O forasteiro estava a acabar de comer a sua pouco refinada mas abundante refeição quando a rapariga entrou na sala de jantar do hotel dirigido pela senhora Hogdson. E não pôde deixar de lhe dirigir um olhar.
Ela era de estatura mediana, cintura estreita e busto opulento; vestia de azul-escuro e usava o cabelo, de um castanho brilhante, preso num rolo gracioso, sobre a nuca. Não devia ter muito mais de vinte anos e era, sem dúvida, uma beleza, sobretudo comparada com as mulheres que, então, se podiam encontrar no Texas. Também tinha todo o ar de uma senhora.
Acompanhavam-na dois tipos jovens, um alto e o outro de estatura média, ambos bem armados e vestidos de maneira diferente. O mais baixo era, sem dúvida, um mexicano, o outro, americano.
Segundo parecia, os dois homens constituíam a sua escolta, muito necessária, realmente...
A rapariga distinguiu-o com um olhar rápido, indo depois ocupar, com os seus companheiros, uma mesa afastada. Enquanto lhe serviam o jantar não deixou de o olhar com uma intensidade superior à normal numa rapariga da sua classe aparente.
O xerife de Westdale havia estado pouco antes a visitar o forasteiro e tivera uma breve conversa com ele, de modo nenhum pouco amistosa. Toda a gente na povoação conhecia o sucedido uma hora antes e talvez se devesse a isso a curiosidade da rapariga...
O forasteiro não pareceu afetado. Na realidade estava a fazer uma exibição dos seus nervos temperados, porque na cidade havia muitos amigos do defunto juiz, tal como o avisara o xerife.
Acabou de jantar, levantou-se, fez um gesto de cumprimento para a mesa ocupada pela rapariga e abandonou a sala; apanhou a sua chave e subiu para o seu quarto. O mexicano que acompanhava a jovem levantou-se por sua vez e regressou ao fim de poucos minutos.
— Chama-se Randolph Allen e tudo faz supor que se trata do seu verdadeiro nome, menina Isabel — disse.
A rapariga fez um gesto de assentimento com uma expressão pensativa nas pupilas.
— Pelos vistos é um atirador de primeira classe — comentou o americano pausadamente. — Muito rápido de reflexos, sem nervos e certeiro.
— Uma coisa assim far-nos-ia falta em Valle Hermoso...
Rand Allen já não tinha nada a fazer em Westdale. Durante dois anos e meio, bastante longos, andara cavalgando dum lado para o outro atrás da pista fugidia do seu inimigo, havia-o encontrado depois de o ter perdido e, agora, a velha conta estava liquidada. Podia regressar a Woodville e concluir o que tinha deixado em meio para lhe seguir o rasto...
Contudo, enquanto fumava tranquilamente, com o olhar fito nas estrelas longínquas que brilhavam do lado de lá da janela, pensou que não sentia pressa demasiada por voltar a Maryland. É verdade que ali estavam seus pais, seus irmãos, a sua noiva, a sua casa, as suas propriedades, tudo; mas...
Havia cavalgado muito pelo Oeste selvagem, desde que em Memphis sua cunhada lhe dissera que suspeitava que o bandido traidor que a cegara com as suas mentiras havia ido para ali. Durante dois anos tinha vivido a vida errante e dura dos homens da fronteira, de forte em forte, de povoado em povoado, de rancho em rancho, de feitoria em feitoria...
Tinha combatido contra índios e contra brancos piores que eles, chegara a Santa Fé, seguindo o caminho famoso, e regressara por ele para subir ao longínquo e formoso Oregon, atrás duma pista que, afinal era falsa. Tinha percorrido todo o Missouri, o leste de Kansas, o este de Arkansas, o canto nordeste de Texas, seguindo, incansavelmente, pistas que, quase sempre eram falsas.
Mas, assim, adquirira a paciência do índio que persegue caça, a habilidade do homem da pradaria, a dureza do «outlaw» (1). E também, agora apercebia-se disso, chegara a identificar-se profundamente com as terras vastas e selvagens do Oeste, com o seu ambiente, com as suas gentes...
Sim, tinha pouca vontade de regressar à sua existência sedentária em Maryland. Contudo, necessitava de regressar. Durante bastante tempo havia deixado tudo abandonado.
Seu irmão James devia saber que já estava vingado, que era viúvo, que sua esposa morrera tísica num tugúrio infecto de Natchez e, portanto, podia refazer a sua vida casando com outra mulher mais sensata.
Seu sobrinho já devia ter sete anos e seria quase um homenzinho; e ele já tinha trinta e dois e havia chegado a hora de formar o seu próprio lar...
Levantou-se antes de nascer o sol, como era seu costume ultimamente. Arranjou-se, apanhou as suas coisas e desceu, pagando a sua despesa, tomou um pequeno almoço abundante e saiu para comprar algumas provisões.
Já não tinha outra coisa a fazer senão regressar à sua cidade natal. Todos os caminhos eram bons mas não conhecia o país pelo sul. Regressaria diretamente por leste, a Shreveport, e ali tomaria um dos barcos do rio Vermelho até ao Mississípi, deter-se-ia um ou dois dias em Netchez e depois subiria o grande rio até S. Luís encaminhando-se dali para casa, da qual estava afastado havia perto de três anos...
A povoação despertava com o dia e o armazém abria as suas portas. O armazenista havia sido partidário do defunto juiz, mas absteve-se de fazer comentários sobre o que sucedera na noite anterior; serviu-o com rapidez e não exagerou os preços.
O tratador dos cavalos, pelo contrário, era partidário do actual presidente do município e isso notava-se no tratamento cuidado que havia dado ao seu cavalo...
