O cavalo veio por ali fora naquela tarde ensoleirada, envolto numa espantosa nuvem de poeira que nada deixava distinguir, galopando endiabradamente e, ao passar defronte dos vaqueiros que tinham sido colhidos de surpresa, algo caiu ao chão rebolando alguns metros.
Era um homem!
O vaqueiro Jenkins logrou segurar o solípede e os restantes correram para o corpo imóvel estendido no solo. O homem chamava-se Tono e era um dos guardadores do gado de Estapoole.
Apresentava pelo corpo indícios seguros de ter sido sovado e o vestuário encontrava-se em farrapos. Pegaram nele e levaram-no para cima de uma pilha de feno, num local abrigado dos raios do Sol.
Nessa altura chegaram Estapoole, o filho Allan, McGinnis e o capataz Mac Donald.
— Que se passa aqui? — perguntou o velho rancheiro.
O pessoal abriu fileiras para ele passar.
— É o Totto — disse um do grupo. — Parece que se meteu em apuros!
Alguém atirou água para cima do rosto do inconsciente, mas demorou muito tempo até este recobrar o conhecimento. Joseff Mac Donald encarregou-se de o interrogar.
— Ouve, Totto, o que foi que te aconteceu?
O ferido rebolava os olhos dentro das órbitas, todavia, parecia ainda distante em pensamento do sítio onde se encontrava. Em voz muito débil, perguntou por sua vez:
— Onde estou eu?
— Estás em casa, homem. Eu sou Mac Donald. Precisamos de saber o que te aconteceu.
O vaqueiro cerrou novamente os olhos. Via-se que sofria. O capataz pegou num cantil com água e introduziu-lho na boca.
— O que se passou, Totto?
Um silêncio de chumbo pesava sobe os circunstantes. Se um cavalo relinchasse ali naquela altura, o som que produziria seria tão atroador como o tiro de um canhão.
— Foi Hook... — sussurrou o ferido.
— O que se passou?
— Eu apanhei Hook... no nosso terreno... levando cinco vacas... estava sozinho...
Hook atirou-se a mim com os seus cinco homens... amarraram-me as mãos a uma corda comprida e arrastaram-me durante muito tempo... atrás de um cavalo... depois fiquei ali... A cabeça do ferido pendeu novamente para o lado, ficando inconsciente.
— Levem esse homem para o seu quarto e prestem— lhe a devida assistência — ordenou a voz crispada do velho Estapoole.
— Sabemos agora — dizia o rancheiro ao jantar —que o nosso gado não foge para o terreno de Hook. Ele é que vem ao nosso terreno apanhá-lo para o levar para lá, onde o marcam com o ferro deles.
— Graham Hook é um canalha e merecia o mesmo castigo que deu ao Totto! — exclamou a voz exaltada de um dos vaqueiros.
— Quando aqui cheguei, rapazes — continuou o rancheiro — o assunto era tratado de modo muito diferente. Imperava a lei das armas e a do mais forte. Um dos dois tinha de morrer... Hook ou eu! Agora temos de agir de outra maneira. Vigiaremos noite e dia os limites do terreno deste rancho e, se esse canalha tentar repetir esta ação, castigá-lo-emos ali mesmo...
A refeição decorreu, a partir daqui, entre conversas exaltadas que visavam um só assunto.
A manhã ainda tardaria muito tempo a romper, quando os cinco homens abandonaram o edifício principal do rancho e se dirigiram para o barracão onde estavam os cavalos. Eram eles Allan, McGinnis, Mac Donald e mais dois vaqueiros.
Começaram a selar as respetivas montadas, sem dizerem uma palavra sequer. À luz difusa da manhã, algo de sinistro luzia na cinta daqueles homens. Armas! Os dois vaqueiros levavam carabinas.
— McGinnis! — chamou uma voz de mulher do exterior.
As cinco cabeças moveram-se para a porta do barracão. Era Helena Estapoole!
