quinta-feira, 24 de outubro de 2019

ARZ140.09 Ganhar 100 mil dólares falsos

Percy era um homem ordenado e meticuloso, um verdadeiro jogador profissional. Depois de uma breve visita de observação, na noite anterior, ao «saloon» da cidade, durante a qual não notara nada de extraordinário, decidiu que no dia seguinte poderiam começar as partidas. Por isso, naquela tarde, por volta das cinco, apresentou-se no «saloon», sentou-se a uma mesa e começou a fazer paciências, sem dar atenção, segundo parecia, a nenhum dos homens que havia no estabelecimento. Um cavalheiro tão bem vestido como ele tinha de chamar a atenção do «saloon».
Alguns dos clientes mais habituais começaram a olhá-lo. Parte desses clientes vestia pobremente, mas eram gente rica. Alguns viviam do contrabando com o México, outros vendiam armas e álcool aos índios da fronteira...
Não poucos possuíam terras e gado que davam bons rendimentos e — o mais importante — a maior parte deles não sabia o que era trabalhar. Por isso, a dois desses homens tentou-os a possibilidade de uma partida com aquele desconhecido.
Deming era uma povoação ainda não explorada pelos jogadores e ninguém desconfiou. Percy começou por dizer que não queria jogar.
— Agradeço-lhes, cavalheiros, mas estou apenas de passagem na cidade. Instalei-me no hotel até receber a visita de um negociante de gado que tem de fechar um negócio comigo. Só faço paciências para me distrair. Na realidade, desconfio das cartas; não me dão sorte.


Um rancheiro insistiu e, por fim, Percy e ele jogaram algumas pequenas partidas. Percy perdeu uns cinquenta dólares... e as partidas tiveram uma boa quantidade de espectadores, que naquela noite comentaram o mal que o forasteiro manejava as cartas.
Entre os que presenciaram as partidas estava Larsen. Conseguira que um vaqueiro da cidade, que percebia um pouco de medicina, lhe limpasse e ligasse de novo a ferida, E, considerando que Deming era uma povoação relativamente segura, resolvera permanecer alguns dias ali. Além disso, havia qualquer coisa que o prendia: Ingrid, embora não o quisesse reconhecer.
Ao anoitecer chegaram à cidade os três pistoleiros e Len, cada um por sítio diferente. Hospedaram-se no hotel como se não se conhecessem e, seguidamente, Len encaminhou-se para o «saloon», onde Percy se negou a jogar com ele, pretextando que estava cansado. Mas combinaram uma partida para a tarde do dia seguinte.
Quando chegou a hora combinada, havia bastante gente no «saloon», pois em Deming abundavam as pessoas que não tinham nada que fazer. Em seguida, os dois jogadores, que fingiram tratar-se quase com desprezo, começaram o trocar apostas.
Percy mostrou muito dinheiro. Todos os dólares eram falsos, mas sem lhes tocar era impossível dar por isso. Duas horas depois de começar a partida, perdera já quase cinquenta mil dólares.
Larsen presenciava aquilo com os olhos semicerrados e, segundo parecia, sem nenhum interesse. Só quando as apostas subiram a mais de dez mil dólares pareceu despertar. Encostado a uma coluna, observou as jogadas sem dizer palavra, em contraste com os comentários apaixonados dos outros.
Larsen vivera nos lugares mais sinistros do Oeste, trabalhara em espeluncas e conhecera batoteiros profissionais, alguns dos quais tinham sido os seus melhores amigos durante certo tempo. Por isso descobriu sem demora que aqueles dois tipos trabalhavam juntos. Um, Percy, fazia o papel de rico incauto, e o outro, Len, o de jogador sem muitos escrúpulos, mas com grande habilidade para que não se descobrissem as suas artimanhas.
Calculou que, no dia seguinte, Len seria expulso da povoação, ou pouco menos, e que toda a gente quereria jogar com Percy. Então, chegaria para ele o momento de fazer a sua colheita.
