«O destino é mais forte do que tudo», pensou McGinnis, enraivecido com a sua própria pessoa, na incómoda posição em que se encontrava, acocorado no interior do roupeiro de Mabel Lee, Mabs para os íntimos, a rapariga de Hook.
Franck estava bêbado um segundo antes daquelas pancadas na porta; agora, sentia-se, perfeitamente, lúcido.
Escondera-se ali, mais pela rapariga do que por ele mesmo. Se Hook o descobrisse, um dos dois morreria... Ouvia-os falarem:
— Olá, Hook.
— Boas noites.
— Não te esperava. Que sé passa?
— Nada. Estou aborrecido.
— Porque estás a olhar para todos os lados?
— Por nada e deixa-te de fazer perguntas.
— Estás zangado comigo?
— Onde estavas?
— Deitada.
Foram momentos de expectativa. McGinnis do seu esconderijo ouvia tudo. Pensou que ia ficar toda a noite no meio das roupas de Mabel, até que ouviu o rancheiro dizer:
— Vou-me embora.
— Não ficas?
— Não. Tenho umas coisas a tratar logo de manhã.
— Quando voltas?
— Porque queres saber?
A brusquidão da voz do homem contrastava com a brandura da dela.
— Por nada.
Franck ouviu-o sair. A chave rodou na fechadura. McGinnis levantou-se e — coisa engraçada! — continuava bêbado! Afinal sempre tinha estado bêbado!
— Porque demoraste tanto tempo a abrir?
Franck estava bêbado um segundo antes daquelas pancadas na porta; agora, sentia-se, perfeitamente, lúcido.
Escondera-se ali, mais pela rapariga do que por ele mesmo. Se Hook o descobrisse, um dos dois morreria... Ouvia-os falarem:
— Olá, Hook.
— Boas noites.
— Não te esperava. Que sé passa?
— Nada. Estou aborrecido.
— Porque estás a olhar para todos os lados?
— Por nada e deixa-te de fazer perguntas.
— Estás zangado comigo?
— Onde estavas?
— Deitada.
Foram momentos de expectativa. McGinnis do seu esconderijo ouvia tudo. Pensou que ia ficar toda a noite no meio das roupas de Mabel, até que ouviu o rancheiro dizer:
— Vou-me embora.
— Não ficas?
— Não. Tenho umas coisas a tratar logo de manhã.
— Quando voltas?
— Porque queres saber?
A brusquidão da voz do homem contrastava com a brandura da dela.
— Por nada.
Franck ouviu-o sair. A chave rodou na fechadura. McGinnis levantou-se e — coisa engraçada! — continuava bêbado! Afinal sempre tinha estado bêbado!
— Porque demoraste tanto tempo a abrir?
***
Quando empurrou os batentes volante do saloon, McGinnis não estava, positivamente, bêbado, mas a sobriedade também não era o seu estado atual. Cambaleou até ao balcão e sentou-se num banco alto, sem pedir nada, ficando a olhar para a sala. Mabel Lee ainda não tinha começado a sua atuação.
Algumas mesas estavam ocupadas por vaqueiros que conversavam, ou jogavam às cartas.
— McGinnis, não quero barulho... — titubeou o taberneiro.
Franck voltou-se para o balcão.
— E quem te disse a ti que eu venho fazer barulho?
— A tua presença aqui é o bastante.
— Se alguém não gostar de me ver aqui, então farei mesmo barulho!
O taberneiro afastou-se preocupado, murmurando frases incompreensivas. Franck escondeu a cabeça entre as mãos. Tinha descido bem fundo, no lamaçal do abandono e na execração de si próprio, desde a sua ligação íntima com Patrícia Hook.
Como podia, agora, olhar para Helena Estapoole e esperar a sua absolvição? Era um miserável, um farrapo desprezível, destruíra tudo que de bom existia na sua vida, para tornar a ser o duro de outrora, o vadio errante. Bebia para esquecer, mas bêbado afundava-se, ainda mais, no vácuo da sua vida.