Quando ia a abandonar a povoação viu a rapariga da noite anterior. Saía do hotel e preparava-se para subir para uma espécie de caleche ligeira e resistente ao mesmo tempo, puxada por dois esplêndidos cavalos baios.
Os seus guarda-costas escoltavam-na e havia até mais seis mexicanos, todos muito bem armados, montados em cavalos, um pouco mais afastados, mas, evidentemente, formando parte da escolta. Ela devia ser «alguém» na região, sem dúvida...
Voltou a notar que era observado com curiosidade e atribuiu isso novamente ao que acontecera na noite anterior. Pela sua parte pensou que a rapariga era muito bonita e, ao fim de poucos minutos, já ia a pensar noutra coisa.
Uma semana mais tarde, sem ter tido outros contratempos a não ser um encontro com três guerreiros «comanches» que andavam à caça, outro com um grupo também de «comanches» que o obrigou a correr durante algumas horas e um terceiro com quatro indivíduos mal--parecidos a quem impusera respeito graças a uma oportuna exibição da sua habilidade com o revólver, chegava aos arredores da cidade fluvial de Shreveport, na Louisiana.
Demorou cinco dias a chegar um barco, durante os quais, Rand Allen se viu metido em duas lutas, embora não por sua iniciativa, pois em Shreveport abundavam então os tipos perigosos. Saiu duma sovando bem o seu adversário e da outra com uma punhalada que, se lhe acertasse melhor, teria acabado com a sua história, mas que, assim, nem o obrigara a ficar de cama.
Finalmente tomou passagem no barco e desceu pelo rio Vermelho ao longo de duzentas milhas sumamente monótonas, com numerosas paragens e pouco interesse para ele. Depois subiu a larga e torva corrente do Mississípi durante outra larga meia centena de milhas e, finalmente, o barco atracou ao buliçoso e colorido cais de Netchez.
O seu propósito de visitar novamente a cidade reduzia-se a verificar, por si próprio, o que, sem dúvida, havia sucedido, ou seja que sua cunhada tinha morrido no máximo dois ou três dias depois de a deixar. Contudo, teve uma grande desilusão, pois a dona do tugúrio, que se recordou do seu rosto, assegurou-lhe que não havia sido assim.
— Ela curou-se, por milagre, claro. Mas não sei onde andará agora. A ingrata foi-se embora pouco tempo depois, ficando a dever-me alguns dólares...
Aquilo significou uma nova busca, embora mais fácil que a do sedutor. Finalmente, uma noite, semanas mais, tarde, encontrou-a numa baiuca do porto de Nova Orleães. O que restava dela não recordava muito a mulher jovem, bonita e risonha que havia sido.
Ao ver aparecer o cunhado pôs-se muito nervosa, enquanto ele, por seu lado, sentia vivamente, mais ainda que da vez anterior, a diferença entre a rapariga que conservava apesar de tudo na lembrança e aquele farrapo que tinha na sua frente.
— Procurei-te pelo rio todas estas semanas na esperança de que tivesses morrido — disse num tom severo.
Ela suspirou.
— Teria sido melhor. E far-me-ias um grande favor dando-me um tiro.
— Não o farei. Ao fim e ao cabo, tu assim quiseste.
— Sim, isso é verdade... Encontraste finalmente aquele canalha?
— Há dois meses, no Texas.
— Mataste-o? — Sim.
— Ainda bem. Alegro-me bastante. E agora... que farás?
— Voltar a casa.
— Sim, claro ...Suponho que dirás a Jim o estado em que me encontraste...
— Pensava dizer-lhe que tinhas morrido.
— Diz-lhe isso. Não deixes de o dizer. É jovem, tem direito a ser feliz novamente. Diz-lhe que te informaste da minha morte... aqui, em Nova Orleães. Diz-lho, Rand. É o melhor.
— Não posso fazer tal coisa. Se acreditasse, talvez voltasse a casar. O teu filho ainda necessita de cuidados.
— Meu filho... Meu Deus, Rand, se soubesses como paguei a minha loucura! Quanto daria por voltar a vê-lo, ainda que fosse apenas uma só vez, mesmo que fosse de longe...! Não, não digas, já sei que é impossível, que perdi todos os direitos... Vai-te já, Rand, não mereço a tua companhia. Vai-te e... que sejas muito feliz. Obrigada por teres matado aquele canalha.
Ao deixá-la experimentou uma sensação desoladora. Haviam-se criado juntos, vira-a fazer-se mulher, cortejara-a ainda antes do irmão, beijara-a sob os olmos quando ela tinha quinze anos e era uma bonita promessa.
Depois preferira seu irmão James após de ter «flirtado» com vários outros jovens de boa família e passado uma longa temporada em casa duns tios. James era a antítese dele, sério, doce, bondoso e ingénuo. Desposara-a, nascera-lhes um filho que morreu, outro que viveu, cinco anos de casamento bastante feliz e depois... Mas era melhor não pensar naquilo. Muito melhor.
Ao levantar-se, pela manhã, esperava-o uma surpresa. Na receção entregaram-lhe um pacote muito bem atado e uma carta fechada. Segundo lhe disseram havia-os trazido uma mulher de mau aspeto, rogando encarecidamente que lhos entregassem quando descesse, pela manhã.
Com um presságio muito forte, abriu imediatamente a carta e leu a breve e significativa despedida da sua infortunada cunhada.
