quinta-feira, 3 de outubro de 2019

KNS004.09 Fuga ao linchamento

Circundava a cidade para se dirigir para os pastos do Sul, quando lhe saíram ao caminho, o xerife e dois dos seus ajudantes.
— Não cometa nenhuma loucura, forasteiro. Se pensa resistir, lembre-se que seis revólveres valem mais do que dois.
Shelby parou, compreendendo que as novas autoridades de Abilene, tinham todos os trunfos na mão. Com astúcia e falta de escrúpulos, tinham-se pouco a pouco assenhoreado de tudo, sem que a população desse conta. Era uma guerra de ambições, que só poderia terminar, com o extermínio de um dos bandos. Fosse qual fosse o resultado, Abilene continuaria na mesma; continuaria a haver comércio de gado e com a afluência de manadas, a povoação continuaria a ser, um dos lugares mais turbulentos do Sudoeste. Só as pessoas inteligentes compreenderiam que aquela cidade estava a edificar-se sobre sangue. Levantou os braços.
— De que sou acusado?
— De homicídio. Matou dois homens na parte norte da cidade. Lamento, mas está preso. Será julgado.
Era fácil adivinhar que nunca chegaria ao juiz e que devia estar preparado um linchamento, para acabar com ele.


— Foi em legítima defesa. Queriam matar-me, mas eu adiantei-me.
— Não o duvido — parecia sincero, mas o seu olhar não era franco. — E talvez se possa justificar ante o juiz. Lamento, mas Abilene não é uma cidade sem lei.
Respirou fundo. Um dos ajudantes aproximou-se dele e revistou-o até achar o «Derringer». Leona não se tinha esquecido desse pormenor, ao dar o alarme.
— Vamos?
Fizeram-no ir à frente. Atrás, os revólveres tiravam-lhe qualquer possibilidade de fuga. Sem dizerem mais nada, chegaram à rua principal da cidade. Quando chegaram ao gabinete do xerife, desmontaram e o rapaz foi conduzido ao interior. O representante da lei, sem deixar de lhe apontar o «Colt», agarrou num molho de chaves e disse:
— Siga à minha frente. Vou-lhe arranjar alojamento cómodo.
Shelby entrou para uma pequena cela. O xerife tinha acabado de fechar a porta, quando o rapaz lhe perguntou:
— Quando será o linchamento, xerife?
Levantou a cabeça surpreendido.
— Pura lógica. Eu estorvo e você é um sequaz de Walcott. Estas coisas deduzem-se.
— Procure não pensar nisso. Dá azar. Quer um advogado?
— Para que é que me serve?
O outro encolheu os ombros, indiferente.
— Talvez sirva, sei lá!
— Dá-me vontade de rir, o vosso afã em tornar as coisas legais. Os banqueiros são meticulosos, na verdade — disse, espreguiçando-se. — Tenho fome. A que horas trazem o jantar?
Deitou-se na tarimba. Não tinha a serenidade que aparentava. Pensava o suficiente, para saber que estava prestes a ser morto. Mordeu os lábios e voltou a cara para a parede. É difícil ser sarcástico quando se tem a morte tão próxima.
Felizmente para ele, adormeceu. A fadiga de tantos dias, cavalgando sem dormir o suficiente, venceu-o. Despertou sobressaltado, com a gritaria que chegava à cela. Saltou da cama, adivinhando o significado dos gritos e exclamações fragmentadas que escutava. Era noite cerrada. Os linchadores gritavam lá fora, ou talvez mesmo no gabinete do xerife, procurando eliminar a convencional e fraca resistência deste à lei de linchamento. Dentro de instantes, entrariam como uma tromba de água, arrasando tudo. Alguém bateu nos varões das janelas e uma voz chamou nervosamente:
— Patrão! Senhor King!
Olhou para a janela. Uma sombra escondia as estrelas do firmamento. Julgando ser uma miragem, aproximou-se.
— Sou eu, Medina! Tome estes revólveres! Defenda-se! Eu procurarei ajudá-lo! As armas caíram, através das grades, sobre o catre.
Shelby empunhou-as. Eram dois pesados «Colts 45». Com eles um cinturão cheio de munições. Pô-lo à cinta, sentindo enorme gratidão pelo seu jovem empregado. Possivelmente tal ajuda, não serviria de nada. Mas não morreria como um cão. Com os «Colts» sentia-se outro. Um sorriso cruel, aflorou-lhe aos lábios... negro presságio para os linchadores. A gritaria tornou-se mais próxima e enfurecida. Sentia-se já no gabinete do xerife, a massa
humana destruidora. A resistência convencional da lei tinha cessado. Dois vaqueiros de barbas e aspeto sinistro, foram os primeiros a entrar no corredor, que dava para as celas. Traziam uma corda nas mãos. Shelby gritou:
— Para trás!
Não lhe fizeram caso. E nem que quisessem não podiam, pois os de trás empurravam, desejosos de dar início ao baile. O rapaz levantou os cães dos «Colts» e começou a disparar. Para os ombros. Antes que dessem conta, já havia quatro feridos no chão, gemendo de dor e surpresa, maldizendo os que os tinham mandado para aquela armadilha.
Os que os seguiam quiseram retroceder, mas os de trás não os deixavam. Estabeleceu-se uma enorme confusão. Shelby continuava a disparar friamente, inutilizando os seus possíveis verdugos. Por fim conseguiram sair do corredor, deixando meia dúzia de corpos ensanguentados.
Shelby compreendeu que não podia perder tempo, por que o ataque seria repetido, com maior fúria ainda. Por isso, apoiou o cano do revólver na fechadura da porta, até que esta saltou em pedaços. Depois com um pontapé abriu-a, saindo para o corredor. Seguia-se a parte mais difícil. A saída. E eles cá fora, à espera, como se aguardassem um coelho, depois de ter metido na lura, um furão voraz.
Mas Medina tinha dito que o ajudaria e o rapaz tinha demonstrado ser capaz de fazê-lo. Compreendeu o plano do jovem vaqueiro, ao ouvir fora uma tremenda explosão, produzida pelo estalido de um cartucho de pólvora. À explosão seguiram-se os gemidos dos feridos e uma enorme gritaria.
Shelby aproveitou o momento. De duas passadas, chegou ao gabinete. O xerife mais calmo, aguardava-o e disparou com ódio. Mas King, sem parar, somente inclinando-se levemente, disparou por seu turno. O ignóbil xerife caiu no chão, sem vida. Medina dispunha-se a lançar outro cartucho explosivo e avisou:
— Cuidado!
Shelby atirou-se ao chão. Um segundo depois, a explosão destruía, parte da parede do gabinete, projetando fragmentos de madeira em todas as direções. Ainda caíam estilhaços, quando o rapaz se levantou, sem um arranhão e atravessando a imensa nuvem de fumo e pó, chegou à rua. Medina estava do outro lado, atrás de uns postes, junto a dois cavalos. A voz do rapaz, guiou-o até lá.
— Depressa patrão!
Correu como nunca tinha corrido. Era questão de segundos sair daquele vespeiro, enquanto os linchadores se recompunham. Saltando sobre os cavalos, picaram as esporas e inclinando-se sobre a garupa dos animais afastaram--se a galope da cidade, na direção da pradaria. Quando perceberam que momentaneamente estavam salvos, abrandaram a marcha dos cavalos, recuperando alento.

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