A expressão de Aurora não mudou muito até que ele saiu do seu lado. Empalideceu um pouco, e depois a ferida que havia no seu rosto desapareceu por completo, dando lugar a uma amarga desilusão.
Aquele selvagem tinha-se ido embora. Aquele grande estúpido não sabia que se tivesse insistido um pouco, lhe tivesse dado mais um beijo, ela teria claudicado.
E era esse precisamente o temor de Aurora, o de saber-se mole como a cera, perante ele, já que cometera a insensatez de lhe confessar o seu amor. Por todos os meios tentara afastá-lo de si, até que tivesse acabado com Lon Lorrigan. Feito isto, já nada a importava, visto que no final seria o casamento.
Todos estes raciocínios eram feitos por Aurora, estendida sobre a cama, soluçando amargamente, sem compreender que tudo o que pensava tinha falta de lógica, assim como o seu comportamento.
Meia hora depois, Aurora levantou-se e enxugou as lágrimas com as costas da mão. Depois foi até ao espelho e, sabiamente, tirou todas as marcas do choro. Feito isto, desceu ao «saloon».
Jimmy soube-o sem a ver, pois todos os olhares se dirigiram para ele, que acabava de beber o seu quarto copo de «whisky».
Lorna e Marisa, que deambulavam pelas mesas, dando e recebendo piropos dos vaqueiros, detiveram-se também para o olhar. Mas Jimmy voltara-se de cara para o balcão, corn ar insolente e depreciativo. Pediu mais «whisky», e começou a bebê-lo em pequenos sorvos.
Aurora viu-o e desviou-se do caminho que seguia para se dirigir ao tablado. E com isto todos souberam o que se passara entre a bela mexicana e o forasteiro. Os comentários começaram a meia voz, e pouco a pouco o «saloon» parecia-se ao zumbido de uma gigantesca colmeia.
Nem Jimmy nem Aurora pareciam dar conta do que ali se passava. O primeiro continuava a beber, e ela, por sua parte, movendo as ancas, acabou por subir ao tablado. Fez um gesto com a mão, e alguns calaram-se. Pouco a pouco o «saloon» ficou em silêncio e ela, acompanhada por um velho que tocava num não menos velho piano, começou a cantar.
Uma salva de palmas recebeu a cancão. A esta seguiram-se mais, mas Jimmy, ao balcão, não parecia inteirar-se de nada. E talvez assim fosse, porque desde o primeiro copo que o seu pensamento estava posto em Joe Milton, o homem que, sem o conhecer, era o pesadelo da sua vida. Os seus pensamentos giravam em torno deste e de Aurora, a qual mandava para o diabo, cada vez que isso sucedia.
Lentamente, os jogadores e vaqueiros foram-se retirando.
Entao o jovem pareceu voltar a realidade, pois virou-se e olhou em redor. A primeira coisa que viu foi Kirby, sentado numa mesa, com um maço de cartas na mão, com o qual fazia uma serie de habilidades dignas de um mago. Davison estava de pé, inclinado sore a mesa da roleta, fazendo girar a roda com um só dedo, e de forma pausada. Marisa e Lorna andavam de um lado para outro.
E Jimmy não pôde evitar reconhecer o encanto que se desprendia delas, seguiu-as com a vista durante algum tempo. De repente os seus olhos toparam corn Aurora que estava sentada numa cadeira, como uma rainha, com as suas grandes pernas cruzadas uma sobre a outra. Jimmy já não pôde afastar os olhos dali.
Por fim o local ficou vazio. Caryl Morrison, o «barman», também acabara de limpar o balcão, e saíra, depois de dar as boas noites. Kirby e Davison subiram as escadas que levavam ao piso superior. Finalmente, Marisa e Lorna retiraram-se discretamente, ao verem que Aurora não afastava os olhos de Jimmy, nem este de Aurora.
E quando ficaram os dois sós, Aurora levantou-se e caminhou para ele. Jimmy não se moveu. O seu semblante tão-pouco refletia o que pensava. E Se Aurora julgou surpreende-lo, primeiro cm os seus suaves movimentos ao aproximar-se, detendo-se a menos de meia polegada do jovem e depois com aquela pergunta que ele esperava desde que ela se levantara.
—Quando partes de Dumas, Jimmy?
Por momentos esteve decidido a manda-la para o diabo. Mas resolveu dizer outra coisa.
— Amanhã, Aurora. Mas se te incomodo aqui fá-lo-ei agora mesmo. Não será a primeira nem a ultima noite que dormirei debaixo das estrelas.
— Para o Texas, Jimmy?
— Sim.
— Joe Milton? Sim. É uma obsessão, Aurora.
— Podes ficar o tempo que quiseres, Jimmy. Mas, entretanto, vem.
E como anteriormente, Aurora pegou-lhe numa mão, arrastando-o atras de si. Ele deixou-se conduzir até a escada. Ela largou-o e voltou-se rapidamente para o enfrentar. A saia rodopiou e abriu-se. Jimmy olhou-a nos olhos.
