sexta-feira, 18 de outubro de 2019

ARZ140.03 Encontro com a pessoa mais odiada no Mundo

Era uma casa branca, limpa e bem construída. Tinha um só piso, mas não lhe faltava nada para ser cómoda. Nalguns aspetos, como nas flores e nas cortinas que adornavam as janelas, notavam-se os cuidados de mão feminina.
Quando o cavalo se deteve, Larsen, que conservara inconscientemente um difícil equilíbrio, escorregou e caiu por terra. Apesar da pancada, não recuperou os sentidos.
O ruído que produziu, junto a um relincho do cavalo, fez que se acendessem uma luz dentro da casa.
A porta desta abriu-se e a figura de uma mulher que segurava um candeeiro de petróleo recortou-se no limiar.
Era uma mulher nova e vestia uma comprida e quase transparente camisa de dormir.
Ao princípio só viu o cavalo, mas ao acercar-se dele distinguiu o vulto caído por terra e uma exclamação de espanto brotou-lhe dos lábios.
Notou sem demora que aquele homem estava ferido, embora não lhe pudesse ver o rosto. Levantou o candeeiro e chamou:
— Gretchen!
Uma mulher de meia idade apareceu no limiar poucos segundos mais tarde. Era loura e devia ter sido bonita na sua juventude, mas agora estava prejudicada pela sua excessiva corpulência. Ao ver o vulto caído aos pés da outra mulher, arqueou uma sobrancelha.
— Que é isso?
— Não sei; parece um homem ferido.
— Algum pistoleiro...
— Talvez, mas, em todo o caso, devemos ajudá-lo.
— Que dirá o seu marido quando regressar e souber que deu alojamento a outro homem?
—E apenas um ferido; além disso, não discutas as minhas ordens, Gretchen. Ajuda-me a levá-lo para dentro.


A outra mulher obedeceu e as duas conseguiram arrastar Larsen, que deixou na terra um leve regueiro de sangue.
A casa estava bem arranjada e as cores predominantes nela eram o banco e o vermelho. Era acolhedora e bonita e adivinhava-se que as pessoas que viviam nela gozavam de situação próspera.
A mulher nova era a dona daquela casa e indicou à outra uma porta que comunicava com a cozinha.
— Levemo-lo para ali. Estendê-lo-emos em cima da mesa para ver a ferida.
Fizeram um esforço e conseguiram levantá-lo e estendê-lo em cima de uma mesa de mármore, muito comprida, que havia no meio da divisão.
A cabeça do homem pendeu para um lado, dando a sensação de que se encontrava morto. As suas feições não se tornaram visíveis, dada a posição em que estava a mulher nova. Esta pareceu ter de súbito uma ideia.
Saiu de casa e espalhou, com os pés, areia sobre o regueiro de sangue, para que este não fosse visível. Depois levou para a cavalariça o cavalo esgotado e instalou-o no sítio menos visível.
Quando voltou, pôde ver a cara de Larsen. E então uma nova exclamação de espanto brotou-lhe dos lábios.
Gretchen, a criada, fitou-a com sobressalto.
— Conhece este homem?
— Sim, conheci-o há anos.
— Pela cara de espanto que fez, parece ter visto um ressuscitado...
— De certo modo, é isso.
—Donde o conhece?
A mulher engoliu em seco, penosamente.
— Não tem importância. Todos nós conhecemos, ao longo da vida, bastante gente; pessoas que nos convêm e pessoas que não nos convêm.
— Adivinho que este homem é dos que não convém conhecer...
— Talvez... Mas deixemo-nos de conversa, Gretchen. A primeira coisa a fazer é tratar-lhe da ferida.
Rasgaram com uma faca a camisa de Larsen e descobriram-lhe o peito forte. Viram que a bala passara entre duas costelas, abrira orifícios de entrada e salda e produzira pouco mais estragos do que esses. Mas as dores deviam ter sido insuportáveis e a perda de sangue fora bastante importante.
As duas mulheres lavaram a ferida e desinfetaram-na, o que arrancou a Larsen um gemido de dor. Terminado o curativo, Gretchen murmurou:
— Onde o deitamos, «Miss» Ingrid?
— No quarto de hóspedes. Teremos de o velar toda a noite, para o caso de acordar, mas não lhe daremos de comer. Só um pouco de água.
— Eu faço o primeiro turno, «miss» Ingrid. Adivinho que não gostaria de ter uma conversa com ele.
— Claro que não. Quanto menos nos virmos, melhor para os dois.
— Então, procurarei que não se encontrem. Dentro de três ou quatro dias, este homem estará em situação de poder voltar a galopar, se as coisas não se complicarem.
— Não se complicarão. Vamos, ajuda-me.
As duas transportaram penosamente Larsen, que ainda não recuperara os sentidos, e dirigiram-se para um pequeno quarto que havia ao lado da sala de jantar. Depositaram-no na cama e cobriram-no com um lençol.
Ao saírem do quarto, Gretchen, a mulher mais velha, olhou fixamente para Ingrid.
— Esse homem era perseguido por alguém. Que acontecerá se quem o deseja apanhar for o xerife?
— Será um bom sarilho. Ter-me-ei convertido mais ou menos em sua cúmplice.
— Não seria melhor dar parte? Na cidade, como quem diz a meia dúzia de passos, temos um xerife...
— Não — murmurou Ingrid, abanando lentamente a cabeça. — Primeiro quero saber a verdade. Não o denunciarei sem saber porque o perseguiam.
— Apesar disso, pressinto que lhe guarda rancor, um velho rancor que jamais conseguiu dominar. Engano-me?
— Não, não te enganas, Gretchen. Esse homem é talvez a pessoa que mais odeio no mundo.
— Porquê?
— Há coisas de que não gosto de falar. Velhas coisas que até seria melhor esquecer para sempre.
— Que se passou entre si e esse homem, «miss» Ingrid?
Ela apertou os lábios, até que estes formaram no seu rosto uma máscara quase cruel.
— Estivemos quase a casar-nos — sussurrou. — Há três anos.

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