sábado, 7 de abril de 2018

POL157.07 A povoação do cacique a ferro e fogo

Os bandidos saíram em confuso tropel e gritaram com alvoroço, vendo os seus perigosos inimigos caídos por terra. O que vinha à frente reparou no primeiro deles e, ao reconhecer Bucky, atirou-lhe um pontapé às costelas. O ruivo, que não se resignava a perder qualquer oportunidade, apelou para as derradeiras forças e apertou o gatilho do revólver pela última vez na vida. Também foram as últimas as palavras que então pronunciou:
— Vem comigo... para o inferno... Whosk!
Nada mais disse. Uma bala entrou-lhe pela boca, alojando-se no crânio. E entrou no outro-mundo com a imagem de Whosk a cair morto, varado pelo seu último projétil.
A oportuna chegada de Stephen Ewig evitou que um dos pistoleiros matasse também Igswon, que estava desmaiado.
— Esse não! — gritou o senhor absoluto de Flown Rock, dando uma palmada no braço do bandido. — Quero-o vivo, por agora. Dar-lhe-ei uma lição em público para servir de exemplo aos que pensem levantar-se contra mim. Se é que está vivo ainda.
O pistoleiro agachou-se junto de Igswon e respondeu pouco depois:
— Tem umas duas balas no corpo, segundo parece, chefe. Mas nenhuma é tão grave que o mande ao inferno.
— Antes assim. Mas ele preferiria ter morrido se adivinhasse o que lhe vai acontecer. Tirem por aqui os cavalos e vamos atacar esses rebeldes pela retaguarda.
Os pistoleiros apressaram-se a cumprir a ordem do chefe. Este chamou de parte um dos seus homens.
— Vais levar este amaldiçoado para a povoação. Se o deixares fugir, terás no lombo meio milhão de chicotadas!
O pistoleiro deve ter achado impossível aquilo de meio milhão de chicotadas. Mesmo assim, curvou-se com servilismo perante o chefe e respondeu:
— Não o deixarei fugir, não.
Algum tempo depois, começaram a aparecer os pistoleiros com os cavalos. Reunidos todos, Ewig montou também no seu alazão e ordenou o ataque.
Nesse momento, Agar chegava ao acampamento dos rebeldes e transmitia a Ynn e Siem as indicações dadas por Igswon.
A noticia de que o chefe dos proscritos estava ferido causou a pior impressão naqueles homens rudes que militavam sob as suas ordens. Ynn pediu ao velho Wess que acompanhasse Agar até ao «jogan» de «Unha Curta» e lhe desse o enigmático recado de Igswon Odd. O velho resmungou, pois também queria lutar, mas acabou por ceder e partir pouco depois, com a rapariga, enquanto os mórmones estudavam rapidamente o plano a seguir em conjuntura tão difícil.
Reconheceram que vários homens deviam seguir imediatamente para a passagem secreta de onde viera Agar. Acordaram, finalmente, em que Siem ficaria ali com alguns e os outros, chefiados por Ynn, uns escassos dez homens, acorreriam ao túnel.
Principiava a amanhecer, O céu deixava a sua cor azulada e tomava um tom acinzentado, que se ia tornando cada vez mais claro. Já morriam as sombras no prado e na montanha.
A velocidade cega dos dois grupos de inimigos impediu-os de se aperceberem uns dos outros. Só deram por isso ao contornarem uma gigantesca rocha. A surpresa foi mera questão de segundos. Os revólveres trovejaram de um lado e outro a poucas jardas de distância.
Nos primeiros momentos tiveram vantagem os homens de Ynn. Mas o maior número de pistoleiros impôs-se rapidamente e os rebeldes retrocederam. Ynn, praguejando, encorajava os seus homens, embora estivesse a pensar que o aparecimento dos inimigos significava decerto que Igswon caíra para sempre, naquela sua tentativa de salvar a noiva.
Vendo que não podiam aguentar o ímpeto dos bandidos, Ynn deu ordem para que se retirassem, regressando ao vale onde estava Siem com os outros seus companheiros.