— McGinnis! — repetiu.
O preto caminhou na sua direção e ficou parado a alguns passos dela. A jovem olhou em silêncio para a coronha do Colt que sobressaía do coldre suspenso do cinturão. Compreendeu que o homem que estava à sua frente não era o vaqueiro McGinnis, mas o pistoleiro McGinnis, a quem chamavam o pistoleiro preto. Por força das circunstâncias e, quem sabe, talvez por amor à sua pessoa, Franck pusera de parte o seu sonho de uma vida pacífica e ia retornar aos seus tempos passados, numa palavra — lutar! Deram as mãos. Apercebendo-se do embaraço em que se deviam achar os dois jovens pelo facto de estarem a ser observados por todos, Allan disse em voz alta, de modo a ser ouvido por todos:
— Eh, Joseff, fecha-me essa porta. Está uma corrente de vento dos diabos!
Isto equivalia a um pacto entre eles!
— Minha mãe sabe que nos amamos — disse Helena. — Mandou-me entregar-te esta corrente de prata com uma medalha, para que nada te aconteça.
McGinnis não era religioso. Não sabia mesmo rezar. Mas às vezes, quando passava as noites pela pradaria tendo por tecto o céu estrelado, punha-se a pensar que havia de haver uma força poderosa a regular todas as coisas, os homens, as estrelas e as plantas. Deixou que ela pusesse o fio em volta do seu pescoço. As suas mãos estavam frias. Abraçou-a e beijaram-se.
— Adeus, Helena... Até ao regresso...
— Adeus, McGinnis... — e ela afastou-se apressadamente, quase correndo, para que ele não a visse a chorar.
Franck retornou ao barracão. Allan acabara de selar a sua montada.
— Obrigado, Allan... por teres acabado o meu trabalho — montou agilmente, sem pôr os pés nos estribos, à maneira índia.
— Vamos embora antes que amanheça.
No silêncio da manhã ouviu-se o tropel dos cinco cavalos. Por detrás dos vidros de uma janela, um rosto feminino via-os partir, enquanto grossas lágrimas deslizavam suavemente pelo bronzeado da sua pele. E, na janela ao lado, um rosto de homem também seguia com o olhar os cavaleiros matutinos. Era Estapoole...
Os cinco cavaleiros chegaram ao local onde pastava o grosso da manada e foram recebidos pelos gritos de entusiasmo dos vaqueiros que ali se encontravam, que recebiam desta maneira jubilosa o reforço armado.
Desde o que acontecera ao Totto, os guardadores viviam em sobressalto. Havia um homem que eles receberam com mais entusiasmo. Era McGinnis! Sabedores da fama que ele arrastava consigo como atirador — embora nenhum deles o tivesse visto atirar! — a presença dele ali era como uma barreira de segurança contra todos os possíveis inimigos, uma vez que nenhum dos vaqueiros possuía uma arma sequer.
Dada a má vizinhança com Graham Hook, que se arrastava já há um ror de anos, ameaçando de dia para dia tornar-se numa guerra aberta entre os dois rancheiros e, tendo em atenção a extensão do terreno de pastagem — mais de três quilómetros! — Estapoole resolvera montar três postos de vigilância ao longo da vedação que separava as suas terras das do vizinho beligerante.
Em dois deles, encontravam-se sempre quatro homens, noite e dia. O pessoal destes postos era rotativo, mudando-se ao fim da semana, de uns para outros.
No terceiro posto — chamar-se-ia, com propriedade, posto-central — encontrava-se o restante pessoal.
Estes homens viviam em barracões de madeira, onde faziam toda a sua vida, desde o dormir até ao próprio cozinhar das suas refeições. Mensalmente, eram rendidos por pessoal vindo de cima e Estapoole dava-lhes dois dias para se divertirem... e embebedarem! — no povoado.
McGinnis e os companheiros desmontaram defronte do posto-central, um barracão de madeira enegrecida por cuja chaminé saía um fumozinho preto.