Enquanto acendia um delgado cigarro, Larsen pensava: «Bom, eu não tenho nada a ver com isso... Que se avenham os ricaços da cidade com a sua estupidez. Querem depenar Percy, mas Percy depená-los-á a eles. No fundo, não será malfeito. A única coisa que me interessa é que não apareça por cá o xerife Rocket...»
Enquanto pensava nisto, viu entrar na sala o marido de Ingrid, Roland parecia muito preocupado. Uma ruga vertical marcava-lhe a testa e até parecia ter emagrecido naquele breve tempo. Todo o seu aspeto era o de um homem que se encontra perante o maior problema da sua vida e não sabe como o resolver.
Aproximou-se do balcão, pediu uma garrafa de uísque e levou-a para uma mesa, onde a foi bebendo pouco a pouco, com semblante taciturno. Nem sequer pareceu reparar nos crescentes rumores que se erguiam na sala, à medida que decorriam as cada vez mais emocionantes partidas de póquer.
Coisa estranha, Larsen sentiu compaixão dele. Não havia motivo aparente para que Larsen sentisse aquilo. Ele era um cão fugitivo, ao passo que Roland era um homem de posição estabelecida. O normal em tais circunstâncias era que Larsen odiasse aquele homem; contudo sentia compaixão, uma compaixão sincera e veemente. Pareceu-lhe que, tudo o que fosse ajudá-lo a ele, seria ajudar Ingrid, e tudo o que prejudicasse Roland, prejudicaria também a jovem. Nem por um momento chegou a imaginar que o que tanto preocupava Roland era o modo de eliminar a sua quadrilha e ficar com os duzentos mil dólares, para depois fugir para o México. Julgou que o que o tinha tão absorto era o seu problema com o inspetor do Banco. E por isso Larsen, que já se metera em muitos sarilhos para ajudar os outros, resolveu meter-se em mais um. O pior da sua vida.
Quando Len resolveu retirar-se da mesa de jogo, depois de «ganhar» ao seu cúmplice Percy cinquenta mil dólares mais falsos do que Judas, e os comentários entre os presentes eram mais apaixonados, o jovem aproximou-se da mesa e olhou para o jogador.
— Quer dar-me a honra de uma partida? — perguntou.
Percy observou-o com os olhos semicerrados.
— Quem é o senhor?
— Estou de passagem na cidade. O meu nome é Larsen.
—Vejo que está ferido...
— Sim. O meu propósito é jogar para me distrair.
— Obrigado. Já perdi muito dinheiro por hoje.
— As partidas que lhe proponho seriam modestas. Máximo de cada aposta cem dólares.
— De quanto dinheiro dispõe?
Larsen dispunha só de mil dólares, que eram as suas economias, mas exagerou um pouco:
— Dois mil dólares.
Percy decidira começar a jogar a «sério» no dia seguinte, mas disse para consigo que não perderia nada se ganhasse um pouco de tempo. Aquela povoação parecia boa e, sem dúvida, poderiam fazer uma excelente colheita.
— Está bem, aceito — decidiu. — Mas quando o senhor ou eu perdermos os primeiros mil dólares, terminaremos.
— Não vejo inconveniente.
Larsen sabia que as primeiras partidas lhe permitiriam ganhar uma pequena importância, pois o jogador perdê-las ia intencionalmente; E, de facto, assim foi. Em breve se encontrou de posse de quinhentos dólares, entre os quais só havia uma ou duas notas falsas. Claro que Larsen ignorava esse pormenor. Julgava que todas as notas eram verdadeiras.
— O senhor já perdeu umas poucas de partidas, cavalheiro — disse. — Quer que lhe dê oportunidade de se desforrar?
— Que espécie de oportunidade?
— Mil e quinhentos numa só partida.
Os olhos de Percy brilharam um momento, só um momento. Pelo seu modo de mover as mãos, de afagar as cartas, Larsen adivinhou que uma mudança subtil, mas importante, se produzira nele. Adivinhou que a partida seria a sério, que não haveria «descuidos» da parte do seu antagonista, e que este começaria a empregar todos os truques do seu reportório.