Os de Ewig lançaram-se em feroz perseguição, a todo o galope, disparando as armas incansavelmente, se bem que sem proveito, dada a excessiva distância que os separava. Os primeiros raios do sol davam o seu beijo cálido nos altos píncaros das montanhas quando as armas dos companheiros de Siem puderam entrar em ação, auxiliando os que fugiam para junto deles. A partir de então a luta endureceu.
Os tiros trocados visavam levar a morte com eles. Os rebeldes estavam em plena desvantagem. Do alto do desfiladeiro, os bandidos aí situados dominavam grande parte do vale e, em baixo, os de Ewig impediam a fuga dos inimigos, com eficácia.
— Igswon Odd caiu! — gritou um dos pistoleiros, a mando do chefe. — Rendam-se! Ewig perdoar-lhes-á. Poderão regressar a casa!
—Se nos rendermos — replicou Siem — Ewig manda-nos enforcar na praça. Já conhecemos bem esse assassino.
—Idiotas! Lembrem-se de que Igswon já caiu!
— Vingá-lo-emos, acabando por fazer o que ele não conseguiu!
Furiosos ao máximo, vendo que o inimigo não cedia, Ewig ordenou um ataque em forma. Recrudesceu a luta. A superioridade numérica dos pistoleiros voltou a impor-se. Ynn e os homens que lhe restavam não tiveram remédio senão retroceder para o outro lado do vale e meter pelo prado, fugindo à infalível derrota. Uma vez aí, pararam para ver se detinham o avanço dos perseguidores.
Procuraram o entrincheiramento em penhas e dai abrir fogo contra os pistoleiros. Com as primeiras rajadas abateram três ou quatro, mas os demais prosseguiram até materialmente lhes caírem em cima.
O embate não podia ser pior para os rebeldes. Durante alguns minutos, a confusão foi indescritível. Era um reboliço de homens disparando uns contra os outros, em que a vantagem estava do lado dos cavaleiros.
Sete homens dos proscritos, aqueles que foram sobreviventes do combate, estando ainda a cavalo, conseguiram fugir a todo o galope, com os de Ewig a perseguirem-nos de perto.
Ynn e Siem tinham caído na última fase da batalha...
***
Já havia algum tempo que o sol rolava preguiçosamente para o zénite quando os restantes homens de Ewig se reuniram ao chefe e se encaminharam para Flown Rock. Só tinham escapado seis dos rebeldes, que se perderam no labirinto das montanhas próximas.
Ainda estavam longe da povoação, mas não se incomodavam com isso, agora que tinham derrotado os inimigos. Os rebeldes acabavam de sofrer o maior desastre guerreiro desde que se juntaram sob o comando de Igswon Odd. Além disso, o próprio cabecilha estava em seu poder. A vitória sorrira-lhes por fim abertamente. Ewig sentia-se o mais satisfeito possível, porque se livrara do maior perigo dos últimos tempos. Voltaria a mandar autoritariamente, sem receio algum, nos seus domínios de Flown Rock.
Projetava fazer com Igswon uma demonstração de poder que servisse de escarmento, como nenhuma outra os habitantes daquela zona de Utá haviam jamais presenciado. Já se regozijava só de pensar no castigo que ia aplicar ao chefe dos rebeldes. Faria reunir na praça todos os mórmones de Flown Rock e depois começaria a lição no corpo do inimigo para que ninguém tivesse desejos de o imitar na rebeldia.
Um dos seus homens sugeriu:
— Parece-me que este momento seria o melhor para procurarmos o refúgio dos proscritos e acabar com os poucos que restam.
— Esses já não têm força. E os outros mórmones da povoação não mais ousarão resistir-nos. Bem vês o que sucedeu ao mais atrevido de todos. Sem esse chacal, os restantes não são perigosos.
— Mesmo assim, não era mau dar cabo deles, agora que não têm chefe. Uns quantos de nós bastavam para os liquidar definitivamente.
—Depois pensarei nisso.