— Alô, pessoal! — saudou o capataz.
— Bons dias. Sejam bem aparecidos! Chegam mesmo na altura do café!
— Vamos a ele.
E, ruidosamente, encaminharam-se para a porta da entrada do barracão. Sem ninguém dar por isso, Franck separou-se do grupo, dirigindo-se em direção diferente. Quando notou a sua falta, Allan chamou-o:
— Eh, McGinnis! Não vens?
— Não demoro nada. É só um momento.
Debruçou-se sobre a vedação de toros de madeira, que marcava o limite das terras de Estapoole. Para lá, era zona proibida. No entanto, dum lado e do outro, a paisagem era realmente a mesma: prados verdejantes que se estendiam até perder de vista. Por vontade dos homens, aquela terra igual dividia-se naquele ponto. Para cada um dos proprietários, o lado contrário era zona proibida...
McGinnis demorou-se ainda ali algum tempo. Depois tomou o caminho do barracão. Mac Donald trouxe-lhe uma caneca com café e pão com fiambre. À socapa, os vaqueiros presentes olhavam com admiração para aquele preto musculoso, que diziam ser hábil no manejo do único Colt que trazia pendente do cinturão de couro, repleto de balas. Quando acabou de comer, Franck fez um gesto com ambas as mãos e as conversas morreram ali.
— Tenho um plano para todos...
Sentou-se na mesa, brincando com uma faca de cozinha e os outros chegaram-se para o pé dele.
— Temos três postos de vigilância — continuou. — Cada um de nós — e designou-se a si, a Allan e ao capataz — chefiará esses postos. Mac Donald, a tua presença é mais precisa aqui do que em qualquer outro lado... Allan ficará no posto Sul e eu no do Norte.
O posto Norte era aquele onde se dera o incidente com Tono. Voluntariamente ele oferecia-se para o posto mais visado por Hook e Allan compreendeu, porque começou a dizer:
— McGinnis eu...
— Fico no posto Norte, Allan! — disse terminantemente o preto. — Ninguém te garante que o do Sul não seja brevemente o atacado...
Allan calou-se.
— A gerência e normas de vigilância de cada posto ficarão ao cuidado do chefe do mesmo. No meu, estabelecerei turnos de guarda, rendidos de duas em duas horas. Se se der algum incidente, imediatamente avisaremos o posto a seguir e este, por sua vez avisará o outro. Okay?
— Okay! — responderam-lhe, quase em uníssono, Allan e o capataz.
— Boa sorte — desejou o preto aos seus dois amigos, juntando às palavras uma palmada amigável nas costas de cada um e, dando o exemplo, saiu e montou, partindo em direção ao posto que destinara a si próprio.
Joseff e o filho de Estapoole saíram logo a seguir. Quando McGinnis avistou o barracão de madeira, mais pequeno que o do posto-central, que seria a sua casa durante os tempos mais próximos, abrandou a marcha do solípede. Compreendeu imediatamente a razão porque Hook tinha escolhido aquela zona para as suas surtidas. O terreno era um bocado sinuoso, com altos e baixos, o que facilitava a aproximação dos inimigos. Ia com os olhos fixos no barracão e estranhava por não ver fumo sair pela chaminé, nem ninguém presente ao redor do mesmo. Onde estaria o pessoal? E, o seu coração começou a bater com mais força: teriam sido novamente atacados? Ia esporear a montada, quando uma voz à sua direita lhe freou os intentos:
— Mãos no ar!
Obedeceu prontamente, mas continuou sem ser ninguém. O atacante estava escondido atrás de uns arbustos mas, por qualquer motivo, não queria mostrar-se.
— Faz marcha atrás e vai dizer ao porco do Hook que nós estamos armados e à espera dele. Armados, percebes? E agora desaparece, antes que eu... — a voz soava com bastante aspereza.
