terça-feira, 17 de abril de 2018

CLF043.05 A história de Aurora

No centro do «saloon», Aurora San Roman viu-o partir sem saber se sentia desejos de gritar ou de chorar.
Nenhum dos sentimentos que dançavam dentro do seu peito desejava ver aquele rosto impassível como unia máscara. E como fascinada, tal como uma bela estátua, ficou a olhar os batentes, enquanto os pensamentos desencontrados se baralhavam no cérebro.
Mal o vira entrar no «saloon», sentiu algo que lhe subia à garganta, ameaçando afogá-la. Depois, aquela sensação foi substituída pelo desejo de o atar. Esperou que o fizessem os «pistoleiros», e quando os viu fracassar, golpeou-o com a garrafa na cabeça.
Aurora manejara a garrafa com todas as suas forças, mas aquele mastodonte tinha a cabeça dura como uma rocha. Só tinha perdido o conhecimento. E ao vê-lo a seus pés, a jovem compreendeu que não podia acabar com ele daquela forma.
Esperou que ele voltasse a si e disse aquelas palavras, como podia ter dito outras quaisquer. Não sentia desejos senão de o matar.
E ele comportou-se de tal maneira...
Aurora não quis pensar nisto e sentiu desejos loucos de fazer-lhe pagar a afronta. Pelo menos, ela assim julgava. Mas enganou-se.
E ao inclinar-se sobre a figura imóvel de Callender, sentiu que o ódio ameaçava consumi-la.
O guarda-costas tinha os olhos abertos e não podia falar. O queixo estava fraturado e ela, marcando um profundo contraste com os seus anteriores pensamentos, disse:
— Pagar-te-ei o que pedires, se esqueceres este incidente, Callender.
Os olhos do «pistoleiro» refletiram uma surpresa sem limites. Aurora continuou:
— Necessito que ele viva. Esse homem é só meu...
— Mas, patroa...
A voz saiu de alguém que estava atrás dela e Aurora voltou-se como uma serpente cascavel.
— Que se passa, Kirby? — perguntou àquele que, juntamente com Davison estava agora de pé, por detrás dela. — E quanto a ti, Davison? — continuou a perguntar.
Ambos os homens não responderam, e em vista daquele mutismo a jovem continuou com voz fria e lenta:
— Sou eu quem manda e paga. Com esse homem tenho uma conta pendente que quero ser eu própria a liquidar. Por isso pago-lhes mais para que esqueçam o que se passou e o protejam no caso de alguém tentar matá-lo. Qual é a vossa resposta?
Kirby e Davison olharam-se e no solo os olhos de Callender brilharam. E ambos assentiram com a cabeça. Mas os dois equivocaram-se quanto aos motivos que tinha Aurora San Roman para desejar aquilo. Esta olhou para Callender.
— E tu, qual é a tua resposta?
Callender assentiu com a cabeça, e fez uma careta de dor. Aurora dirigiu-se de novo a Davison e Kirby:
— Tragam o médico. Callender tem o queixo partido.
Nenhum dos dois replicou, sabendo de antemão que de nada valeria fazê-lo. Iam já a sair a porta, quando ela acrescentou:
— E não quero tiros com os homens de Lon Lorrigan.
Nenhum dos dois replicou, sabendo que de nada valeria fazê-lo. A patroa tinha dado uma ordem, e havia que cumpri-la, para que não perigassem as suas vidas. Se ela quisesse, teria sido a primeira a ordenar os tiros.
Saíram para a rua e a jovem olhou para o extremo do «saloon», agora deserto de clientes. Lorna e Marisa estavam juntas. Olharam-na.
— Vamos — chamou Aurora. — Ajudem-me a tratar dele enquanto não vem o médico.
As duas raparigas aproximaram-se e Aurora olhou-as quase com raiva e ódio. Ambas o notaram e ficaram momentaneamente desconcertadas. Mas não chegaram a inclinar-se sobre Callender, pois naquele momento Kirby e Davison chegavam com o médico.
— Estava quase à porta — disse o primeiro.
Sem replicar, Aurora afastou-se para os seus aposentos.
Sentia-se colérica, cheia de nervosismo.
Voltou a pensar em Jimmy. Seria possível tanto cinismo num homem?
Sentiu vontade de chorar, e gemeu entrecortadamente.
Sentia-se só, desemparada, no meio de um caos que só a presença daquele homem produzira em segundos. Ao entrar no seu quarto encontrou um homem sentado na cama, com uma garrafa de «whisky» na mão.
Aurora ia a falar, mas Jimmy pôs-se de pé rapidamente, e disse:
— Não vim ver a tua cara, Aurora. Quero simplesmente que me digas se conheces em Dumas alguma mulher que esteja em dificuldade. Uma mulher que tenha podido escrever isto.
E «Procura Sarilhos» Jimmy tirou a carta da camisa deu-a a Aurora. Esta nem se mexeu. Fascinada, olhava aquele papel que bem conhecia.
— Mas... mas...
Jimmy interrompeu-a.
— Eu sou «Procura Sarilhos» Jimmy. Acaso és tu a mulher que escreveu esta carta?
Jimmy esperou a resposta, e, ao fixar-se naqueles olhos, não conseguiu entender o que eles expressavam, nem porque o olhavam daquela maneira. Foi a falar, mas Aurora adiantou-se, fazendo uma pergunta que o desconcertou completamente, pela entoação com que foi feita:
— Vo...; tu és «Procura Sarilhos» Jimmy? Tu?...
Jimmy franziu o cenho.
— Que há de mal nisso, Aurora? Será por causa da tareia que te dei?