Ela era de estatura mediana, cintura estreita e busto opulento; vestia de azul-escuro e usava o cabelo, de um castanho brilhante, preso num rolo gracioso, sobre a nuca. Não devia ter muito mais de vinte anos e era, sem dúvida, uma beleza, sobretudo comparada com as mulheres que, então, se podiam encontrar no Texas. Também tinha todo o ar de uma senhora.
Acompanhavam-na dois tipos jovens, um alto e o outro de estatura média, ambos bem armados e vestidos de maneira diferente. O mais baixo era, sem dúvida, um mexicano, o outro, americano.
Segundo parecia, os dois homens constituíam a sua escolta, muito necessária, realmente...
A rapariga distinguiu-o com um olhar rápido, indo depois ocupar, com os seus companheiros, uma mesa afastada. Enquanto lhe serviam o jantar não deixou de o olhar com uma intensidade superior à normal numa rapariga da sua classe aparente.
O xerife de Westdale havia estado pouco antes a visitar o forasteiro e tivera uma breve conversa com ele, de modo nenhum pouco amistosa. Toda a gente na povoação conhecia o sucedido uma hora antes e talvez se devesse a isso a curiosidade da rapariga...
O forasteiro não pareceu afetado. Na realidade estava a fazer uma exibição dos seus nervos temperados, porque na cidade havia muitos amigos do defunto juiz, tal como o avisara o xerife.
Acabou de jantar, levantou-se, fez um gesto de cumprimento para a mesa ocupada pela rapariga e abandonou a sala; apanhou a sua chave e subiu para o seu quarto. O mexicano que acompanhava a jovem levantou-se por sua vez e regressou ao fim de poucos minutos.
— Chama-se Randolph Allen e tudo faz supor que se trata do seu verdadeiro nome, menina Isabel — disse.
A rapariga fez um gesto de assentimento com uma expressão pensativa nas pupilas.
— Pelos vistos é um atirador de primeira classe — comentou o americano pausadamente. — Muito rápido de reflexos, sem nervos e certeiro.
— Uma coisa assim far-nos-ia falta em Valle Hermoso...
Rand Allen já não tinha nada a fazer em Westdale. Durante dois anos e meio, bastante longos, andara cavalgando dum lado para o outro atrás da pista fugidia do seu inimigo, havia-o encontrado depois de o ter perdido e, agora, a velha conta estava liquidada. Podia regressar a Woodville e concluir o que tinha deixado em meio para lhe seguir o rasto...
Contudo, enquanto fumava tranquilamente, com o olhar fito nas estrelas longínquas que brilhavam do lado de lá da janela, pensou que não sentia pressa demasiada por voltar a Maryland. É verdade que ali estavam seus pais, seus irmãos, a sua noiva, a sua casa, as suas propriedades, tudo; mas...
Havia cavalgado muito pelo Oeste selvagem, desde que em Memphis sua cunhada lhe dissera que suspeitava que o bandido traidor que a cegara com as suas mentiras havia ido para ali. Durante dois anos tinha vivido a vida errante e dura dos homens da fronteira, de forte em forte, de povoado em povoado, de rancho em rancho, de feitoria em feitoria...
Tinha combatido contra índios e contra brancos piores que eles, chegara a Santa Fé, seguindo o caminho famoso, e regressara por ele para subir ao longínquo e formoso Oregon, atrás duma pista que, afinal era falsa. Tinha percorrido todo o Missouri, o leste de Kansas, o este de Arkansas, o canto nordeste de Texas, seguindo, incansavelmente, pistas que, quase sempre eram falsas.
Mas, assim, adquirira a paciência do índio que persegue caça, a habilidade do homem da pradaria, a dureza do «outlaw» (1). E também, agora apercebia-se disso, chegara a identificar-se profundamente com as terras vastas e selvagens do Oeste, com o seu ambiente, com as suas gentes...
Sim, tinha pouca vontade de regressar à sua existência sedentária em Maryland. Contudo, necessitava de regressar. Durante bastante tempo havia deixado tudo abandonado.
Seu irmão James devia saber que já estava vingado, que era viúvo, que sua esposa morrera tísica num tugúrio infecto de Natchez e, portanto, podia refazer a sua vida casando com outra mulher mais sensata.
Seu sobrinho já devia ter sete anos e seria quase um homenzinho; e ele já tinha trinta e dois e havia chegado a hora de formar o seu próprio lar...
Levantou-se antes de nascer o sol, como era seu costume ultimamente. Arranjou-se, apanhou as suas coisas e desceu, pagando a sua despesa, tomou um pequeno almoço abundante e saiu para comprar algumas provisões.
Já não tinha outra coisa a fazer senão regressar à sua cidade natal. Todos os caminhos eram bons mas não conhecia o país pelo sul. Regressaria diretamente por leste, a Shreveport, e ali tomaria um dos barcos do rio Vermelho até ao Mississípi, deter-se-ia um ou dois dias em Netchez e depois subiria o grande rio até S. Luís encaminhando-se dali para casa, da qual estava afastado havia perto de três anos...
A povoação despertava com o dia e o armazém abria as suas portas. O armazenista havia sido partidário do defunto juiz, mas absteve-se de fazer comentários sobre o que sucedera na noite anterior; serviu-o com rapidez e não exagerou os preços.
O tratador dos cavalos, pelo contrário, era partidário do actual presidente do município e isso notava-se no tratamento cuidado que havia dado ao seu cavalo...
Quando ia a abandonar a povoação viu a rapariga da noite anterior. Saía do hotel e preparava-se para subir para uma espécie de caleche ligeira e resistente ao mesmo tempo, puxada por dois esplêndidos cavalos baios.
Os seus guarda-costas escoltavam-na e havia até mais seis mexicanos, todos muito bem armados, montados em cavalos, um pouco mais afastados, mas, evidentemente, formando parte da escolta. Ela devia ser «alguém» na região, sem dúvida...