McGinnis ficou nó mesmo sítio e fez prodigiosos esforços para não romper às gargalhadas. Sabia agora porque era que o seu atacante não queria mostrar-se...
— Sei que você não tem qualquer arma... — disse. — A sua sorte é eu pertencer ao pessoal do Estapoole e vir como amigo — desmontou. — Venha daí dar um abraço.
O vaqueiro levantou-se imediatamente e ficou hesitante.
Era um homem forte, com a barba hirsuta e o aspeto de quem não pregava olho há muito tempo.
— Chama-se McGinnis?! — perguntou, ainda pouco convencido e receando, talvez, ter caído num ardil.
— O meu nome é Franck McGinnis!
O homem veio quase a correr, aos tropeços, de mão estendida. Parecia que ia chorar de alegria.
— Desculpe. Mas nós não temos armas... e depois do que aconteceu ao Totto! Que havíamos de fazer, senão jogarmos aos policias e ladrões como os meninos da escola? Chamo-me Grant — depois de apertar a mão ao preto, levou ambas as mãos à boca, em forma de concha e chamou: — Richard! Green! Venham cá!
McGinnis viu-os levantarem-se dos sítios onde estavam dissimulados e ficarem em expectativa. Grant repetiu a chamada:
— Venham cá! É um amigo...
— Falta um — disse o preto. — Onde está?
—É Russel, um valente. Está mais longe e tenho de ir lá chamá-lo. Foi ele quem se ofereceu para ir para lá!
Caminharam ao encontro dos outros dois homens. O aspeto era igual em todos: a barba por fazer e os olhos vermelhos de cansaço.
— Não temos medo, McGinnis — afirmou um deles, depois dos cumprimentos. — Se tivéssemos uma arma cada um!
— Vocês devem estar esfomeados!
— Esfomeados?! — desataram a rir. — Não comemos nada desde que Totto foi atacado!
— Se não se importam, sou o novo chefe deste posto — exclamou Franck. — Acho que vamos ser uns companheiros esplêndidos até nos virem render — riu. — Agora, Grant, pegue o meu cavalo e vá chamar esse Russel de uma figa. Entretanto, Richard é mestre cozinheiro e Green é o ajudante da cozinha. Eu ficarei cá por fora.
Os três homens entreolharam-se surpreendidos. Depois trocaram um olhar de inteligência acompanhado de um sorriso, Grant montou o cavalo dele desaparecendo em cavalgada e Richard e Green encaminharam-se para o interior do barracão.
Dentro de minutos, a chaminé fumegava. Russel chegou logo a seguir. Era um mocetão alourado e cumprimentou McGinnis com alegria. O preto afastou-se depois alguns metros da cabana. Ouvia-os a trautear lá dentro, enquanto se barbeavam. Richard surgiu à porta.
— Não vem comer, McGinnis?
— Não, obrigado. Já almocei.
— Bom.
Demoraram-se alguns minutos, até que saíram todos para o exterior. Pareciam outros, lavados e bem-dispostos. Rodearam Franck que estava sentado no alto de uma pedra. Este passou a olhar por todos eles.
— A ordem agora é dormir — exclamou o chefe meio sorridente.
— Mas... — ia a protestar Grant.
— Eu disse, dormir! Okay? Eu ficarei por aqui.
Os quatro vaqueiros não tiveram outro remédio senão dar meia volta e regressar ao barracão. — Este é de fibra — ouviu Russel dizer para os outros. Deviam ter adormecido imediatamente e o silêncio caiu sobre aquelas paragens.
Grant foi o primeiro a acordar e verificou, espantado, que a noite descera. Soergueu-se e viu Richard, Green e Russell a dormirem a sono solto, nas camas ao lado. «O preto deve ainda estar de posto! — pensou. — Uma vergonha!»
