O xerife não ignorava o perigo que corria se desobedecesse
às ordens do homem que o ameaçava na escuridão. A vida dele não era mais
respeitada que as outras, as que se perdiam diariamente em Santo António, e era
muito compreensível que um movimento mais lhe provocasse a morte. No entanto,
estava resolvido a levar a cabo o seu propósito.
- Sei que me convém obedecer-lhe – disse lentamente – mas não
estou disposto a isso. Morrerei, se for necessário. Bem vê que não tenho
nenhuma arma. Não pretendo lutar; apenas cumprir o meu dever; vou prendê-lo.
E voltou-se rapidamente, com manifesta energia.
O revólver que o xerife Rowe adivinhava nas mãos do
adversário permaneceu mudo. Perscrutou o negrume do recanto onde se encontrava
o inimigo e só com muita dificuldade conseguiu distinguir o vulto do
desconhecido. Avançou para ele.
- Não dê… um passo… mais…
- Tem medo! – exclamou Rowe. – É curioso! Eu também tenho
medo de si… Não sei por que motivo supus que lhe ia ser difícil apertar o
gatilho… Mas tenho medo apesar de tudo… E não me resta outra saída. Vou
prendê-lo.
- Não… não faça isso… xerife!
E Rowe, de súbito, viu o negro vulto deslizar suavemente
pela parede. Depois, foi como se desabasse. Caiu, de peito para cima, e a
cabeça ficou dentro do círculo luminoso traçado no chão pelo quebra-luz, junto
aos pés de Rowe. O xerife contemplou atónito aquele rosto. Era um rosto de
mulher, belo, extraordinariamente belo, em cujas feições imperava a palidez da
morte. O s lábios violáceos mexeram-se ainda:
- Já lhe tinha dito… que iria… para sempre… Trabalhei para
«ele»… até ao último segundo…
O formoso rosto sofreu um violento abalo. Os olhos perderam
brilho. Depois, o corpo adquiriu uma quietude impressionante, uma rigidez
macabra.
O xerife ajoelhara-se junto da mulher e mantinha entre as
dele uma daquelas mãos brancas. Agora, compreendia muitas coisas. Ela tinha-se
escondido na escuridão porque o ameaçava sem qualquer arma. Transformou, quanto
pôde, o tom de voz para a tornar masculina e falou a princípio com fadiga e
depois tremulamente, porque ia desfalecendo, a caminho da agonia, em
consequência da ferida que tinha nas costas.
Rowe teve o pressentimento de que por trás daquilo tudo se
escondia uma história, talvez sublime, cuja evidente prova podia ser o corpo
inanimado, que dormia o sono eterno diante dos seus olhos. Mas qual era na
realidade aquela história? E aquela mulher porque motivo se sacrificara tanto
em benefício de um homem sem lei, de um foragido? Porque a feriram? Quem
disparara contra ela?
Rowe contemplou outra vez o formoso rosto moreno, como se
pretendesse obter dele as respostas às suas dúvidas, às perguntas mentalmente
formuladas.
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