Voltou a notar que era observado com curiosidade e atribuiu isso novamente ao que acontecera na noite anterior. Pela sua parte pensou que a rapariga era muito bonita e, ao fim de poucos minutos, já ia a pensar noutra coisa.
Uma semana mais tarde, sem ter tido outros contratempos a não ser um encontro com três guerreiros «comanches» que andavam à caça, outro com um grupo também de «comanches» que o obrigou a correr durante algumas horas e um terceiro com quatro indivíduos mal--parecidos a quem impusera respeito graças a uma oportuna exibição da sua habilidade com o revólver, chegava aos arredores da cidade fluvial de Shreveport, na Louisiana.
Demorou cinco dias a chegar um barco, durante os quais, Rand Allen se viu metido em duas lutas, embora não por sua iniciativa, pois em Shreveport abundavam então os tipos perigosos. Saiu duma sovando bem o seu adversário e da outra com uma punhalada que, se lhe acertasse melhor, teria acabado com a sua história, mas que, assim, nem o obrigara a ficar de cama.
Finalmente tomou passagem no barco e desceu pelo rio Vermelho ao longo de duzentas milhas sumamente monótonas, com numerosas paragens e pouco interesse para ele. Depois subiu a larga e torva corrente do Mississípi durante outra larga meia centena de milhas e, finalmente, o barco atracou ao buliçoso e colorido cais de Netchez.
O seu propósito de visitar novamente a cidade reduzia-se a verificar, por si próprio, o que, sem dúvida, havia sucedido, ou seja que sua cunhada tinha morrido no máximo dois ou três dias depois de a deixar. Contudo, teve uma grande desilusão, pois a dona do tugúrio, que se recordou do seu rosto, assegurou-lhe que não havia sido assim.
— Ela curou-se, por milagre, claro. Mas não sei onde andará agora. A ingrata foi-se embora pouco tempo depois, ficando a dever-me alguns dólares...
Aquilo significou uma nova busca, embora mais fácil que a do sedutor. Finalmente, uma noite, semanas mais, tarde, encontrou-a numa baiuca do porto de Nova Orleães. O que restava dela não recordava muito a mulher jovem, bonita e risonha que havia sido.
Ao ver aparecer o cunhado pôs-se muito nervosa, enquanto ele, por seu lado, sentia vivamente, mais ainda que da vez anterior, a diferença entre a rapariga que conservava apesar de tudo na lembrança e aquele farrapo que tinha na sua frente.
— Procurei-te pelo rio todas estas semanas na esperança de que tivesses morrido — disse num tom severo.
Ela suspirou.
— Teria sido melhor. E far-me-ias um grande favor dando-me um tiro.
— Não o farei. Ao fim e ao cabo, tu assim quiseste.
— Sim, isso é verdade... Encontraste finalmente aquele canalha?
— Há dois meses, no Texas.
— Mataste-o? — Sim.
— Ainda bem. Alegro-me bastante. E agora... que farás?
— Voltar a casa.
— Sim, claro ...Suponho que dirás a Jim o estado em que me encontraste...
— Pensava dizer-lhe que tinhas morrido.
— Diz-lhe isso. Não deixes de o dizer. É jovem, tem direito a ser feliz novamente. Diz-lhe que te informaste da minha morte... aqui, em Nova Orleães. Diz-lho, Rand. É o melhor.
— Não posso fazer tal coisa. Se acreditasse, talvez voltasse a casar. O teu filho ainda necessita de cuidados.
— Meu filho... Meu Deus, Rand, se soubesses como paguei a minha loucura! Quanto daria por voltar a vê-lo, ainda que fosse apenas uma só vez, mesmo que fosse de longe...! Não, não digas, já sei que é impossível, que perdi todos os direitos... Vai-te já, Rand, não mereço a tua companhia. Vai-te e... que sejas muito feliz. Obrigada por teres matado aquele canalha.
Ao deixá-la experimentou uma sensação desoladora. Haviam-se criado juntos, vira-a fazer-se mulher, cortejara-a ainda antes do irmão, beijara-a sob os olmos quando ela tinha quinze anos e era uma bonita promessa.
Depois preferira seu irmão James após de ter «flirtado» com vários outros jovens de boa família e passado uma longa temporada em casa duns tios. James era a antítese dele, sério, doce, bondoso e ingénuo. Desposara-a, nascera-lhes um filho que morreu, outro que viveu, cinco anos de casamento bastante feliz e depois... Mas era melhor não pensar naquilo. Muito melhor.
Ao levantar-se, pela manhã, esperava-o uma surpresa. Na receção entregaram-lhe um pacote muito bem atado e uma carta fechada. Segundo lhe disseram havia-os trazido uma mulher de mau aspeto, rogando encarecidamente que lhos entregassem quando descesse, pela manhã.
Com um presságio muito forte, abriu imediatamente a carta e leu a breve e significativa despedida da sua infortunada cunhada.
Adeus, Rand. Leva isto a casa, dá-o a James e diz-lhe que é livre; que me perdoe e não diga ao nosso filho a verdade acerca de sua mãe.
Ela não estava onde tinha o seu alojamento, não tinha ido dormir. Ninguém se preocupava, era verdade, porque a coisa se tornara, até certo ponto, normal...
Também era normal encontrar a flutuar nas águas sujas do cais uma ou outra mulher de má nota. Encarregou-se dela e proporcionou-lhe um funeral decente. Depois, com um sabor amargo na boca, tomou lugar num dos barcos do Mississípi.