Mas Larsen também conhecia muitos truques, aprendidos durante dois anos nas piores espeluncas de Nevada. Notara que o seu adversário, nas partidas de «apalpação», estivera a marcar as cartas com a unha, e procedera de igual modo, a fim de poder bater o seu antagonista com as suas próprias armas.
Pôs mil e quinhentos e dólares em cima da mesa —os seus mil e os quinhentos recentemente ganhos. —, convencido de que, se tivesse um só descuido, perderia tudo.
Percy colocou mil e quinhentos mais, mas estes eram falsos. Ele próprio deu as cartas, habilmente.
— Carta — pediu Larsen, depois de examinar o seu jogo.
Percy descartou-se e pediu também. Notou pelos sinais que o seu adversário tinha dois reis. Quanto a ele, escondeu cuidadosamente as marcas ao descartar-se pela segunda vez, mas procedendo com absoluta naturalidade. Viu que tinha uma sequência de cor.
— Jogo — disse.
Os dois mostraram as cartas. Larsen encontrou-se com três mil dólares e notou que o seu adversário ainda não desconfiava. Atribuíra aquilo a um capricho da sorte.
— Lamento que não tinha tido a oportunidade de se desforrar — murmurou Larsen. — Permite-me que me retire agora?
— Não é limpo retirar-se quando está a ganhar — resmungou Percy, com as feições bruscamente endurecidas.
— Nesse caso, senhor tem a palavra.
— Esses três mil contra três mil meus?
— Pois sim.
— Então, embaralhe. Compete-me partir.
Reinava a expectativa em torno da mesa. Talvez umas trinta pessoas rodeavam os jogadores. Larsen baralhou em silêncio e Percy partiu o baralho. Depois, Larsen deu cartas.
Descartou-se uma só vez. Tinha póquer de ases e o seu companheiro viu-o perfeitamente. Mas já não podia retirar a sua aposta, nem lhe restavam possibilidades de melhorar o seu jogo.
Teve de perder três mil dólares, o que não lhe importou por aí além, porque também eram falsos. A prudência aconselharia então Percy a retirar-se. Deixara em toda a gente uma excelente impressão de jogador fraco e a quem era fácil bater. No dia seguinte, os incautos aguardariam vez para jogar com ele e, sem despertar suspeitas, poderia exigir apostas fortes, para se desforrar.
Mas, pela primeira vez, Percy, jogador profissional e astuto, não se deixou aconselhar pela prudência. Aquele homem novo, que estava diante dele, do outro lado da mesa, desconcertava-o. Não sabia se era um jogador tão experimentado como ele ou um infeliz a quem acompanhara a sorte duas vezes. Mas sentia-se irritado e com os nervos à flor da pele. Não estava habituado a que lhe dessem lições.
— Joga os seis mil dólares contra outros seis mil? — resmungou.
— Decerto, senhor, embora pense que não me deveria atrever.
— Será um cobarde se não o fizer.
— Não costumo ser cobarde em questões de dinheiro, senhor. Mas se tem outra opinião...
— Corte!
Percy baralhara já. Larsen cortou. O seu adversário deu, com movimentos nervosos. E voltou a perder.
Larsen alisara intencionalmente todos os sinais de unha e o seu adversário estava desorientado. Além disso, sentia-se nervoso e dominado pelo orgulho. Pensou que já tinha bom jogo com um póquer de ases. Larsen formou uma sequência de cor. Doze mil dólares.
Começava a sentir-se perturbado, porque jamais ganhara dinheiro com tanta rapidez. E sabia que assim que o seu adversário se acalmasse um pouco começaria a perdê-lo. Em especial quando se acalmasse o bastante para empregar as cartas falsas que, sem dúvida, trazia na manga.
— Vou retirar-me — decidiu.