— Não me perguntas aonde te levo, Jimmy?
O jovem encolheu os ombros, e ela não insistiu. Sempre um atrás do outro, alcançaram o corredor. Aurora entrou no seu quarto e acendeu o candeeiro de petróleo, abriu uma gaveta e chamou-o.
— Entra, Jimmy.
O jovem atravessou o umbral, olhando de maneira estranha. Ela tinha as duas mãos atras das costas e Jimmy aproximou-se lentamente. Deteve-se a um metro e cravou os olhos nos de Aurora como antes o tinha feito.
Sem dizer uma palavra, Aurora tirou as mãos de trás das costas, e Jimmy sentiu-se atónito ante o enorme maço de notas que Aurora lhe mostrava, oferecendo-lhas.
— Que é isso, Aurora?
Ela sorriu suavemente.
— O teu dinheiro, Jimmy. Ganhaste a partida. A estúpida que te desafiou, ficou verdadeiramente enamorada por ti. Fui uma parva ao lançar-me contra um homem a quem todas as mulheres se rendiam. Mas eu sabia que se não fosse desse modo, não virias. Se te falasse de perigos, tiros, interesses e ambição, continuarias o teu caminho. A «Procura Sarilhos» Jimmy só havia uma coisa que podia interessar: uma mulher formosa. Sei que para veres uma, cavalgarias milhares de milhas. Por isso escrevi daquela maneira. Agora... o «pistoleiro» mulherengo pode contar com outra na sua coleção.
— Não matei Lon Lorrigan, Aurora. Portanto, esse dinheiro muito teu.
— Equivocas-te, Jimmy, e bem o sabes. A carta dizia que haveria cinquenta mil dólares, se conseguisses fazer-me enamorar de ti, e conseguiste-o. Toma-os. E... maldito sejas mil vezes!
Jimmy estendeu a mão e recolheu o dinheiro. Em seguida lançou-o contra a parede. Ela deu um grito de gata e deitou-lhe os braços ao pescoço. Jimmy quis safar-se, mas não pôde. Sem saber o que fazia, encontrou-se a beijá-la, sentindo os lábios dela nos seus, prometedores, como o tinham sido antes.
Pouco a pouco separou-se dela, olhando-a. Durante uns minutos nenhum falou. Jimmy pensava nos prós e contras do casamento com uma mulher daquelas. É certo que antes aceitara essa ideia, mas só enquanto não matasse Lorrigan. Depois, abandonava-a.
Aurora, por seu lado, não podia falar. Jimmy decidiu-se, por fim.
— Ouve, Aurora. Eu vim aqui, como pensaste, e bem, pelo repto que me lançaste. Por outro lado, Joe Milton está no Texas, e este é um caminho como qualquer outro para chegar até ele e conhecê-lo. Se aceitei ou te fiz a proposta de casamento, foi por... Enfim, Aurora... pelo simples facto de te querer dar uma lição. Se ouviste falar de mim, sabes quanto odeio os ladrões. E tu, és tanto ou mais ainda do que Lon Lorrigan. Tu também queres ser a dona absoluta de Dumas. Por isso vou-me embora. Só por isso, Aurora.
Mas sabia que era por algo mais que não se atrevia a dizer. Por aquele passado que pesava sobre ela como uma onça de chumbo. E ao pensar nisso, Aurora sentiu desejos de dizer toda a verdade, todo o seu grande segredo.
Olhou-o, disposta a fazê-lo, mas não pode. Que diria ele? Se tudo o que suspeitava desde que o viu era verdade, rir-se-ia dela, e Aurora preferia a morte, antes que Jimmy soubesse...
E ante o pasmo do homem, a jovem não replicou nada.
Limitou-se a assinalar a porta.
Jimmy iniciou a saída e Aurora voltou a falar, quando ele já estava no umbral:
— Não venhas despedir-te, Jimmy — disse num sussurro. —É tarde e tenho sono. Agradecer-te-ei do fundo da alma.
Jimmy saiu para o seu quarto, e completamente as escuras, sem se despir, deitou-se em cima da cama. De repente, Joe Milton, Aurora, Marisa, Lorna, Lorrigan e os seus pistoleiros, começaram a inundar os seus cérebros.
As horas foram passando lentamente. Dentro do «saloon» tudo era silêncio. Tudo parecia dormir.
Nem Aurora nem Jimmy o tinham conseguido ainda. Ela, porque aquele segredo, oculto durante tanto tempo, pairava sobre os seus ombros, ameaçando derrubá-la. Jimmy, porque estava mais disposto ainda do que antes a partir, mas enviando para o diabo Lorrigan e mais alguns. Era a única coisa que podia fazer em paga do amor que despertara em Aurora San
Roman.
E foi quando confessava a si próprio que a sua atitude tinha todos os aspetos de uma fuga, quando ouviu aquele ruido.
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