A velha e dolorosa história havia terminado. Regressava a casa levando a seu irmão as poucas relíquias dum passado melhor, conservadas pela esposa infiel e a notícia verdadeira da sua liberdade.
Na primeira noite passada no barco, enquanto jogava algumas partidas no salão, viu de novo a rapariga de Westdale. Reconheceu-a imediatamente. Ela trazia agora um vestido verde e parecia mais alta, mais feita do que era na realidade. Além disso estava a olhá-lo...
Alguns minutos mais tarde foi ela quem o abordou à entrada do salão de baile.
— O senhor é Randolph Allen, não é verdade, cavalheiro?
Era muito bonita; tinha uma rara sedução e parecia sumamente decidida, coisa que Rand Allen estranhou. Concordou, cortesmente:
— É esse o meu nome.
— Eu sou Isabel Cortés. Vimo-nos uma vez há algum tempo, numa povoação de Texas, Lembra-se?
— Perfeitamente.
— Ainda bem. Teria inconveniente em dançar comigo, senhor Allen?
— Nenhum.
Isabel sorriu. O seu sorriso era muito sugestivo. Rand começou a pensar de si para si que classe de mulher seria aquela e que quereria dele. Dançaram. Havia outras mulheres jovens a bordo e algumas delas eram sem dúvida formosas e distintas. Mas não possuíam o encanto pessoal de Isabel Cortés.
Mais tarde ela pediu-lhe que a conduzisse à coberta. Havia lua em quarto minguante sobre os mangais e as águas prateadas do Mississípi e chegava até eles o perfume intenso das magnólias. Isabel Cortés falou com naturalidade:
— Pergunta-se a si próprio quem eu sou e que propósitos me movem a seu respeito, não é verdade?
—Pois... sim.
— Obrigada pela sua franqueza. Considera-me uma aventureira, senhor Allen?
—É demasiado cedo para formar um juízo tão radical.
— Compreendo... Julga que estou a procurar impressioná-lo... conquistá-lo?
— Afirmá-lo poderia parecer excessiva presunção da minha parte. De qualquer maneira, e para evitar equívocos, menina Cortés, devo dizer-lhe que não tenho dinheiro.
Ela sorriu, levantou uma das mãos, mostrando-lhe qualquer coisa.
— Olhe isto, senhor Allen. Cada uma destas pedras vale mil dólares. Eu não preciso de dinheiro. E, por favor, deixe de pensar que está diante de uma aventureira.
— Nesse caso, deve haver uma explicação para a sua conduta.
— E há. Também não estou procurando conseguir uma aventura amorosa. Mas a verdade é que necessito do senhor, Allen.
— Não compreendo.
— Importar-se-ia de regressar ao Texas... comigo?
Rand demorou algum tempo a responder.
— Lamento, menina. Dirijo-me para o Norte, para minha casa. Há muito tempo que estou longe dela e tenho muita vontade de voltar. Nada, nem ninguém me farão regressar ao Texas.
— Em Westdale ouvi uma história. O senhor teria procurado aquele homem que matou para se vingar por ele ter raptado uma mulher. Sua esposa, talvez?
— Minha cunhada.
— Ah... O senhor é casado, senhor Allen?
— Solteiro. Mas casarei logo que regresse à minha cidade natal. Não sei quais possam ser as suas intenções a meu respeito, menina Cortés, mas não sou o homem que procura. E agora, se desejar conduzo-a novamente para o salão de baile...
— Espere um momento. Consegui algumas informações sobre o senhor. Percorreu a estrada de Santa Fé, viajou pelo território índio, esteve no Missouri e em Arkansas. E um homem duro, um excelente atirador com o revólver e a espingarda, um lutador temível...
— Tudo isso pertence ao passado e não sinto nenhum interesse em o recordar.
— Mesmo que lhe oferecesse mil dólares?
Ele olhou-a fixamente.
— Não preciso de dinheiro. E não me vendo, menina Cortés. Lamento, mas quando me agrada uma mulher procuro-a eu, e quando luto é sempre sob a minha própria bandeira. Não há nada a fazer. Perdoe se fui demasiadamente brusco, mas é assim. Voltamos ao salão?
Ela suportou-lhe o olhar. Depois fez um gesto de desalento e concordou:
— Muito bem, senhor Allen...
Rand mantinha-se bastante intrigado a respeito daquela rapariga e das suas verdadeiras intenções. Contudo, estava decidido. O Oeste, as pradarias, a vida preguiçosa e aventureira, haviam terminado. Quase três anos dela chegavam. Na sua cidade natal aguardava-o a família, as suas propriedades, Elissa...
Ela tinha o direito de exigir o seu regresso, o cumprimento da promessa feita ao partir. Havia esperado três anos...
Quando passavam por diante da sala de jogo a rapariga olhou-o de soslaio.
— Gosta de jogar, senhor Allen?
— Como toda a gente.
— Jogaria uma partida comigo?
Ficou-se a olhar para ela. Muito jovem, mais do que queria aparentar, muito decidida, muito formosa, muito sedutora, muito enigmática...
— E qual seria a aposta? — inquiriu. Ela esboçou um dos seus sorrisos.
— Se perder, acompanhar-me-á sem fazer demasiadas perguntas. Se ganhar... bem, nesse caso terá o direito de impor as suas próprias condições.
Houve um novo silêncio. Rand quebrou-o com a sua voz baixa e cautelosa:
— Deve estar muito segura de que vou perder.
— Estou certa de ganhar. E dou-lhe a minha palavra de que não farei batota no jogo.
— Suponhamos que perde. Suponhamos que a peço a si. Que acontecerá?