O bandido retirou-se para junto dos companheiros e Ewig continuou à cabeça da cavalgada, pensando de facto na ideia exposta pelo outro. Para já, interessava-lhe desfazer-se de Igswon Odd, espetacularmente. Aquele rebelde fora um terrível pesadelo. E enquanto não o visse morto...
Deviam faltar umas cinco milhas para chegarem à povoação. Apertava o calor endiabradamente e a pelagem dos cavalos rebrilhava com o suor. Os campos por onde seguiam já principiavam a amarelar. De espaço a espaço viam-se os telheiros que tinham servido de abrigo aos recolhedores da fruta.
Finalmente, tiveram à vista a povoação, cujas casas, entre vermelhas e negras, se apinhavam no fundo do vale. Tudo ali permanecia tranquilo. De algumas chaminés erguiam-se com preguiça delgadas colunas de fumo.
Stephen Ewig sorriu sarcasticamente. Quando ele chegou a Flown Rock, tudo era mais ou menos como agora. Os habitantes da povoação estavam habituados a vegetar, sem que ninguém lhes proibisse os caprichos nem lhes desse ordens. Foi-lhe difícil armar em chefe da povoação, mas a natural indiferença dos seus moradores ajudou-o no ponto principal. Depois, impôs-se pela força.
Em cada nova colheita, as suas arcas enchiam-se mais e mais. Houve um momento em que alguns recalcitraram, negando-se a pagar os impostos. Então foi implacável com esses. Quando o velho Odd se negou a pagar, decidiu «dar uma ensinadela para exemplo». Tudo teria corrido bem daí por diante, se não fosse aquele Igswon dos mil demónios, que não estava em casa e por isso ficou vivo. Agora, o poder do rebelde extinguira-se. Todos iam ver em Flown Rock o castigo que lhe reservava.
Já começavam a descer para o vale quando um dos pistoleiros se dirigiu ao chefe e lhe chamou a atenção.
— Olha para ali, chefe Ewig.
Ewig seguiu com a vista a direção indicada pelo braço estendido do pistoleiro e franziu a testa.
—Parecem ser sinais índios.
Todos olharam.
Ao longe, nos altos picos das montanhas, levantavam--se quatro colunas de fumo negro e espesso que de tempos a tempos se interrompiam formando nuvens soltas, as quais se diluíam depois no tranquilo ar da montanha. Todos tinham visto muitas vezes sinais daqueles, que os índios usavam para comunicar um povo com outro mesmo estando longe entre si.
Ewig sabia que os peles-vermelhas tinham já terminado a caça nos prados e permaneciam nas suas terras, preparando as peças obtidas para passarem o Inverno. Aquelas colunas de fumo não lhe agradaram. Os índios daquela região eram pacíficos e viviam sem contactos com os brancos, mas sempre haveria o perigo de um dia lhes dar na veneta desenterrarem o machado de guerra e lançarem-se diabolicamente contra as povoações dos seculares inimigos.
Desviou o olhar da montanha e volveu-o para as edificações de Flown Rock, a seus pés.
— São sinais, evidentemente — disse o pistoleiro que os descobrira. — Mas...
— Devem comunicar-se as tribos do Deserto Pintado com as dos vales altos. Talvez anunciem o resultado das caçadas.
— Pode ser... Não gosto desses pássaros sarapintados... — murmurou o outro, afastando-se para ir ocupar a posição que lhe competia.
Ewig, sem responder, deu ordem de prosseguir para a povoação. No intimo, também ele não gostava daqueles sinais que se viam de tempos a tempos, mas em parte já se acostumara a eles e nunca deixava de estar prevenido para o que desse e viesse. Não havia muito, algumas tribos do Norte tinham-se levantado contra os colonos e arrasaram várias povoações. Parecia que os índios voltavam a tornar-se belicosos.
Já era meio-dia. O sol escaldava, os seus raios entonteciam, e as pedras, com exagerado aquecimento, magoavam as patas dos cavalos. O próprio ar parecera transformar-se em fogo e ao introduzir-se nos pulmões dava a impressão de os ressecar.
