sábado, 3 de novembro de 2018

BIS164.10 Em defesa de Cinthia

Cole atacou com bom apetite os grossos bifes com batatas que Cinthia acabava de lhe servir. Tinha de recompor as energias. A sova que Frost e os seus dois cúmplices lhe haviam aplicado tinha-o deixado muito quebrantado.
A sala de jantar estava quase vazia. Em frente do sardento sentavam-se dois indivíduos de rostos patibulares. Não cessavam de rir e de beber enquanto comiam carne estufada. Em várias outras mesas alguns vaqueiros tomavam as suas refeições em silêncio.
Cinthia, junto da entrada da porta da cozinha estava atenta a qualquer chamada dos clientes. Um dos indivíduos que faziam barulho voltou de improviso o olhar para a jovem.
— Linda, vem cá — gritou com um sorriso que mais se assemelhava a uma careta.
A jovem aproximou-se com o rosto sério, interrogando homem com os olhos. O tipo percorreu com o olhar torvo todo o corpo da rapariga. Deu um estalo com a língua, satisfeito:
— És a única coisa bonita que há nesta terra asquerosa, pequena.
— Que desejam tomar agora? — perguntou a jovem com frieza.
— Tomar, tomaríamos muitas coisas... mas do teu corpo — e o tipo riu-se piscando o olho ao companheiro. — Não é verdade que não recusaríamos nada deste bombom ?
Não era a primeira vez que lhe acontecia uma cena como aquela. Muitos, principalmente os forasteiros, tentavam convencê-la a sair com eles a passear ou a aceitar uma chávena de café. Outros, mais cínicos, chegavam inclusivamente a propor-lhe que...
Preparava-se para dar meia volta e voltar para o seu lugar anterior quando o outro indivíduo estendeu a mão e a segurou por um braço com um sorriso irónico nos lábios grossos.
— Não sejas tão arisca, pomba — disse com as pupilas brilhantes de desejos escuros. — Apesar das nossas roupas poeirentas dispomos do suficiente para satisfazer os teus caprichos por mais caros que eles sejam.
Com um esticão violento Cinthia desprendeu-se da manápula do tipo. Uma chama de indignação brilhou nas pupilas verdes da rapariga.
— Será melhor pagarem a conta e saírem.
— Sem tomarmos uma chávena de café? Isso não.
Esteve quase a dizer-lhes que lhes perdoava a conta desde que se fossem embora. Pensou melhor e dirigiu-se à cozinha. Ela não tinha culpa de que os homens se excitassem com a sua beleza e pretendessem obter os seus favores. Os homens são impulsivos. Julgam que todo o mundo se pode comprar com o dinheiro. Muitas vezes lamentara ser tão atraente. Os olhares torvos que via nos homens, quando passava perto deles, produziam-lhe uma sensação desagradável. De nojo. De amargura, também. Porque não a olhariam com admiração e doçura em vez de a olharem com desejo, vendo nela o fruto maduro e apetitoso que gostariam de saborear.
Voltou poucos minutos depois com as chávenas de café, colocando-as na mesa com o rosto severo. Subitamente, sentiu o contacto de um braço nas suas costas. Voltou-se como uma leoa ferida e descarregou uma sonora e violenta bofetada na cara do indivíduo que tinha à sua esquerda. As faces de Cinthia haviam adquirido uma palidez cadavérica.
— Oh... oh... — e o outro tipo rebentou numa gargalhada. — Eu bem te disse que a pomba era uma ferazinha por domesticar.
— Pois juro-te que a domesticarei — berrou o companheiro pondo-se em pé com as pupilas cintilantes. — Estas mosquinhas mortas não me resistem durante muito tempo como sabes. Sentem a falta de um bom domador.
Cole Derry, ao ouvir a bofetada dada pela jovem abandonara no prato o pedaço de carne que acabava de trinchar. Também os vaqueiros sentados no lado oposto ao sardento levantaram o olhar dos pratos para o cravarem em Cinthia e nos dois forasteiros.
— Saiam daqui imediatamente — exclamou a jovem com ira mal contida. — Se querem divertir-se vão para outro lado.
— Antes tens de me pedir desculpa com um beijo, linda — disse o tipo que recebera a bofetada.