— Pago sempre as minhas dívidas e cumpro as minhas promessas. Mas o senhor não teria ocasião de o contar a ninguém.
A sua voz, sem subir de tom, havia-se acerado dum modo extraordinário e o seu olhar também. Allen não teve dúvidas da sua sinceridade e voltou a perguntar quem diabo seria e para que o quereria. Quase no mesmo instante ela acrescentou com o seu sorriso sugestivo:
— Mas tal ocasião não se dará, descanse. Posso dizer que me criei com um baralho de cartas nas mãos e nunca encontrei um adversário suficientemente forte para mim. Aceita, ou prefere recusar o meu repto, senhor Allen?
Um homem não pode fazer determinadas coisas, mesmo que o mais sensato fosse não fazê-las. Minutos depois estavam sentados, frente a frente, a uma mesa pequena e tinham sobre a mesma um baralho novo, ainda fechado. Os olhos escuros da jovem desafiaram-no.
— Se quiser, pode baralhar em todas as mãos, senhor Allen.
— Não é preciso. Confio na sua palavra.
— Obrigada. O senhor é um homem encantador.
Não fanfarronava ao falar da sua habilidade. As suas mãos pequenas e finas, terminadas por unhas amendoadas, cobertas por uma ligeira camada de verniz rosado, manejaram as cartas com uma destreza e uma rapidez dignas dum jogador profissional. E apesar dele, no primeiro jogo, ter muito boas cartas e não ser mau jogador, foi com dificuldade que a conseguiu vencer. Foi uma partida renhida, porque o seu amor-próprio estava em jogo.
Tardou um quarto de hora a encontrar-se o vencedor, após empates sucessivos, tendo chegados empatados ao último jogo. Então Isabel esboçou um sorriso de satisfação e mostrou as suas cartas com os belos dedos, dizendo num tom suave:
— Perdeu, senhor Allen. Agora terá de me acompanhar. E foi uma bela partida, há-de concordar...
Abandonaram o barco fluvial em Shreveport, numa manhã ventosa e cheia de sol. Durante os últimos dias Rand Allen tinha tido muitas ocasiões de estudar a formosa e enigmática rapariga que de tal modo alterara os seus planos e o estava a levar para o Oeste, para o Texas, para um destino desconhecido. Teve tempo para isso... e para se preocupar com o estudo dos seus sentimentos em relação a ela.
A verdade era que, nos últimos tempos, não tivera ocasião de encontrar muitas raparigas como Isabel Cortés e muito menos ainda de conviver com elas.
Havia-se dedicado exclusivamente à caça ao homem, pondo de parte as complicações sentimentais e, salvo alguns contactos ocasionais com raparigas de vida fácil, aqui ou ali, as mulheres não haviam tomado parte no mosaico das suas recordações.
Agora, de súbito, quando a longa tensão da busca do inimigo de seu irmão terminara, relaxando-lhe os nervos e provocando-lhe um intenso desejo de voltar a casa, para junto da noiva bonita que o esperava, para a plácida existência de Maryland, o destino punha-lhe na frente uma bela e enigmática jovem que podia ser qualquer coisa, mas que suspeitava não ser exatamente uma aventureira.
Se não se havia enamorado de Isabel Cortés estava a ponto de o fazer, com a agravante de se saber obrigado a segui-la e a escoltá-la através de muitos quilómetros de terra selvagem ou semisselvagem do Texas, até um destino desconhecido.
No barco tinham passado longas horas juntos, mas não havia verdadeira intimidade, porque o barco era um pequeno mundo, apertado e não se podia dar um passo sem se tropeçar com alguém.
Além disso, ela ocupava o melhor camarote e tal compartimento esteve-lhe vedado durante todo o tempo.
Isabel comprazia-se, certamente, em representar o seu papel de mulher-enigma perante os olhos do homem e, se não havia dúvida de que o procurara propositadamente, fizera quanto pudera para conseguir a sua companhia e estava satisfeita com ela.
Mas, embora Rand Allen julgasse notar na sua conduta pormenores que lhe provocavam fortes reações levando-o a suspeitar de que, como homem, não lhe era, nem por sombras, indiferente, a verdade era que não se podia atrever a afirmá-lo, pois Isabel parecia muito hábil em artimanhas subtis e eficazes, apesar da sua extrema juventude e do seu aspeto ingénuo e decidido.
Havia-lhe dito que tinha dezoito anos e que sua mãe havia morrido três anos antes, que tinha pai e dois irmãos mais novos, um rapaz e uma rapariga, que possuis uma fazenda importante... e pouco mais, tão pouco que estes pormenores apenas serviram para exacerbar a curiosidade de Rand.
Também os seus dois companheiros, Torres, o suave e tranquilo mexicano, e Barclay, o americano de Kentucky, frio e pouco falador, lhe não haviam dito qualquer coisa que o tirasse de dúvidas. Ambos deviam estar bem instruídos e pertenciam a essa espécie de homens que só dizem o que querem dizer...
E agora estava de novo em Shreveport, pronto para enfrentar uma longa e perigosa viagem através de terras infestadas de «comanches», «pawnees», «osages» e outras tribos em guerra perpétua contra os brancos que continuavam a reduzir-lhes cada vez mais os seus ancestrais terrenos de caça. Teriam de cavalgar juntos durante todo o dia, acampar juntos todas as noites, lutar juntos, provavelmente...
Ia ser, sem dúvida, uma experiência muito valiosa...
Também era normal encontrar a flutuar nas águas sujas do cais uma ou outra mulher de má nota. Encarregou-se dela e proporcionou-lhe um funeral decente. Depois, com um sabor amargo na boca, tomou lugar num dos barcos do Mississípi.
