terça-feira, 20 de novembro de 2018

BIS168.10 Chega o terror

O chicote sibilou no ar e quando bateu nas costas nuas daquele homem deixou ficar uma marca sanguinolenta. Um dos dois homens que o seguravam foi também atingido e praguejou enraivecido: — Diabo, chefe. Não estou a gostar de fazer isto.
— Cala-te! Para tipos da laia desse canalha o chicote é bom demais. Só uma bala entre os olhos — e Hook enraivecido ia bater segunda vez.
O castigado, um vaqueiro pago por ele, chorava de dor e balbuciou:
— Não tive culpa. Ela... — calou-se ao ser golpeado pela segunda vez, com os músculos crispados. Forcejou por libertar-se, mas estava bem preso pelos dois companheiros.
— Se me bates... outra vez... mato-te! — berrou encolerizado.
Ouvindo isto, Graham ficou ainda mais furioso e ia canalizar a sua fúria para a ponta do chicote que empunhava, quando a porta da dependência onde se encontravam os quatro homens se abriu para dar passagem a Patrícia Hook. Esta olhou admirada para aquela cena e depois explodiu:
— Como te atreves? Desgraçado!
— Cala-te! — berrou o irmão. — Por tua causa sou escarnecido pelo mais ínfimo dos meus homens.
— Sou maior e posso escolher as minhas companhias — desafiou.
— Sai! Não és digna sequer de falar para mim!
Patrícia riu num perfeito à-vontade. Os três vaqueiros assistiam, com o ar de quem está a mais, àquela cena.
— Tenho nas veias o sangue da nossa mãe.
— Cala-te, já te disse, ou provas o gosto deste chicote — o castigo sibilou no ar, produzindo um estalo seco, amedrontador.
Patrícia parecia estar segura de que ele não o utilizaria na sua pessoa.
— Larguem esse homem — ordenou ela para os vaqueiros. — Vai-te embora, Sam.
O chamado Sam tinha cara de quem, nos tempos mais próximos, não se ia meter numa aventura amorosa com uma irmã do patrão. Os outros dois, que o seguravam, olharam para Hook à espera da confirmação daquela ordem que gostariam de cumprir. E, a confirmação soou de modo diferente: — Nesta casa quem manda sou eu!
— Não obedecem? — exclamou Patrícia parecendo admirada. — Cambada de covardes! Nem homens sabem ser! — e cuspiu no chão com nojo.
— Cadela! — nesta palavra Hook expelia todo o fel que tinha dentro dele.
— Se soubesses quanto gostei de estar com o teu maior inimigo. Imagina: McGinnis!
— O preto?! — berrou Hook. — Aquele maldito preto?! — Graham parecia estar demente e Patrícia começava a arrepender-se de ter ido tão longe nas suas revelações.
Antes estava confiada que o irmão nada ousaria contra ela, agora tudo podia acontecer...
— Agarrem-na! É ela que merece o castigo.
A ordem caiu como uma bomba! Os vaqueiros não queriam avançar. Patrícia pensava que estava perdida. Valeu-lhe a entrada de outro vaqueiro.
— Hook, vêm aí os homens de Santa Fé!
O rancheiro olhou-o furibundo e ia mandá-lo ao diabo, quando o pensamento dos negócios se sobrepôs às questões familiares.
— Não ficarás sem castigo. E esse preto filho de uma cadela tem, a partir deste momento, os minutos contados — dizendo isto atirou o chicote para um canto e saiu da sala.
Diante dele estavam os homens recrutados em Santa Fé e com os quais ia semear a morte e a destruição na região, avançando por caminhos tortos para o seu poderio absoluto.
Olhou-os, um por um, como quem avalia uma mercadoria. Viu, naqueles rostos macilentos e barbudos, os maiores facínoras do Oeste, quase todos com mandatos de captura afixados nas delegacias estaduais, gente que vivia do Colt e para o Colt, que não hesitaria em cumprir uma ordem, qualquer que ela fosse e sorriu contente com isto. Contou-os e reparou que faltava um homem. Encomendara dez e estavam ali apenas nove.
— Falta um — disse.
— Jim Mac Mahon — explicou um tipo que não devia ter mais de vinte e três anos, mas que a vida que levava lhe dava, a seu ver, uma certa preponderância sobre os outros, pelo que sorria de modo escarninho —não pôde vir. Tem serviço.
— Falemos de negócios — aconselhou Hook. — Pagarei a vocês o dobro que ganham os meus vaqueiros...