Pensou que doze mil dólares já não era nada mau para começo de pagamento do que Roland devia ao banco. Se os entregasse por conta, conceder-lhe-iam um crédito tão amplo quanto necessitasse. Para quê forçar mais a sorte? O melhor era abandonar o jogo naquele momento.
— Será um cobarde se se mexer dai — disse Percy, secamente.
— Faço-o por si, senhor. Já perdeu bastante.
— E que lhe importa, se quero perder mais? Sou um homem rico.
— Nesse caso, não posso competir consigo. Eu não o sou.
 — A minha próxima aposta será de cem mil dólares.
— Cem mil... quê?
— Dólares! — Contra o quê?
— Contra os seus doze mil e a sua promessa de abandonar a cidade.
— Que mal lhe faço aqui?
— Não gosto de jogadores vantagistas.
— Já reparou que me está a insultar, senhor?
— Eu só digo que não gosto deles.
— Quem me pareceu um jogador vantagista foi o seu outro companheiro, o que se retirou antes.
— Por que lhe chama «companheiro»? Julga que ele e eu nos entendemos? — resmungou Percy.
— Eu só tento defender-me, meu amigo. Só tento fazer-lhe compreender que não sou um jogador vantagista.
— Muito bem. Demonstre-o!
Agora, cabia a Larsen dar cartas. Fê-lo meticulosamente, sabendo que o seu adversário tentaria a batota, sem dúvida nenhuma, naquele instante. E, de facto, no primeiro descarte, Percy fê-la. A sua habilidade foi magnífica. No momento de se descartar e tirar nova carta, não a tirou; extraiu uma carta que tinha escondida no punho direito da camisa. O gesto durou apenas uns décimos de segundo e só os olhos experientes de Larsen foram capazes de o seguir. Sabia que o seu adversário ganharia agora e, efetivamente, formou um par de ases. Larsen só tinha dois pares.
— Lamento — resmungou Percy, aproximando as mãos do «monte». — Perdeu, amigo.
— Eu também lamento... pelo senhor.
— Que diz? Peço que se conte o baralho. Há uma carta a mais.
Percy deitou imediatamente mão ao revólver, mas os que estavam atrás dele impediram-no de o tirar. Enquanto os dois jogadores eram seguros pelos espectadores, um destes contou as cartas. Efetivamente, havia uma mais, Todos os rostos se voltaram expectantes, para Percy, que estava mortalmente pálido.
— Conhece as leis que imperam nesta terra? — perguntou o dono do «saloon». — Sabe que pode ser enforcado?
— Ninguém ainda demonstrou que essa carta fosse minha! Pode ser dele! — exclamou, apontando raivosamente com o queixo para Larsen. — Estava demasiado certo de que sobrava uma carta!
— Rogo que lhe desabotoem os punhos das mangas —pediu Larsen.
Um dos espectadores assim fez. E de cada punho saiu uma carta. Mais de uma dúzia de mãos caíram sobre o jogador. Este gritou como um rato acossado, certo de que ia ser linchado, Mas, inesperadamente, Larsen pediu:
— Não lhe façam mal, Seria desagradável que por minha causa morresse alguém nesta cidade. Porque não se limitam a expulsá-lo?
De má vontade, acederam ao que pedia Larsen. Percy foi espancado e expulso a pontapés do «saloon», e o jovem recolheu uma quantia quase suficiente para salvar Roland.
Mas não sabia que aqueles dólares eram falsos e que com eles acabava de assinar a sua própria sentença de morte. Ao voltar ao hotel, Percy reuniu-se com Len e com os pistoleiros que acabavam de chegar à cidade. Era necessário matar Larsen antes que este descobrisse que os dólares eram falsos. O crime era demasiado grave e podia fazer intervir as autoridades federais. Se o caso se descobrisse, jamais poderiam voltar a actuar em nenhum ponto dos Estados Unidos. Por isso, decidiram, que Larsen tinha de morrer... naquela mesma noite.

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