McGinnis notou o súbito aumento de vozes, de pessoal que entrava, mas não se moveu até que lhe tocaram nas costas.
— Eh, preto!
Quando se voltou, pôde verificar que o caso era mais grave do que julgara primeiro: conhecia de vista aqueles três homens. Eram vaqueiros do Graham Hook, mas o mais importante é que estavam bêbados e apontavam, cada um, uma arma ao seu peito.
— Eu não te dizia que era ele?
— Hook não quer que o matemos.
— Mas podemos divertir-nos!
— É verdade. Vamos fazê-lo saltar até se cansar.
McGinnis não via saída para aquela situação. Conhecia a brincadeira de que falavam: consistia em disparar uma arma para as botas de um tipo, obrigando-o a saltar para não ser atingido.
Os frequentadores do saloon convergiam para ali os seus olhares. Franck estava disposto a não saltar...
— Vamos a isto!
— Não! Aqui ninguém se diverte, amigos.
McGinnis olhou com interesse o homem que o salvava. Era, também, um vaqueiro do Hook e acabou por não compreender o que se estava a passar. Nós acrescentaremos que, aquele vaqueiro era o que Graham chicoteara. Os outros três voltaram-se para ele e foi visível a admiração de que foram possuídos.
— Tu?!
— Também queres brincar?
— Já disse que não! Guardem as armas.
Obedeceram, enfiando os Colts nos coldres.
— Não és nosso amigo?
Riu.
— Já não pertenço ao vosso grupo. Fui despedido_ e procuro trabalho. Saiam!
Não! — esta voz era de McGinnis e apanhou toda a gente de surpresa. Tinha-se deslocado noutra direção e estava de pé, com as pernas, levemente, abertas, pronto a sacar da sua arma. — Obrigado, amigo. Mas, agora, sou eu quem quer brincar. Quando vocês quiserem, podem começar.
Os vaqueiros entreolharam-se com um sorriso de confiança. Eram três e ele possuía, apenas, uma arma... Empunharam as armas ao mesmo tempo. Ninguém os venceria em velocidade... Mas, McGinnis, o apregoado cow-boy preto, mexeu-se com uma rapidez incrível.
O primeiro vaqueiro apanhou um tiro em plena testa, antes mesmo de tirar, completamente, a arma do coldre. Caiu para trás, certamente, sem ter tido tempo para saber que morria...
O segundo ia a disparar quando uma bala, penetrando na zona do coração, lhe roubou a vida, instantaneamente.
O terceiro disparou para o sítio onde devia estar McGinnis, se não tivesse saltado para o lado. O projétil pareceu que lhe entrara pela boca e desfez-lhe a cabeça em mil bocados sanguinolentos.
Os assistentes recuaram, instintivamente, tal era o assombro que sentiam. Três disparos! Três mortes!
Naquela fugaz fração de tempo, Franck reacendera a sua velha fama. Olhou para os cadáveres e guardou a arma.
— Espero que toda a gente declare ao xerife que foi em legítima defesa! — exclamou. Ia a sair quando o vaqueiro que o tinha salvado o segurou por um braço.
— Oiça. Hook despediu-me. O bando dos mascarados vai esta noite acabar com os Estapoole e com o seu rancho...
McGinnis encarou-o.
— Isso é verdade?
— Juro-o. Ouvi Hook combinar com os pistoleiros.
— Venha daí.
***
O velho Estapoole e seu filho estavam a terminar uma complicada paciência de cartas, Helena e a mãe bocejavam ansiosas por recolherem aos seus aposentos, especialmente, a primeira que, de há uns dias para cá andava anémica e sem alegria, quando a porta se abriu de rompante e McGinnis quase irreconhecível, sujo pelo pó da pradaria, surgiu no limiar. O velho Max olhou-o com espanto, como se estivesse de fronte de uma alma do outro mundo, e incidiu em particular o seu olhar para a coronha negra do Colt que era visível do coldre. Franck olhou para Helena, mas desviou, imediatamente, o olhar. Avançou direito ao rancheiro.