Cinthia retrocedeu um passo, alarmada. Não lhe agradava nada o brilho maligno que ardia naqueles olhos semicerrados. Com um salto inesperado o indivíduo alcançou-a, cingindo-a pela cintura.
— Pedi-te um beijo, encanto, apenas um beijo — murmurou com um sorriso cínico. — E um preço baixo o que te peço pela bofetada.
— Eu acho que é demais o que pede a essa menina, bandido.
As palavras frias e contundentes haviam saído dos lábios de Cole Derry. O sardento havia-se posto em pé. O brilho dos seus olhos desaparecia atrás das pálpebras semicerradas. Cinthia estremeceu ao ver o olhar gelado que o sardento dirigia aos dois indivíduos.
Noutra ocasião houvera dentro daquelas quatro paredes um outro duelo e a luz que vira nos olhos do pistoleiro que vencera era exatamente igual à que brilhava nos olhos de Cole Derry naquela altura. Tentou evitar o choque. Considerou ridículo, quase monstruoso, que jogassem a vida pela trivialidade de um beijo. Fecharia a boca e os olhos e deixaria que aquele tipo a beijasse. Tudo menos ver correr sangue por sua causa.
No seu nervosismo nem havia reparado que o indivíduo continuava a apertá-la pela cintura com o seu braço musculoso e que a respiração lhe começava a faltar.
— Largue essa senhora de uma vez, porco.
Cinthia, ao ouvir novamente a voz gelada do sardento pareceu despertar do seu momentâneo torpor. Tinha o rosto demudado e as têmporas começavam-lhe a zunir, dolorosamente.
Preparava-se para abrir a boca quando se sentiu empurrada bruscamente para um lado. Tropeçou. Não caiu porque o seu corpo chocou contra uma das mesas e ficou recostado sobre ela.
O galheteiro que estava sobre a mesa tombou, entornando o sal e o vinagre sobre a toalha. Ela já não podia evitar o que parecia inevitável. Com as pupilas dilatadas pelo terror e a garganta seca presenciou a fulgurante e dramática cena que se seguiu ao seu empurrão dado pelo tipo que a tinha abraçada.
Os dois indivíduos, situados cada um de seu lado da mesa, haviam ficado em frente de Cole Derry. Pareciam serenos e tranquilos. A única coisa que denunciava a tempestade que rugia dentro dos seus peitos eram os olhares turvos.
— Bem, amigo, você assim quis — disse subitamente o que recebera a bofetada. — Costumo resolver as afrontas a tiro, em jogo limpo. Se se sente homem capaz de manter um insulto, diga-o.
— Sinto — respondeu o sardento, laconicamente. — Repito que são uns porcos. E agora as armas que «falem» se assim o querem.
Era o repto clássico do Oeste. Os «Colts» seriam quem teria a última palavra. A definitiva, naturalmente. Era uma terapêutica bárbara a empregada por aqueles homens primitivos do selvagem Oeste americano, é certo. Bestial, se se quiser, mas muitas vezes benéfica. Para exterminar as feras de duas patas não há, melhor que o chumbo quente, a guilhotina afiada ou o nó corredio.
Cole Derry naquele instante crítico só teve um pensamento: lamentar que Brian Boyds não estivesse ali para presenciar o duelo. Não pensou que a sua vida estava pendente de um fio que devia ter todos os sentidos alertados para evitar o arpão da morte. A única coisa que lamentava era que o seu amigo ocasional não pudesse comprovar que não dissera uma fanfarronada quando lhe assegurara que era mais rápido que ele a «sacar».
Não estava atento às mãos dos dois tipos. O que lhes observava eram os olhos. Sabia que neles descobriria o momento crucial de levar as mãos aos revólveres. Tenso e imóvel, sem que nenhum músculo do seu rosto se contraísse, esperou com os braços arqueados e a mão aberta junto da coronha do seu «Colt». E, subitamente... ~
Quatro detonações surdas encheram a sala. Nuvenzinhas brancas subiram em espirais caprichosas para o tecto. E o ar, segundos antes limpo e puro, ficou empestado pelo cheiro a lacre da pólvora queimada.
