domingo, 11 de novembro de 2018

BIS168.01 Uma sova no preto

O campo de visão de Franck McGinnis estava circunscrito àquelas duas botas de montar, de couro forte, bastante gastas e sujas de lama. Se fizesse um maior esforço, levantando a cabeça, poderia ver outras botas iguais àquela e atrás desta, mas esse movimento era doloroso e ficava-se, apenas, com o olhar fito naquelas, bem próximas do seu rosto.
Franck McGinnis estava deitado no chão poeirento daquela praça larga da povoação, de barriga para baixo, com as mãos atadas atrás das costas. As botas pertenciam a Graham Hook, um tipo alto e forte, de músculos vigorosos, que era o proprietário da maior extensão de terra nos limites do povoado e, por via disso, o dono de Hayman City, sem sombra de dúvida. Mas Franck sabia mais: Hook era também o dono de Lily Carmena, a rapariga mais bonita que ele jamais vira em Hayman City, e era por causa disso que estava a ser sovado, publicamente.
McGinnis fechou os olhos ao ver Graham levantar a bota pela décima vez. A pancada desferida na base da cabeça doeu-lhe, profundamente.
— Toma, maldito negro. Ou desapareces para sempre desta terra, ou dou cabo da tua miserável pele. Não queremos miseráveis da tua laia a conviver connosco!
Estas palavras doeram a Franck, muito mais do que a pancada. Era sempre assim! O branco arranjava todo e qualquer pretexto para troçar da sua cor.
Pensou o que diria aquele homem se estivessem frente a frente e com uma arma cada um. Certamente, reduziria a sua petulância. Jurava vingar-se. Mas, a falar verdade, não via meio de se safar daquela enrascada.
Hook desferiu um pontapé que o atingiu a meio do peito e o atirou três metros para a esquerda. McGinnis encolheu-se com a dor. O rancheiro riu. Correu para ele e calcou-lhe a cabeça com as botas. McGinnis viu tudo da cor de fogo e desmaiou.
— Alto, Hook! O que é que você está a fazer ao homem?
Graham Hook voltou-se e encarou o xerife. Fez um trejeito de desagrado. Jack Flanagan, xerife de Hayman City, era o único rebelde às suas ordens. E aparecia logo no momento em que ele ia dar cabo do maldito preto!
— Chama a isto homem? — retrucou o rancheiro rindo. — Em Hayman City não queremos destes homens, não é verdade, rapazes?
Um murmúrio de assentimento, por parte dos presentes à cena, sublinhou a pergunta. Mas Flanagan sabia que, uma boa parte dos curiosos eram capangas de Hook. Ficou parado a alguns metros de distância do rancheiro, com as pernas abertas, em atitude hostil.
— Tens alguma coisa a dizer que prove que esse preto não é um homem, Graham?
Hook tartamudeou qualquer coisa que não chegou a ser audível. Entretanto, pensava: «este Flanagan dos diabos não consegue ainda discernir quem manda em Hayman! Subiu-lhe a estrela à cabeça e, qualquer dia, é capaz de ir para a cova com ela!». Jack voltou a falar:
— Este homem quando chegou a este povoado veio falar comigo. As suas intenções são pacíficas. Procura trabalho. Mas tu, Hook, precipitaste tudo. Ateaste o ódio no coração desse forasteiro e aviso-te, apesar de negro, é um grande pistoleiro. Se pensar vingar-se é capaz de te matar!
Graham Hook era de estatura mediana, forte, envergava uma camisa berrante e umas calças pretas, que metia por dentro das botas de montar. A cinta trazia um cinturão, de onde pendiam dois coldres e outras tantas armas. Ao ouvir o xerife esbugalhou os olhos de espanto e sentiu--se como o homem que, encontrando-se num ponto elevado, perde o equilíbrio.
Hook era, por natureza, um tipo medroso. Por isso, andava sempre rodeado pelos seus correligionários. O seu primeiro pensamento foi matar o pistoleiro negro. Talvez, adivinhando-lhe os intentos, o xerife Jack avisou-o:
— Eu aqui represento a ordem, Graham! Não tentes fazer qualquer asneira!
— Não disse que este homem ia matar-me?
— Não! Disse que, se ele quiser vingar-se, é capaz de o fazer.
— Então?!
— Só o poderei prender depois de ele o ter feito. Por outro lado, poderei prender-te a ti pelo que acabas de fazer — e Flanagan apontou para o corpo inanimado do preto.
— Fui dar com ele com Lily — defendeu-se o rancheiro.
— É um mal de quereres monopolizar tudo, Hook. Mas podes intentar uma ação judicial contra ele.
— Não gosto da maneira como você faz justiça, Jack. Acho que era bom arranjarmos outro xerife que defendesse os interesses das pessoas que vivem no povoado e não o dos estranhos.
— A ideia não é má, Hook, porque não a pões em prática? — Flanagan sabia que Hook ia tentar matá-lo para mandar, completamente, em Hayman City e Hook, por sua vez, sabia que o xerife ia precaver-se contra isso, tornando-se desde aquela altura o seu pior inimigo.
***
Franck McGinnis abriu os olhos e viu-se deitado no interior de uma cela protegida por grossos varões de ferro e admirou-se de ver a porta aberta. Através dela via, no aposento contíguo, uma secretária de madeira, em cima da qual repousava um cinturão de couro e uma arma que ele não teve dificuldade em reconhecer serem seus, uma cadeira giratória e uma carabina Springfield pendurada na parede. Refletiu que se devia encontrar na Delegacia da autoridade naquele povoado.
Doía-lhe o corpo todo dos maus tratos infligidos. Alguém lhe pensara os seus ferimentos. Ficou deitado, sem se mexer, a relembrar o que se havia passado. A seguir recordou a sua chegada a Hayman City até ao momento de ser espancado por Graham Hook...

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