Levantou-se, rapidamente, enfiou as botas e renunciando a passar um pouco de água pela cara, para não perder tempo, saiu do barracão. Na claridade da noite, descobriu McGinnis ao fundo, sentado sobre uma pedra. Aproximou-se. O negro volveu o olhar para trás e continuou na mesma posição.
— Está uma noite sem estrelas — disse Franck.
Grant olhou o céu e viu que, realmente, a noite não estava estrelada.
— Se calhar vai chover — concluiu o preto.
Grant, que esperava ouvir uma reprimenda pelo facto de se terem deixado adormecer, ficou boquiaberto com aquelas considerações meteorológicas.
— Desculpe, McGinnis. Adormecemos estupidamente...
— Estavam de facto muito cansados... — concordou o outro e prosseguiu: -- Este lugar de sentinela faz-me lembrar os tempos de tropa, quando nos exercícios cavávamos uma trincheira e ficávamos vigilantes toda a noite, embora soubéssemos que não havia qualquer inimigo...
Grant reparou que ele estava com um cobertor pelas costas.
— Vá-se deitar, McGinnis. Já esteve aqui tempo demais.
O preto passou-lhe o cobertor.
— Tenha particular vigilância ali — e estendeu o dedo em determinada direção. — Daqui por duas horas chame o Richard, este chamará o Green, depois o Russel e, a seguir, eu. Entendido?
— Okay!
— Pegue na minha arma. Raramente me separo dela... mas agora é um momento especial. Entregou-lhe o Colt. — Você fez mal em levantar-se — exclamou. — Está frio! De dia faz calor, mas à noite o vento sopra gelado — e afastou-se para o barracão.
Grant viu-o afastar-se. Depois sentou-se sobre a mesma pedra e concentrou a sua atenção na escuridão envolvente.
— Este preto desconcerta... — murmurou.
Dez dias! Mais de uma semana tinha passado, desde a chegada de McGinnis àquele posto de vigilância. Ocorrências: nenhumas! Tudo calmo, tão calmo como as longas tardes escaldantes, com o Sol a pino e sem uma aragem a refrescar. O cow-boy criara novo ambiente no barracão. Mandara deitar fora as latas de conserva empilhadas a um canto e que quase já atingiam as vigas do tecto, o chão foi varrido, as camas alinhadas, a cozinha lavada, o tecto arranjado e substituídas as tábuas por onde o vento entrava livremente à noite. Resumindo, a cabana ficara com um aspeto mais habitável...
Depois deste serviço, nada mais havia a fazer, pois raramente apareciam por ali algumas vacas de Estapoole, dado que aquele terreno era rochoso e de má pastagem. McGinnis jogava às cartas com os companheiros durante o dia e à noite, quando não estava de turno, pensava em Helena Estapoole, acariciando o fio de pescoço que ela lhe dera. Os dias passaram-se assim, monótonos e sem vida, até ao momento em que Russell, que estava de vigilância, gritou:
— Vem aí um cavaleiro!
McGinnis, Grant, Richard e Green que estavam sobre nas camas, saltaram para o chão como impulsionados por molas. Chegados ao exterior, olharam para os dois lados e não viram nada. Mas não tardou a aparecer o cavaleiro, ao longe, oculto num baixio do terreno.
— Que fazemos? — inquiriu Grant dirigindo-se a McGinnis.
— Aguardamos! — foi a resposta. Pediu a arma a Russel e, quando o cavaleiro desapareceu noutro declive do terreno, correu velozmente para os arbustos ressequidos de onde tinha sido surpreendido por Grant, à sua chegada.
Seguindo o seu exemplo, os quatro vaqueiros dispersaram-se também. O cavaleiro estava agora mais próximo. Trazia um volume atrás na montada. McGinnis esperou que ele passasse à distância de alguns metros do sítio onde se encontrava escondido. Depois quando o recém-chegado estava de costas, levantou-se rapidamente e saltou para o caminho.
— Faça alto e levante as mãos!
O cavaleiro parou e obedeceu, sem se voltar. Franck rodeou-o até ficar de frente.
