segunda-feira, 9 de abril de 2018

POL157.09 Uma mensagem de amor, esperança e paz

Igsown deteve o cavalo ao pé da senda arenosa que ia ter à nova residência dos Odd.
A Primavera mostrava-se já com todo o seu esplendor e o perfume das primeiras flores de artemísia chegava até ele vindo do prado.
Os olhos do jovem recrearam-se uns momentos na contemplação da casa recentemente acabada de construir, toda brilhante, com os tijolos agora acariciados pelo sol de Abril. Ouvia também os animais domésticos nas respetivas cortes, como sinfonia longínqua. Da chaminé erguia--se uma suave coluna de fumo.
Enquanto ele assim permanecia, embebido naquela contemplação muda, uma pequena figura humana surgiu muito perto e ficou quieta, com os braços cruzados sobre o peito. Apareceu sem fazer o menor ruído, mas os ouvidos apurados de Igswon deram pela sua presença.
— Há novidade, «Unha Curta»?
— Veio um guerreiro «navajo» com a mensagem de que os grandes chefes trariam hoje as suas prendas à tua «squaw».
— E na povoação?
— O novo pastor chegou de Salt Lake e todos os pais de família o visitaram já. O chefe Egor reuniu a população esta manhã e falou. Os ouvidos de «Unha Curta» escutaram as suas palavras sem falsidade.
— Está bem.
Igswon roçou os ilhais do cavalo com as suas esporas prateadas e o animal avançou lentamente pelo caminho arenoso, marginado de altas árvores, único sinal que subsistia do que foi outrora a casa dos Odd.
Ainda o cavaleiro não chegara à porta, quando Agar saiu, fitando com os seus olhos luminosos a figura imponente do marido. Igswon já abandonara o trajo negro que lhe dera notoriedade uns tempos atrás. Agora vestia um fato cinzento e montava um alazão, bela estampa oferecida por «Águia Branca». Os outros chefes de tribo também lhe tinham dado vários cavalos, dos melhores que possuíam.
Nessa tarde, voltariam os três chefes índios, agora com os presentes que os chefes costumam fazer às esposas dos outros chefes. Igswon presenciara muitas vezes cerimónias daquelas, durante a sua permanência nos povoados «navajos», e sabia da riqueza que encerravam essas prendas. Desmontou à porta de casa e entregou as rédeas ao «mokis». Depois subiu os degraus de entrada e abraçou Agar pela cintura.
— Estavas à minha espera?
— Vi-te chegar, lá de cima. Está um dia magnífico para dar um passeio.
— Sim. A Primavera atingiu o seu esplendor e os campos convidam a encher os olhos com a sua beleza. Este ano poderemos vender provavelmente mais de quinhentas cabeças do rebanho de «Vale Verde».
— Queres ir até às macieiras, Igswon?
— Agora?
— Sim, enquanto Akawr acaba de cozinhar.
— Pois seja — voltou-se para o índio que permanecia de pé junto da escada e disse-lhe, sorrindo: — Podes deixar aí o meu cavalo, «Unha Curta», e traz-me o de Agar. Vamos dar um passeio.
O índio largou as rédeas do alazão e dirigiu-se à cavalariça para selar a égua, enquanto Agar foi vestir a saia que usava quando montava. Igswon ficou à espera, fumando.
A paz tinha voltado a Flown Rock, sob os conselhos sábios do velho Egor, que foi eleito chefe da povoação após a morte de Ewig.
Entretanto, já tinham decorrido vários meses e, à custa de muitos e muitos sacrifícios, Igswon construíra a nova casa dos Odd sobre as cinzas da antiga, como um dia solenemente jurara, quando as chamas ainda lambiam as últimas madeiras do que fora o seu lar.
Agora, tudo' resplandecia em novo amanhecer de paz. Os campos mostravam a tenra verdura das novas colheitas e as plantas frutíferas estavam em flor, com a promessa de uma época abundante e rendosa.
Agar reapareceu daí a momentos, vestida, de amazona, pronta para ir dar o combinado passeio. Queria ver e admirar os campos floridos, respirar o perfume das artemísias no seu início de floração primaveril. Toda a Natureza cantava um hino à vida e as suas notas infiltravam-se no sangue dos jovens.
«Unha Curta» apareceu também, trazendo ajaezada a égua baia de Agar e Igswon ajudou a esposa a subir para a sela. Depois, montou ele no alazão e ambos trotaram suavemente pelo caminho arenoso, em direção aos campos.
O normalmente inexpressivo olhar de «Unha Curta» pareceu humanizar-se ao vê-los partir. Dir-se-ia que o seu enrugado rosto se iluminava ao sentir e compreender a felicidade dos patrões.
O sol ainda aquecia e o ar que vinha descendo da montanha era uma compensação de frescura, devido à neve que teimava a reinar nos píncaros das Rochosas.
Galoparam durante algum tempo, falando e rindo. Igswon deixava a égua montada pela esposa avançar uma boa porção de jardas e perseguia-a depois, alcançando-a. Pareciam crianças entregues a risonha brincadeira.
Por fim, chegaram a um dos pomares de macieiras e ele mostrou-lhe os trabalhos que se estavam realizando ali. Subiram depois ao alto de uma colina de onde se divisava um longo panorama. Igswon apeou-se e ajudou a esposa a fazer o mesmo. Dirigiram-se mais para o poente.
— Plantei sorgo onde acaba o terreno das macieiras —explicou, apontando com o dedo para o local referido. — E lá adiante fica a nossa casa, Agar.
Ela fitou-o novamente nos olhos e o seu rosto resplandeceu de ventura. Tinha as faces coradas pela ação do ar e como consequência da galopada que realizaram para alcançar aquele local, de onde se descobria o mais belo panorama dos arredores de Flown Rock. Os seus
rubros lábios, muito perto do rosto do esposo, eram tentação perpétua. E pela via desses olhos o olhar de Igswon chegou até ao coração da sua amada.
—És feliz, Agar?
— Imensamente feliz, Igswon... E a propósito... Ainda não sabes que... — remeteu-se a um breve silêncio, como se tivesse dificuldade em dizer o que pretendia, acrescentando por fim, à maneira de emenda: — Bem, Igswon, eu depois te digo...
Mas ele adivinhara, compreendera. Talvez até pela perturbação do falar da esposa.
— Agar! — exclamou, emocionado e satisfeito. —É o que eu penso? Não estarei enganado? Será verdade que...
Ela, corada até à raiz dos cabelos, acenou afirmativamente com a cabeça:
— Sim, Igswon... Um filho...
— Sonho maravilhoso, feito realidade! Um filho! Se era o maior sonho da minha vida!
Para essa inevitável pergunta, já tinha Agar uma resposta:
— Se for um rapaz, chamar-se-á Bucky. Toda a nossa felicidade a devemos em principio, a Bucky Allyson. Sem o seu sacrifício, ela não teria sido possível.
O rosto alegre de Igswon adquiriu súbita expressão de amargura ao evocar a tragédia vivida na Passagem dos Cem Guerreiros.
— Tens toda a razão, Agar. E o menos que podemos fazer em homenagem à sua memória. Bucky morreu como um valente. Nós devemos-lhe tudo.
Tornaram a olhar-se de perto. Igswon levantou com as duas mãos o rosto da esposa e beijou-a ardorosamente nos lábios.
Uma andorinha sulcou o espaço em voo baixo e a doçura do seu trinar soou na alma daqueles dois seres apaixonados como nova mensagem de amor, de esperança, de paz...
FIM

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