Os pistoleiros entreolharam-se, denotando surpresa pelas condições expostas. Graham pressentiu que eles não estavam interessados.
— Ouve lá, amigo — o bandoleiro adiantou-se e ficou tão próximo do rancheiro, que este lhe sentia o hálito nauseabundo. — Santa Fé é uma grande cidade. Lá tinha-mos trabalho com fartura. Se pensas que vimos para receber a côdea que nos ofereces, vamos embora agora mesmo — e um murmúrio de aprovação partiu dos companheiros.
— Então, quanto é que vocês querem receber?
— Olha. Cinco vezes o ordenado dos teus vaqueiros. É pegar ou largar!
Graham Hook raciocinou rapidamente. Aquilo era mais do que pensara dar àqueles homens. Mas não ia desistir por tão pouco. Ele trataria das coisas para que tudo corresse rapidamente, à medida dos seus desejos.
— Acho muito. Mas, não quero que me chamem sovina. Estamos de acordo! Cinco vezes mais. Só espero que todos vós mereceis este meu pagamento. Agora vamos a pormenores: não quero que, sob que pretexto for, nem mesmo para o recebimento do vosso vencimento, um de vós que seja venha aqui a este rancho. Aos olhos de toda a gente eu não terei nada de comum com o bando que vamos criar, pelo contrário, hei-de simular pegar em armas para o combater.
— Percebemos, chefe.
— Não me chames chefe. Sou apenas e simplesmente mister Graham Hook, um pacato rancheiro deste povoado.
— Bom.
— Esta zona está demasiadamente pacífica, rapaziada. Os rancheiros sentem-se em segurança, porque nada os preocupa. Acho bem aquecer o ambiente de modo a escorraçá-los daqui para fora... Não gosto da vizinhança...
— Para fazer barulho estamos cá nós — afirmou rindo um tipo sardento e de nariz aquilino.
— Depois de todos se irem embora ficará você — deduziu outro.
— Certo. Ficarei eu! Nessa altura, tomar-vos-ei indefinidamente ao meu serviço.
— Vamos a ordens.
— O bando vai começar a operar hoje. Um vaqueiro levar-vos-á a um sítio denominado Colina Verde, onde encontrareis uma cabana com o indispensável para uma permanência prolongada. Nenhum de vós sairá de lá, a não ser no cumprimento das ordens recebidas. Será bom montar um ou mais postos de vigilância; isso é com vocês. Igualmente estão lá capuzes pretos que utilizareis nas vossas surtidas. Estes, além de aumentar o medo e o pânico, ocultarão as vossas identidades, impossibilitando quem quer que seja de vos reconhecer.
— Se não saímos de lá, como recebemos as tuas ordens? — Elas chegarão lá, na altura que eu entender e da maneira que eu achar mais apropriada. — Entendido.
— Esta noite, atacareis em conjunto mas por pontos diferentes, o rancho Estapoole que confina com o meu. Como apresentação bastarão uns tiros para o ar e tudo o que for possível destruir sem perda de tempo, destruireis. Encontra-se nesse rancho um tipo perigoso. É preto. Se ele se opuser ou tentar combater-vos, não atireis sobre ele. Eu mesmo ajustarei contas com esse bastardo...
Os nove pistoleiros a soldo riram.
— Esse rancho será o objetivo número um das nossas arrancadas. O velho Estapoole será o primeiro a abandonar as suas terras. A ele, seguir-se-ão os outros.
Hook estava tão seguro do seu plano que a voz soava firme e bem timbrada. Dir-se-ia que antegozava já o espetáculo da sua vitória. Continuou:
— O xerife da região é um tolo com serradura na cabeça. Certamente pegará em armas contra o bando. Eu pôr-me-ei do seu lado, mas terei o cuidado de o afastar o mais possível da Colina Verde. Okay?
— Okay — responderam em uníssono.
— Patt! — chamou o rancheiro.
Esperou que entrasse um homem atarracado e forte, que percorreu o olhar pelos presentes.
— Trás uísque para estes cavalheiros e depois cumpre as instruções que eu te dei.
— Está bem.
— Boas noites! — saudou o rancheiro e saiu.
Ficou cá fora a respirar um pouco do ar livre. Espraiou a vista pelos terrenos que lhe pertenciam e que esbarravam com a cerca dos Estapoole e sorriu, contente consigo mesmo. Que lhe importava os meios que empregava, se eles o conduziam ao triunfo certo?