Era um homem aí de uns quarenta anos, forte, que trajava à vaqueiro, sem armas. Os olhos estavam cravados na arma que o preto apontava.
— De onde vem e quem é?
O homem não chegou a responder, porque a voz de Grant deu a resposta nas costas de McGinnis:
—É o Hunster! É dos nossos, McGinnis.
— Não o conheço — disse este.
—O Estapoole tinha-o mandado às margens do Rio Cimarron levar uma carta a um irmão dele que lá vive. Quando Franck guardou a arma, o homem desceu do cavalo e abraçou os companheiros.
— Que trazes aí? — quis saber Russel, apontando para o embrulho.
— São armas para vós.
— Bravo! — gritou Grant e atirou-se logo à embalagem.
Eram carabinas de repetição, novinhas em folha.
— O velho comprou isso agora. A acompanhar as armas vinha uma caixa de munições.
— Distribuí igual quantidade nos outros postos — informou o visitante. — Allan manda dizer que qualquer dia aparece aqui.
Hunster naquela noite ficou ali, pois os companheiros estavam ávidos em saber notícias do rancho e do povoado. E, ele trouxe uma novidade: Hayman City brilhava agora com mais uma beldade.
Chamava-se Mabel Lee e não era osso para qualquer. Tinha havido cenas de tiroteio por causa dela e o xerife Flanagan via-se em apuros com tanto serviço.
Toda a gente lamentou que, naquela noite, não tivesse havido nada que originasse a estreia das novas armas. Mas McGinnis meditou até altas horas da noite que, embora sem notícias de Estapoole, se ele mandava aquelas armas era porque a situação se agravava...
Dois dias depois de Hunster partir, chegou Allan. Desta vez, ele foi recebido a pé firme e de armas na mão por todos e ninguém teve necessidade de se esconder. Para um só homem, cinco chegavam e sobravam...
Allan desmontou, abraçou McGinnis e perguntou se não se arranjava nada de comer. Grant, que estava de cozinheiro naquele dia, correu para a cozinha e, daí a segundos, o filho de Estapoole estava diante do melhor manjar que era possível arranjar: carne enlatada e café! Todavia, Allan pareceu não notar a frugalidade da refeição e comeu com apetite. No fim, afirmou:
— Vocês estão mais abastecidos do que nós! Hoje os meus homens ficaram só a café! Que raio de vida! Meu pai parece que quer obrigar-nos a uma prova de sobrevivência!
A seguir a alguns minutos de cavaco com os vaqueiros daquele posto, Allan acompanhou McGinnis num passeio pelos arredores.
— Tens recebido notícias do rancho, Allan?
O jovem olhou-o e sorriu. Sabia em que ele estava a pensar.
— Não, amigo. Parece que se esqueceram que nós existimos!
— Teu pai mandou-nos armas. Isso pode significar um agravamento no caso. Mas continuamos às escuras, como náufragos agarrados a uma tábua, à espera nem sabemos de quê... Meus homens são formidáveis. Recusaram-se a serem rendidos no prazo habitual e formamos um autêntico bloco. No entanto, não me sinto satisfeito. Que diabo, precisamos de saber o que se passa!
— Tens razão, McGinnis. Concordo contigo. Porque não dás lá uma saltada? — sugeriu o jovem, mais na intenção de proporcionar ao amigo um motivo para ir ao rancho e consequentemente visitar a irmã, do que qualquer outra razão.
— É o que vou fazer se continuarem a olvidar-nos.
Allan permaneceu todo o dia naquele posto e à noitinha partiu, debaixo de uma ruidosa despedida.
Era um homem!
O vaqueiro Jenkins logrou segurar o solípede e os restantes correram para o corpo imóvel estendido no solo. O homem chamava-se Tono e era um dos guardadores do gado de Estapoole.