— Trago uma novidade desagradável!... Gostaria de lhe falar, apenas, na presença de Allan.
A um sinal do Estapoole as duas mulheres abandonaram o aposento. Quando a porta se fechou sobre elas, McGinnis continuou:
— Convém não levantar alarmes despropositados. Este rancho vai ser esta noite, novamente, atacado pelos mascarados. Desta vez, porém, vêm resolvidos a tudo. É possível que cheguem de um momento para outro. Reúna, imediatamente, os seus homens e concentre-os neste edifício principal. Aguente o mais que possa... espero chegar a tempo com reforços...
Quer Max como o filho tinham mil perguntas a fazer àquele cow-boy e, entre estas, duas de mais importância — «Como sabe disso? Por onde tem andado?» — mas, não chegaram a fazer uma sequer, porque Franck rodou nos calcanhares, saindo com o mesmo ímpeto da chegada.
— O que se passa? — perguntou a mulher do rancheiro espreitando à porta.
— Nada. Recolham aos vossos quartos e não saiam de lá até eu mandar! Se ouvirem tiros não se assustem. Vamos, Allan.
Lá fora ouviu-se o tropel de um cavalo que partia.
***
Graham Hook percorreu com o olhar o seu bando de mascarados. Ele próprio tinha enfiado pela cabeça uma máscara igual, simplesmente, enquanto as outras eram totalmente pretas, a sua possuía uma lista branca para ser reconhecido pelos seus homens. Aumentara o número dos mascarados com vaqueiros seus de confiança. Ao todo eram dezasseis homens! Havia dado ordem para se reunirem ali, porque lhes desejava falar antes de empreenderem a arrancada que, a seu ver, lhe ia dar o poderio total da região.
— Antes de partirmos, quero explicar-vos o que vamos fazer. Entendi que o método que estávamos a usar era demasiado moroso e talvez não desse bons resultados — a sua voz soava firme e perfeitamente audível. — Estava a encobrir-me com uma capa de legalidade para, aos olhos de toda a gente, não ter conivência nos actos cometidos nesta zona. Mas porque havia eu de proceder assim? Esta maneira de atuar era, totalmente, descabida de senso prático. Vou conquistar este terreno pela força! Quem se poderá opor?! Cavalgaremos sobre o rancho de Estapoole e não vamos deixar pedra sobre pedra! Tudo será arrasado... Seguir-se-ão os outros e, ao raiar do novo dia seremos os senhores destas terras. Doido ou não, Hook foi ovacionado com calor.
— Estamos prontos? — berrou Graham agitando a carabina no ar.
— Estamos — foi o grito bestial soltado pelos correligionários. — Em frente!
Os dezasseis homens lançaram-se pela noite fora em formidável cavalgada. Um vulto escutara-o de uma das janelas e entrou em casa quando se afastaram. Mais tarde foi visto um cavaleiro abandonar aquele rancho em direção à vila.
***
O tiroteio entre os homens de Estapoole e os mascarados estava ainda no seu ponto culminante, quando McGinnis com todos os rancheiros e todos os homens que conseguira recrutar na povoação caiu sobre os bandidos. Apanhados entre dois fogos, todos se renderam, imediatamente, com exceção de quatro que estavam prostrados por terra, mortos. Depois da refrega, um rancheiro contava em voz alta como Franck conseguira reuni-los e Estapoole veio dar um abraço ao cow-boy preto.
Allan foi buscar dois candeeiros e procedeu-se à tiragem dos capuzes dos atacantes. Foi aproveitando esse momento que um deles, com um salto imprevisto, tirou a arma a um vaqueiro e, agarrando Helena, escudou-se atrás dela, berrando:
— Se alguém der um passo, mato-a! A partida estava do seu lado, se o imprevisto não estivesse atrás de si.
O imprevisto foi uma voz de mulher:
— Larga a arma, Hook. Dou-te a minha palavra de honra que não me importo de te matar a ti e a ela!