Jimmy disse aquilo, só para a ver furiosa, pois agradava-lhe ver o brilho satânico dos seus olhos. Mas enganou-se, pois Aurora, muito calma, aproximou-se dele, olhando-o fixamente. O jovem sentiu-se inquieto, pela primeira vez na sua vida.
— Senta-te, Jimmy! — disse ela subitamente. E também desta vez o jovem notou a entoação estranha que ela dava ao seu nome. Jimmy sentou-se e ela ficou frente a ele, incitante e tentadora, e o seu perfume invadia a mente do jovem.
— Eu escrevi essa carta e é verdade o que digo nela.
— Inclusivamente que não te enamorarias de mim? Quando nos casamos?
Aquelas duas perguntas, carregadas de ironia, fizeram-na estalar:
— Vai passear, Jimmy! Não nos casaremos.
— Então vou-me embora.
— Por favor — disse ela, mostrando-se subitamente dócil. — Podemos arranjar isso com dinheiro.
Jimmy riu.
— Essa é a outra face da medalha — replicou.
— Como?
—Que com vinte mil dólares e contigo, me conformo. Pensa nisso, pois foste tu quem me chamou. Estamos um para o outro. Eu, um homem que aluga o gatilho, e tu uma mulher que quer algo. Somos da mesma ralé, Aurora.
A ela fizeram-lhe muito mal aquelas palavras, mas, como sempre, soube dissimular as suas emoções.
— Não há outra solução? — perguntou. — Posso dar-te vinte e cinco mil mais, se...
Jimmy pôs-se de pé.
— Da mesma ralé, Aurora. Isso, ou nada.
O jovem ia a sair a porta, mas Aurora agarrou-o por um braço. Jimmy deteve-se e olharam-se nos olhos. Depois lentamente, o jovem acercou os lábios dos da mulher e ela esquivou-se. Mas três minutos mais tarde, completamente vencida, disse:
— Quando começarás, Jimmy?
O jovem captou de novo aquela estranha entoação que ela punha no seu nome cada vez que o pronunciava.
— Antes tenho de saber com quem vou lutar.
—Trata-se de Lon Lorrigan, Jimmy.
— Quem é ele?
— O homem que quer este «saloon».
—E tu não queres nada dele?
— Maldito sejas, Jimmy! Claro que sim! Para que nos enganarmos um ao outro, se já nos conhecemos? Presta atenção ao que vou dizer-te, pois advirto-te, que não o voltarei
a repetir.
E Aurora teve que se calar para poder respirar, vítima da sua própria paixão, do fogo que a consumia.
— Sou filha de pai espanhol e mãe mexicana — continuou a jovem, ao cabo de uns minutos de silêncio. — Não vou contar-te a minha infância, já que isso não interessa agora. Quando tinha dezanove anos, vivia em Byles, na margem do Gila, no Arizona. Conheci um homem a quem amei muito, e segundo parece, também ele a mim. Amámo-nos durante mais de um ano. Quando já tínhamos anunciado o casamento, veio a guerra e ele partiu para a frente. Não o voltei a ver.
Aurora aproximou-se do jovem e agarrou-se à camisa dele, cheia de ardente paixão.
— Foi um canalha, Jimmy. Primeiro vieram as cartas, depois estas foram escasseando até que cessaram por completo. Mas era demasiado tarde, Jimmy! Tive que partir de casa de meus pais, depois de eles morrerem e... passei pelo pior. Conheço os acampamentos militares de ambos os lados. as piores guaritas de quase todo o Oeste, tudo, para ver se encontrava esse canalha e poder vingar-me... mas nunca o atraiçoei nem em pensamento. Quando arranjei algum dinheiro, vim para aqui. Montei um negócio que rende bastante. E sem falcatruas, Jimmy! Podes compreender isto? Ainda que sejamos da mesma ralé? E não quero perdê-lo! Compreendes isto, Jimmy? Dizes que me ajudarás se eu aceder a casar-me contigo. Pois bem, Jimmy, acedo se continuares a pensar da mesma maneira, depois de teres ouvido a minha história!
O jovem não afastava os olhos dela, que se calara, olhando-o de maneira estranha que o conseguiu perturbar.
Jimmy nada disse e Aurora continuou:
— Lon Lorrigan não estava em Dumas quando eu cheguei. Apareceu um ano depois, e montou o «saloon» que está à saída da povoação, no outro lado da rua. Desde então, faz-me um terrível cerco, que de momento a momento se torna irresistível. De vez em quando, manda um ou outro «pistoleiro», como esses que mataste porque te surpreenderam beijando Lorna — Jimmy juraria que os olhos dela brilharam ao dizer aquilo. — Incomodam as raparigas e conseguem fazer o descrédito do local. Perco dinheiro e clientes. Jimmy, penso pagar na mesma moeda! Vou atacá-lo do mesmo modo. Ele quer ser o dono de tudo, e eu também! Tens que ajudar-me, Jimmy! Tens... que ajudar-me, agora que estás aqui! Dar-te-ei uma parte do negócio, todo o negócio, mesmo, se o desejares. E serei para ti somente o que tu quiseres que eu seja. Jimmy, diz-me que o farás!
E Aurora atirou-se a Jimmy, beijando-o.
Depois, lentamente, Jimmy afastou-a.
— Fico e ajudar-te-ei, Aurora. Mas com uma condição.
E Jimmy calou-se, aguardando a resposta que não se fez esperar.
— Di-la, Jimmy, que eu aceito-a de antemão.
Este não vacilou.
— Não sei o que te pedirei depois, Aurora. Pode ser que te deixe sem um só dólar.
O jovem não entendeu o olhar dela.
— É igual, Jimmy. Isso fica para a tua consciência de homem, se a tens. Jimmy não esperava tal resposta.

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