A velha e dolorosa história havia terminado. Regressava a casa levando a seu irmão as poucas relíquias dum passado melhor, conservadas pela esposa infiel e a notícia verdadeira da sua liberdade.
Na primeira noite passada no barco, enquanto jogava algumas partidas no salão, viu de novo a rapariga de Westdale. Reconheceu-a imediatamente. Ela trazia agora um vestido verde e parecia mais alta, mais feita do que era na realidade. Além disso estava a olhá-lo...
Alguns minutos mais tarde foi ela quem o abordou à entrada do salão de baile.
— O senhor é Randolph Allen, não é verdade, cavalheiro?
Era muito bonita; tinha uma rara sedução e parecia sumamente decidida, coisa que Rand Allen estranhou. Concordou, cortesmente:
— É esse o meu nome.
— Eu sou Isabel Cortés. Vimo-nos uma vez há algum tempo, numa povoação de Texas, Lembra-se?
— Perfeitamente.
— Ainda bem. Teria inconveniente em dançar comigo, senhor Allen?
— Nenhum.
Isabel sorriu. O seu sorriso era muito sugestivo. Rand começou a pensar de si para si que classe de mulher seria aquela e que quereria dele. Dançaram. Havia outras mulheres jovens a bordo e algumas delas eram sem dúvida formosas e distintas. Mas não possuíam o encanto pessoal de Isabel Cortés.
Mais tarde ela pediu-lhe que a conduzisse à coberta. Havia lua em quarto minguante sobre os mangais e as águas prateadas do Mississípi e chegava até eles o perfume intenso das magnólias. Isabel Cortés falou com naturalidade:
— Pergunta-se a si próprio quem eu sou e que propósitos me movem a seu respeito, não é verdade?
—Pois... sim.
— Obrigada pela sua franqueza. Considera-me uma aventureira, senhor Allen?
—É demasiado cedo para formar um juízo tão radical.
— Compreendo... Julga que estou a procurar impressioná-lo... conquistá-lo?
— Afirmá-lo poderia parecer excessiva presunção da minha parte. De qualquer maneira, e para evitar equívocos, menina Cortés, devo dizer-lhe que não tenho dinheiro.
Ela sorriu, levantou uma das mãos, mostrando-lhe qualquer coisa.
— Olhe isto, senhor Allen. Cada uma destas pedras vale mil dólares. Eu não preciso de dinheiro. E, por favor, deixe de pensar que está diante de uma aventureira.
— Nesse caso, deve haver uma explicação para a sua conduta.
— E há. Também não estou procurando conseguir uma aventura amorosa. Mas a verdade é que necessito do senhor, Allen.
— Não compreendo.
— Importar-se-ia de regressar ao Texas... comigo?
Rand demorou algum tempo a responder.
— Lamento, menina. Dirijo-me para o Norte, para minha casa. Há muito tempo que estou longe dela e tenho muita vontade de voltar. Nada, nem ninguém me farão regressar ao Texas.
— Em Westdale ouvi uma história. O senhor teria procurado aquele homem que matou para se vingar por ele ter raptado uma mulher. Sua esposa, talvez?
— Minha cunhada.
— Ah... O senhor é casado, senhor Allen?
— Solteiro. Mas casarei logo que regresse à minha cidade natal. Não sei quais possam ser as suas intenções a meu respeito, menina Cortés, mas não sou o homem que procura. E agora, se desejar conduzo-a novamente para o salão de baile...
— Espere um momento. Consegui algumas informações sobre o senhor. Percorreu a estrada de Santa Fé, viajou pelo território índio, esteve no Missouri e em Arkansas. E um homem duro, um excelente atirador com o revólver e a espingarda, um lutador temível...
— Tudo isso pertence ao passado e não sinto nenhum interesse em o recordar.
— Mesmo que lhe oferecesse mil dólares?
Ele olhou-a fixamente.
— Não preciso de dinheiro. E não me vendo, menina Cortés. Lamento, mas quando me agrada uma mulher procuro-a eu, e quando luto é sempre sob a minha própria bandeira. Não há nada a fazer. Perdoe se fui demasiadamente brusco, mas é assim. Voltamos ao salão?
Ela suportou-lhe o olhar. Depois fez um gesto de desalento e concordou:
— Muito bem, senhor Allen...
Rand mantinha-se bastante intrigado a respeito daquela rapariga e das suas verdadeiras intenções. Contudo, estava decidido. O Oeste, as pradarias, a vida preguiçosa e aventureira, haviam terminado. Quase três anos dela chegavam. Na sua cidade natal aguardava-o a família, as suas propriedades, Elissa...
Ela tinha o direito de exigir o seu regresso, o cumprimento da promessa feita ao partir. Havia esperado três anos...
Quando passavam por diante da sala de jogo a rapariga olhou-o de soslaio.
— Gosta de jogar, senhor Allen?
— Como toda a gente.
— Jogaria uma partida comigo?
Ficou-se a olhar para ela. Muito jovem, mais do que queria aparentar, muito decidida, muito formosa, muito sedutora, muito enigmática...
— E qual seria a aposta? — inquiriu. Ela esboçou um dos seus sorrisos.
— Se perder, acompanhar-me-á sem fazer demasiadas perguntas. Se ganhar... bem, nesse caso terá o direito de impor as suas próprias condições.
Houve um novo silêncio. Rand quebrou-o com a sua voz baixa e cautelosa:
— Deve estar muito segura de que vou perder.
— Estou certa de ganhar. E dou-lhe a minha palavra de que não farei batota no jogo.