— Patrícia!
Ela vestia roupas de homem e McGinnis lembrava-se, naquele momento, do cavaleiro que os apanhou e acompanhou quando vinham a sair de Hayman City. Esse cavaleiro era ela!
— Porque fazes isso, irmã?
— Porque te odeio, porque sou doida, por tudo! Mas larga essa arma! És um bandido e envergonho-me de ti. Além disso tens-me insultado e tratado, desprezivelmente. Mereces a forca! Larga a arma!
Ele obedeceu aniquilado. Mal a arma tocou o chão, foi agarrado por vários homens. Tiraram-lhe o capuz e verificaram que era, de facto, Graham Hook! Patrícia foi acometida por um ataque de choro. McGinnis confortava Helena do susto que apanhara.
— Palpite de pioneiro velho é certo, xerife — exclamou Max Estapoole.
Jack Flanagan afastou-se murmurando qualquer coisa. Os bandidos foram amarrados, solidamente, e escoltados por toda a gente até ao povoado. O dia não demoraria a romper. Mas uma sombra má fora afastada de Hayman City, um lugarejo que por força das circunstâncias, se tudo corresse à medida dos desejos de homens sem escrúpulos, ia tornar-se numa terra sem Lei.
Helena Finley Estapoole ofereceu-se para acomodar Patrícia Hook em sua casa por uns dias, mas esta recusou--se a ficar com a tenacidade de quem repele uma esmola e toda a gente a admirou, quando montou e se afastou, de cabeça erguida, de retorno ao seu rancho, agora, vazio e abandonado como pardieiro de recordações e almas do outro mundo.
***
Na cela onde se encontrava, Graham Hook ouvia o bater dos martelos dos carpinteiros que erguiam, lá fora, o instrumento que lhe ia dar a morte. Julgado — o seu julgamento redundara num verdadeiro espetáculo para a população da região, coisa nunca vista igual — por um júri honesto, reunido num barracão utilizado como tribunal, tinha sido acusado do assassínio de Lily Carmena e de um tal Golfrey Hilson — história antiga desenterrada da poeira do tempo — e cabecilha do bando armado que planeava assaltos contínuos.
A sentença, que só podia ser uma, fora dada por unanimidade de parecer dos júris: a forca! A execução estava marcada para as nove e meia da manhã.
Às nove e quinze, Jack Flanagan entrou, perguntou-lhe se queria alguma coisa, ao que Graham respondeu negativamente, e fumaram um cigarro juntos, até que chegaram os executores.
Foi um triste espetáculo ao qual ninguém assistiu. Aquele corpo ficou a baloiçar na corda, como se se tivessem esquecido de o ir recolher.
O resto do bando, com exceção de dois ou três sentenciados em penas de prisão, foi evacuado para a cidade de Santa Fé por motivo de terem inúmeras contas a prestar à Justiça dali. Graham Hook havia sido um caso errado como muitos.
Mais tarde, Patrícia Hook resolveu vender o rancho e retirar-se para Santa Fé, onde possuía família. Por ironia do destino, o comprador foi Max Estapoole, que o deu de dote à filha, nessa altura atarefada com o seu próximo casamento com Franck McGinnis...
CONCLUSÃO
— Julguei que nunca mais podia recuperar o teu amor, Helena...
— Pensavas assim tão mal da minha afeição?
— Não. Mas não me sentia digno dela.
— Estás a tempo de provar que o és.
— E prová-lo-ei, meu amor.
Não poderia ser encontrada melhor conclusão para esta história, do que este diálogo íntimo entre McGinnis e Helena.
Resta dizer, a finalizar, que Franck McGinnis é hoje um diligente rancheiro, pai de duas endiabradas crianças e, nada o aponta como o ex-pistoleiro preto, cuja fama varreu o Oeste de ponta a ponta.
Allan Estapoole continua a ser o seu melhor amigo e vizinho. Foi casar a Santa Fé com uma bela rapariga e esperam a chegada da cegonha para o mês de Julho...
F I M
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