Cole Derry, no instante de «sacar» havia saltado instintivamente para o lado esquerdo. A isso deveu a sua salvação. Os dois indivíduos haviam sido tão rápidos como ele. Talvez nem se tivessem atrasado um quinto de segundo a apertar os gatilhos das suas armas. Pouco tempo, na realidade. Um quinto de segundo, em essência, é como um sopro. Contudo, ficaram a dever a morte a esse sopro. Os seus corpos avantajados receberam os dois projéteis cuspidos pelo «45» do louro sardento.
Da garganta de Cinthia escapou-se um grito de terror ao ver cair em grotescas piruetas os dois indivíduos de cujas mãos se escaparam os revólveres.
Tapou o rosto com as mãos para não ver o quadro que os dois cadáveres ofereciam com os olhos já vidrados pela morte e o sangue a correr caudalosamente dos seus corações. Porque fora naquele sitio que os atingiram as duas agulhas de chumbo. Nem-um centímetro mais acima ou mais abaixo. Em pleno coração, simplesmente, dando a impressão de que os dois tiros haviam sido feitos a tira-linhas.
Depois de soprar tranquilamente o cano do revólver, guardou-o. A expressão dura que contraía as suas feições sardentas havia-se atenuado. Desviou o olhar para os quatro vaqueiros que haviam presenciado o duelo. Disse com um encolher de ombros:
— Eles assim quiseram.
Compreendendo o que lhes queria dizer um deles murmurou num tom repousado e com uma luz de admiração nos olhos:
-- Conte com a nossa declaração, amigo; o duelo não podia ser mais legal.
— Conhecem estes homens ?
— Eu, pelo menos, não.
— Nós, também não — apressaram-se a acrescentar vários outros.
Um tipo citrino e encurvado que estava no canto oposto a Cole exclamou com voz aflautada:
— Quando saia da torrearia vi-os atravessar a rua; mas não eram dois mas sim três. O outro tipo levou os cavalos para a ruela onde fica o armazém de cereais e não voltei a vê-lo mais.
Um grito de angústia interrompeu o indivíduo. Proferiu-o Cinthia ao olhar para a janela aberta.
— Cuidado, Derry, a janela.
A reação do louro sardento foi instintiva. Atirou-se ao chão com rapidez e começou a rodar sobre si mesmo. Como moscardos raivosos os três projéteis procuraram com afã o corpo de Cole Derry. Afortunadamente, não o encontraram. Graças à rapidez de reflexos do sardento passaram a escassa distância da sua cabeça. A primeira bala ricocheteou sinistramente na parede e as outras duas morderam raivosamente o soalho. Cole Derry empataria naquele momento com Brian' Boyds no brincar de improviso como um símio com o «Colt» na mão.
O indivíduo assomado à janela não teve ocasião de apertar pela quarta vez o gatilho do seu revólver. Havia ficado desconcertado ao ver o sardento rodar como um pião, impedindo-o de afinar a pontaria. Quando quis retificar os tiros era demasiadamente tarde para ele. Qualquer coisa chocou brutalmente contra a sua fronte atirando-o para trás com violência. Nem sequer soube bem o que lhe aconteceu. Cole Derry voltou a soprar o cano do seu «Colt» fumegante. Um sorriso irónico curvava-lhe os lábios ao encarar com a jovem alterada.
— Obrigado, Cinthia. Se não fosse você, esse tipo tinha-me despachado. Sem esperar pela resposta da rapariga voltou-se para , o tipo citrino.
— Era este o terceiro ?
A resposta do vaqueiro demorou mais alguns segundos que os necessários. O seu rosto refletia um pasmo tremendo. Pôde por fim despegar a língua do céu da boca e murmurou, engolindo saliva:
— Sim, esse era o companheiro desses dois indivíduos.
Outro vaqueiro já recomposto do seu assombro disse com admiração olhando para Cole:
— Céus! Você parece uma centelha a disparar. E que pontaria! Três tiros e três cadáveres.
— Faça-me um favor, amigo — interrompeu-o o sardento sorrindo. —Vá procurar o xerife e o coveiro para que tirem estes «fiambres» daqui.
Mas não foi necessário chamar o xerife. Antes de que desaparecesse o eco da última palavra de Cole Derry, o representante da Lei em Bay Sping e o seu ajudante irrompiam como dois ciclones no restaurante.

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