Aspirou sôfrego o ar a plenos pulmões. Estava mesmo contente consigo. Hayman pertencer-lhe-ia inevitavelmente! O céu, agora límpido, parecia condenado a tingir-se de sangue...

***

A noite tinha caído. O xerife Jack Flanagan olhou para o relógio. Mais um quarto de hora e ia para casa. Não sabia porquê mas, naquela noite, algo o oprimia. Sentia-se preocupado, era como a previsão de acontecimentos maus. Isto o mantinha sentado na cadeira da sua secretária na delegacia à espera, nem ele sabia de quê. Nos outros dias, àquela hora, usualmente já se encontrava em casa. Era possível que Marie, sua mulher, estivesse preocupada com a sua demora mas, que diabo, era um duro e, se alguma coisa lhe parecia não estar certa, era porque não estava mesmo.
Voltou a olhar o relógio e espreguiçou-se indolentemente. Pensou:
— «Parece que, como adivinho não sou grande coisa. Vou até ao bar e depois, casa».
Mentalmente conjeturou o que ia acontecer no saloon. Mabel Lee a cantar numa voz que só era bonita por sair da garganta de um corpo daqueles. Olhando para as formas bem proporcionadas de Mabel, os espectadores até se esqueciam que ela cantava mesmo mal de todo.
Sempre que terminava, uma matilha de homens berrava e batia palmas, até enrouquecerem ou as mãos começarem a doer. Jack Flanagan bocejou e ia sair, quando ouviu o tropel de um cavalo à desfilada. Ficou subitamente tenso e o coração aumentou de ritmo.
«É o que eu esperava. Deve ter-se passado qualquer coisa» — pensou.
Quem quer que fosse que vinha a toda a brida, apeou--se à entrada da delegacia e, meio segundo a seguir, a porta abria-se de rompante. Era um vaqueiro.
— Xerife, o rancho de Max Estapoole foi assaltado! Está a arder! — berrou.
Flanagan agarrou-o por um braço.
— Como foi isso?
— Um grupo de cavaleiros mascarados passou de rompante pela fazenda, destruindo e incendiando...
— Vamos ver isso.
Num ápice, Jack afivelou o cinturão e momentos depois cavalgavam pela noite fora. Ao longe avistou-se um foco de incêndio na propriedade do Estapoole mas, ao aproximarem-se já não viram braseiro algum. Um tiro soou e o xerife sentiu o projétil sibilar muito próximo da sua cabeça.
— Diabo! — e lançou-se ao chão.
— Somos amigos! — gritou o vaqueiro que o acompanhava, que também estava estirado no chão.
Os cavalos tinham fugido assustados.
— Avancem! — soou uma voz na escuridão.
Flanagan levantou-se e caminhou em frente. Descobriu um vulto com uma carabina na mão.
— Desculpe, xerife. Não sabia...
— Para a outra vez, quando não souberes quem é, faz pontaria mais alta, rapaz.
Max Estapoole andava ali próximo, barafustando.
— Viva, xerife. Estamos em guerra! — exclamou sem se deter.
Flanagan precisou de ir atrás dele.
— Ninguém me tira da cabeça que isto é obra desse canalha do Hook. Mas, ele paga caro. Um Estapoole nunca vira a cara ao perigo, seja ele qual for e venha da onde vier.
O agente da Lei começou a compreender o que se estava a passar. O velho tinha reunido os seus homens e, enquanto uns eram utilizados no combate ao incêndio e defesa da fazenda, outros preparavam-se para, sob o seu comando, fazer uma sortida à propriedade do Graham, idêntica à do grupo mascarado naquela.
— Está a ver o que vamos fazer? — gritou Estapoole colocando a sela na montada.
Helena passava naquela altura carregando um balde com água.
— Para vilão, vilão e meio, conhece o ditado, não, xerife? Comigo é assim: igual por igual.
Jack sentiu-se, subitamente, pequeno demais diante daquele homem. Era seu dever detê-lo, porque à sua pessoa é que competia gerir a Justiça e não podia permitir que outros o fizessem a seu bel-prazer.
— Oiça, Estapoole. Você é um duro, não o nego, mas o que quer fazer não está certo. É à Justiça que compete tratar do caso.
O rancheiro riu.
— Sei o que faço! Se ficasse quieto como você quer, a única coisa que a sua Justiça podia fazer era levar-me num caixão. Estas coisas, xerife, resolvem-se com os punhos e com as armas; qualquer contemplação ou atraso é a ruína e a perdição.
