inimigo desconhecido tinha todas as vantagens, e soube aproveitá-las, apesar de ter falhado o terceiro tiro. Viu que as suas vítimas rastejavam no chão em diferentes direções e apontou friamente contra a que mais se afastava da fogueira. Acertou desta vez, porque viu o homem ficar espantosamente imóvel.
Os outros dois compreenderam que não continuariam com vida se continuassem a arrastar-se nos cotovelos e dispuseram-se a saltar com desespero. O seu inimigo disparou então duas vezes mais, mas falhou as novas balas. Foi então que os dois homens saltaram, mas muito mais confiados. Sabiam que o adversário teria de recarregar a arma e isso significava para eles uma oportunidade.
— Agora não tem ba... — começou a dizer um deles.
Um projétil atravessou-lhe a testa, matando-o instantaneamente. Não chegou a saber que morria, e muito menos que o seu verdugo tinha uma carabina de reserva.
O outro correu com desespero entre os penhascos, mas sem se cobrir. Uma bala atravessou-lhe o pulmão direito. Deu uns passos mais e caiu arquejante numa rocha. Largou o revólver.
Foi então que viu a alta figura vestida de negro, que emergia como um fantasma da escuridão. Aquela figura trazia uma carabina automática e possuía um olhar fosforescente. O moribundo gaguejou:
— Roland... maldito filho... de uma cadela...
— É melhor poupares energias. Vais precisar delas para viver enquanto te interrogo.
— Não direi... uma palavra.
— Oh, o que penso perguntar-te é muito simples! Apenas quero saber se no baú onde está o meu dinheiro têm também o de vocês.
— Não to direi... Procura-o tu mesmo... e rebenta!
— Muito bem, como quiseres... Procurá-lo será para mim um ligeiro incómodo, mas a ti custar-te-á a vida.
— Tencionas... ajudar-me?
— Se tu me ajudares, ajudar-te-ei. Uma febril luz de esperança brilhou nos olhos do caído.
Sabia que não podia acreditar nas palavras de um traidor como Roland, mas o destino também não lhe dava outra oportunidade. Tinha de acreditar nele ou rebentar. Não havia alternativa.
— Todo o dinheiro está no baú... — murmurou. — Em bolsas diferentes. Podes levá-lo e oxalá o ouro te... asfixie!
Os seus olhos fitavam febrilmente Roland, à espera que este o ajudasse. Mas viu que Roland, com um sorriso frio, baixava para ele o cano da carabina.
— Maldito!
O seu último insulto confundiu-se com a detonação da arma. A bala, disparada a tão curta distância, quase dividiu em duas partes a cabeça da vítima.
Rolando olhou o cano da arma, como se o cheiro da pólvora fosse um perfume que o deleitasse, e depois dirigiu-se para o seu refúgio, situado uns penhascos adiante, para recuperar á outra carabina. Havia alguns cartuchos espalhados pelo chão, mas estava certo de que isso nunca seria uma prova contra ele.
— Pistoleiros de pacotilha... — resmungou surdamente. — Sem mim nunca teriam feito nada. Fui eu quem lhes deu a notícia do embarque do ouro e do sítio onde poderiam assaltar a diligência... Ao matá-los, não fiz mais do que poupar trabalho ao xerife, que de todos os modos acabaria por os apanhar... Espero que no outro mundo encontrem uma boa masmorra para as suas almas.
Aproximou-se dos mortos e virou-os um a um com a bota, para se convencer de que não tinha de se preocupar com eles. Depois viu o baú, que estava junto da fogueira, claramente iluminado por esta.
Verificar se o dinheiro estava ali tinha para ele muito mais importância do que parecia. Desse modo, poupava uma busca laboriosa, quase impossível enquanto durasse a noite, embora houvesse o perigo de andar por ali a serpente que capturara aquele imbecil...
Contudo o que mais preocupava Roland eram os disparos. Podiam ter chamado a atenção e era muito provável que alguém aparecesse por ali. A descoberta dos cadáveres provocaria investigações e toda aquela zona seria praticamente cercada. Nessas condições, ser-lhe-ia impossível procurar o dinheiro.
Não valia, porém, a pena pensar nisso. Tinha ali os duzentos mil pesos mexicanos, e o único trabalho que lhe restava era encontrar um bom momento para transpor a fronteira. O mais fácil. E Roland passou a língua pelos lábios que, não compreendia porquê, sentia cada vez mais secos.
De súbito, ouviu o relincho de um cavalo. Escutou-o a pouca distância, em direção norte. Roland compreendeu que alguém se aproximava, embora isso fosse estranho àquela hora e naquelas paragens. Mas não podia perder tempo com averiguações e, portanto, a primeira coisa que fez foi pendurar as duas carabinas do ombro esquerdo e carregar o baú no direito. Pesava muito e ele não trouxera cavalo, para chamar menos a atenção, mas duzentos mil pesos mexicanos bem mereciam que um homem ficasse com os ombros um pouco magoados.
Começou, pois, a caminhar rapidamente, procurando não fazer barulho, e como conhecia o caminho em breve se encontrou fora de perigo.
Em sua casa deviam ter ouvido os disparos e talvez Ingrid estivesse inquieta, mas isso não importava. Tivera a astúcia de dar dois dias de licença aos três criados que empregava habitualmente e deixara só uma velha criada. Sabia que poderia entrar por qualquer das janelas das traseiras, depois de dar uma boa volta, e estava certo de não ser descoberto. Todos os seus planos se iam realizando ponto por ponto e, além disso, sem muitas complicações. No fundo, nunca esperara que aquilo fosse tão fácil.

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