— Suponhamos que perde. Suponhamos que a peço a si. Que acontecerá?
— Pago sempre as minhas dívidas e cumpro as minhas promessas. Mas o senhor não teria ocasião de o contar a ninguém.
A sua voz, sem subir de tom, havia-se acerado dum modo extraordinário e o seu olhar também. Allen não teve dúvidas da sua sinceridade e voltou a perguntar quem diabo seria e para que o quereria. Quase no mesmo instante ela acrescentou com o seu sorriso sugestivo:
— Mas tal ocasião não se dará, descanse. Posso dizer que me criei com um baralho de cartas nas mãos e nunca encontrei um adversário suficientemente forte para mim. Aceita, ou prefere recusar o meu repto, senhor Allen?
Um homem não pode fazer determinadas coisas, mesmo que o mais sensato fosse não fazê-las. Minutos depois estavam sentados, frente a frente, a uma mesa pequena e tinham sobre a mesma um baralho novo, ainda fechado. Os olhos escuros da jovem desafiaram-no.
— Se quiser, pode baralhar em todas as mãos, senhor Allen.
— Não é preciso. Confio na sua palavra.
— Obrigada. O senhor é um homem encantador.
Não fanfarronava ao falar da sua habilidade. As suas mãos pequenas e finas, terminadas por unhas amendoadas, cobertas por uma ligeira camada de verniz rosado, manejaram as cartas com uma destreza e uma rapidez dignas dum jogador profissional. E apesar dele, no primeiro jogo, ter muito boas cartas e não ser mau jogador, foi com dificuldade que a conseguiu vencer. Foi uma partida renhida, porque o seu amor-próprio estava em jogo.
Tardou um quarto de hora a encontrar-se o vencedor, após empates sucessivos, tendo chegados empatados ao último jogo. Então Isabel esboçou um sorriso de satisfação e mostrou as suas cartas com os belos dedos, dizendo num tom suave:
— Perdeu, senhor Allen. Agora terá de me acompanhar. E foi uma bela partida, há-de concordar...
Abandonaram o barco fluvial em Shreveport, numa manhã ventosa e cheia de sol. Durante os últimos dias Rand Allen tinha tido muitas ocasiões de estudar a formosa e enigmática rapariga que de tal modo alterara os seus planos e o estava a levar para o Oeste, para o Texas, para um destino desconhecido. Teve tempo para isso... e para se preocupar com o estudo dos seus sentimentos em relação a ela.
A verdade era que, nos últimos tempos, não tivera ocasião de encontrar muitas raparigas como Isabel Cortés e muito menos ainda de conviver com elas.
Havia-se dedicado exclusivamente à caça ao homem, pondo de parte as complicações sentimentais e, salvo alguns contactos ocasionais com raparigas de vida fácil, aqui ou ali, as mulheres não haviam tomado parte no mosaico das suas recordações.
Agora, de súbito, quando a longa tensão da busca do inimigo de seu irmão terminara, relaxando-lhe os nervos e provocando-lhe um intenso desejo de voltar a casa, para junto da noiva bonita que o esperava, para a plácida existência de Maryland, o destino punha-lhe na frente uma bela e enigmática jovem que podia ser qualquer coisa, mas que suspeitava não ser exatamente uma aventureira.
Se não se havia enamorado de Isabel Cortés estava a ponto de o fazer, com a agravante de se saber obrigado a segui-la e a escoltá-la através de muitos quilómetros de terra selvagem ou semisselvagem do Texas, até um destino desconhecido.
No barco tinham passado longas horas juntos, mas não havia verdadeira intimidade, porque o barco era um pequeno mundo, apertado e não se podia dar um passo sem se tropeçar com alguém.
Além disso, ela ocupava o melhor camarote e tal compartimento esteve-lhe vedado durante todo o tempo.
Isabel comprazia-se, certamente, em representar o seu papel de mulher-enigma perante os olhos do homem e, se não havia dúvida de que o procurara propositadamente, fizera quanto pudera para conseguir a sua companhia e estava satisfeita com ela.
Mas, embora Rand Allen julgasse notar na sua conduta pormenores que lhe provocavam fortes reações levando-o a suspeitar de que, como homem, não lhe era, nem por sombras, indiferente, a verdade era que não se podia atrever a afirmá-lo, pois Isabel parecia muito hábil em artimanhas subtis e eficazes, apesar da sua extrema juventude e do seu aspeto ingénuo e decidido.
Havia-lhe dito que tinha dezoito anos e que sua mãe havia morrido três anos antes, que tinha pai e dois irmãos mais novos, um rapaz e uma rapariga, que possuis uma fazenda importante... e pouco mais, tão pouco que estes pormenores apenas serviram para exacerbar a curiosidade de Rand.
Também os seus dois companheiros, Torres, o suave e tranquilo mexicano, e Barclay, o americano de Kentucky, frio e pouco falador, lhe não haviam dito qualquer coisa que o tirasse de dúvidas. Ambos deviam estar bem instruídos e pertenciam a essa espécie de homens que só dizem o que querem dizer...
E agora estava de novo em Shreveport, pronto para enfrentar uma longa e perigosa viagem através de terras infestadas de «comanches», «pawnees», «osages» e outras tribos em guerra perpétua contra os brancos que continuavam a reduzir-lhes cada vez mais os seus ancestrais terrenos de caça. Teriam de cavalgar juntos durante todo o dia, acampar juntos todas as noites, lutar juntos, provavelmente...
Ia ser, sem dúvida, uma experiência muito valiosa...
(1) «Outlaw» significa em inglês fora da lei. (N. do T.).
Sem comentários:
Enviar um comentário