— Como pode afirmar que foi o Hook? Quem lhe garante isso? Não afirmou que os atacantes estavam mascarados?
— Disto percebo eu, meu velho. Não é a primeira vez que luto, nem que pego em armas. As cicatrizes que pode ver no meu corpo não foram feitas a brincar. Se digo que foi esse patife, foi ele mesmo! Mas ele vai ver como elas mordem! Responder-lhe-ei sempre na mesma moeda. Assim não ficarei nunca em dívida, pois não, xerife?
— Não posso permitir que faça isso! — berrou Flanagan numa última tentativa de aquietar o velho rancheiro. — Sou a Lei! Terei de prendê-lo.
— Experimente — desafiou-o. — O que tem a fazer é ir para o seu escritório, porque não demorará a aparecer por lá o meu vizinho a queixar-se das tropelias que eu fizer nas terras dele — e, agilmente, montou.
Seis vaqueiros aguardavam na sua retaguarda a ordem da partida.
— Outra coisa. Mandei recolher os meus homens e não vi o McGinnis! Sabe onde ele para?
O xerife fez um gesto negativo com a mão.
— Estou preocupado. Veja se o descobre. É uma das suas atribuições, não? — e, vertiginosamente, os sete homens embrenharam-se na noite.
Tal como Max previra, Hook apresentou-se mais tarde na Delegacia.
— Fui atacado, xerife. Estapoole invadiu as minhas terras com os seus homens, eu vi-os e reconheci-os a todos, destruindo e atiçando o fogo. Exijo rápidas providências.
— Sente-se, Hook. Precisamos de conversar.
— Você não pode ficar aí quieto, quando tipos sem escrúpulos atacam, impunemente, pessoas indefesas.
— Sabe que o Estapoole também sofreu um ataque igual há poucas horas? Ele pensou que fosse você.
— Eu?! — o rancheiro fez cara de espanto. — Não sei de nada.
— Era um bando de mascarados.
— Um bando?! Isso é mentira dele.
— Estive lá e vi.
— Talvez tenha preparado o cenário.
— Estapoole não era homem para isso!
Havia tanta convicção na voz do xerife, que Graham receou ter-se adiantado, demasiadamente.
— Lá isso... — coçou a cabeça. — Eu e o Estapoole sempre nos demos mal, isso é um facto que toda a gente sabe. Mas, se anda por aí algum bando a fazer das suas, eu e os meus homens estamos à sua disposição para combatê-lo.
— Bom. Vou investigar...
— E o ataque do Estapoole fica assim? Foi ele mesmo quem chefiou os homens. Vi-o!
Jack respirou fundo para se controlar. Como a muita gente, metia-lhe nojo estar a falar com aquele indivíduo, porque era sabido que, em cada três palavras que proferia, as mesmas três eram asneira.
— Oiça-me, Hook. O seu passado não está tão limpo, quanto seria de desejar.
— Que quer dizer? — a conversa começava a não o interessar. Pôs-se de atalaia.
— O caso da rapariga, Lily, ainda não está, definitivamente, resolvido.
— No tribunal não se provou nada. — Eu sei. As testemunhas afirmaram que não o tinham visto agredir a rapariga. Outras abonaram a teu favor. Mas o júri não ficou, suficientemente, esclarecido. Sabe como estas coisas são e como elas se fazem... Mas, há um homem que jurou acusá-lo. Todavia, não compareceu quando foi convocado.
— Esse preto?
— Sim. McGinnis.
Hook ficou calado.
— Será bom que se conserve à margem e deixe campo aberto à Justiça. Eu tratarei do problema dos assaltos desta noite.
— Bom. Mas não espero muito, xerife. Não quero que me chamem covarde — pegou no chapéu e saiu.
A noite estava fria e o nome de um homem não lhe saía do pensamento: McGinnis. Tinha de matar esse preto! E aquele estúpido xerife a armar-se em vivaço! Se ele soubesse que a convocação de McGinnis tinha caído em seu poder... Riu, nervosamente. Tomou a direção sul, caminhando rente aos barracões.
Olhou para cima daquela porta, viu luz e bateu. Soaram passos abafados no interior e uma voz feminina perguntou com receio:
— Quem é?
— Sou eu. Hook! Abre, Mabs.
O fecho rodou e a porta entreabriu-se.
— Não te esperava — disse a artista do saloon em voz muito baixa.
Deixou-o para ir fechar a porta que havia ficado aberta.

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