Finalmente, chegaram aos arrabaldes de Flown Rock. Respiraram, aliviados. Dentro de minutos refrescariam as gargantas e descansariam daquela tão dura jornada que roubara a vida a muitos companheiros. Algumas caras assomaram às janelas para os verem passar e as suas mudas expressões não revelavam nada: nem ódio, nem contentamento.
Mas Ewig não era parvo e sabia que todos mais ou menos o odiavam e que só o receio do chicote o mantinha no lugar que tinha ocupado usando a violência.
Agora, porém, já podia respirar, sem temer os rebeldes da montanha, que ficaram dizimados e sem chefe. Voltaria a explorar os habitantes de Flown Rock, exigindo-lhes quanto quisesse. E quando juntasse algumas riquezas mais, antes que se metesse na sua vida o bispo principal de Salt Lake, abandonaria para sempre aquelas paragens.
*
Entretanto, no acampamento dos «navajos» de «Aguia Branca», no interior do Deserto Pintado, o grande chefe índio ordenava que todos os seus guerreiros montassem nos pequenos e velozes cavalos e tomassem as flechas e os «tomahawks» para ajudarem o irmão «rosto-pálido» na luta contra os seus ferozes inimigos.
Uns trezentos cavaleiros, com os seus vistosos penachos de guerra e dando gritos selvagens, abandonaram o povoado e lançaram-se em tropel seguindo «Águia Branca» pelos caminhos do Deserto Pintado, em direção ao vale dos proscritos. As colunas de fumo tinham sido vistas do acampamento de «Pena Ligeira» e a voz de alarme fez que todos os seus guerreiros saíssem das tendas para ouvirem o chefe.
Ao mesmo tempo, outros deles subiram aos picos mais elevados da montanha e acenderam fogueiras anunciando que tinham tomado conhecimento da nova e que iam acorrer ao apelo. «Pena Ligeira» falou aos seus homens:
— «Pena Ligeira» fala aos seus bravos guerreiros para lhes dizer que nosso irmão, o chefe Igswon Odd, necessita de ajuda. O chefe «rosto-pálido» Odd sempre demonstrou ser amigo do povo índio e montou os nossos cavalos para ir à caçada do búfalo connosco.
Os «navajos» da montanha moveram afirmativamente a cabeça, adornada com uma só pena de águia, e um deles, muito velho, adiantou-se aos demais para dizer:
— Os guerreiros de «Pena Ligeira» estão prontos a desenterrar o machado de guerra e partir quando ordenares. «Olho de Falcão» falou.
Os quatrocentos e tantos guerreiros correram para as suas montadas, sem sela, dando gritos de alegria que ribombavam nos desfiladeiros próximos.
«Pena Ligeira» também subiu para o seu magnífico e belo cavalo. Agitou o braço direito em movimento circular, dando ordem de partida.
O exército de homens de cor lançou-se para os canhões da saída, após o chefe, e os seus gritos de guerra perderam-se ao longe, igualmente em direção ao vale dos rebeldes.
Idênticas provas de terem sido captados os sinais das fogueiras de «Unha Curta» viram-se mais ao Norte, onde tinha seu acampamento o mais velho dos chefes «navajos» que viviam naqueles rincões das Montanhas Rochosas.
«Dente de Lobo» e o seu filho «Pé de Búfalo», à cabeça dos guerreiros sob as suas ordens, galopavam celeremente em direção igual à que seguiam os irmãos de cor. Principiava o sol a descair do zénite, quando mais de mil guerreiros índios irrompiam no vale cerrado por altos muros e os três chefes se aproximaram do «mokis» para lhe perguntarem onde podiam encontrar o jovem Odd. Antes de o velho índio ter tempo de responder, um dos seis homens cheios de pó que se tinham juntado a «Unha Curta» deu a notícia:
—Igswon Odd caiu para sempre. Com ele caíram quase todos os nossos e só nós nos salvámos. Antes de cair, Igswon disse a Agar: «Avisem os meus irmãos índios».
Os três chefes «navajos» olharam uns para os outros. Depois, montando novamente, deram aos seus guerreiros a ordem: «Atacar a povoação de Flown Rock, a ferro e fogo».

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