Apresentava pelo corpo indícios seguros de ter sido sovado e o vestuário encontrava-se em farrapos. Pegaram nele e levaram-no para cima de uma pilha de feno, num local abrigado dos raios do Sol.
Nessa altura chegaram Estapoole, o filho Allan, McGinnis e o capataz Mac Donald.
— Que se passa aqui? — perguntou o velho rancheiro.
O pessoal abriu fileiras para ele passar.
— É o Totto — disse um do grupo. — Parece que se meteu em apuros!
Alguém atirou água para cima do rosto do inconsciente, mas demorou muito tempo até este recobrar o conhecimento. Joseff Mac Donald encarregou-se de o interrogar.
— Ouve, Totto, o que foi que te aconteceu?
O ferido rebolava os olhos dentro das órbitas, todavia, parecia ainda distante em pensamento do sítio onde se encontrava. Em voz muito débil, perguntou por sua vez:
— Onde estou eu?
— Estás em casa, homem. Eu sou Mac Donald. Precisamos de saber o que te aconteceu.
O vaqueiro cerrou novamente os olhos. Via-se que sofria. O capataz pegou num cantil com água e introduziu-lho na boca.
— O que se passou, Totto?
Um silêncio de chumbo pesava sobe os circunstantes. Se um cavalo relinchasse ali naquela altura, o som que produziria seria tão atroador como o tiro de um canhão.
— Foi Hook... — sussurrou o ferido.
— O que se passou?
— Eu apanhei Hook... no nosso terreno... levando cinco vacas... estava sozinho...
Hook atirou-se a mim com os seus cinco homens... amarraram-me as mãos a uma corda comprida e arrastaram-me durante muito tempo... atrás de um cavalo... depois fiquei ali... A cabeça do ferido pendeu novamente para o lado, ficando inconsciente.
— Levem esse homem para o seu quarto e prestem— lhe a devida assistência — ordenou a voz crispada do velho Estapoole.
— Sabemos agora — dizia o rancheiro ao jantar —que o nosso gado não foge para o terreno de Hook. Ele é que vem ao nosso terreno apanhá-lo para o levar para lá, onde o marcam com o ferro deles.
— Graham Hook é um canalha e merecia o mesmo castigo que deu ao Totto! — exclamou a voz exaltada de um dos vaqueiros.
— Quando aqui cheguei, rapazes — continuou o rancheiro — o assunto era tratado de modo muito diferente. Imperava a lei das armas e a do mais forte. Um dos dois tinha de morrer... Hook ou eu! Agora temos de agir de outra maneira. Vigiaremos noite e dia os limites do terreno deste rancho e, se esse canalha tentar repetir esta ação, castigá-lo-emos ali mesmo...
A refeição decorreu, a partir daqui, entre conversas exaltadas que visavam um só assunto.
A manhã ainda tardaria muito tempo a romper, quando os cinco homens abandonaram o edifício principal do rancho e se dirigiram para o barracão onde estavam os cavalos. Eram eles Allan, McGinnis, Mac Donald e mais dois vaqueiros.
Começaram a selar as respetivas montadas, sem dizerem uma palavra sequer. À luz difusa da manhã, algo de sinistro luzia na cinta daqueles homens. Armas! Os dois vaqueiros levavam carabinas.
— McGinnis! — chamou uma voz de mulher do exterior.
As cinco cabeças moveram-se para a porta do barracão. Era Helena Estapoole!
— McGinnis! — repetiu.
O preto caminhou na sua direção e ficou parado a alguns passos dela. A jovem olhou em silêncio para a coronha do Colt que sobressaía do coldre suspenso do cinturão. Compreendeu que o homem que estava à sua frente não era o vaqueiro McGinnis, mas o pistoleiro McGinnis, a quem chamavam o pistoleiro preto. Por força das circunstâncias e, quem sabe, talvez por amor à sua pessoa, Franck pusera de parte o seu sonho de uma vida pacífica e ia retornar aos seus tempos passados, numa palavra — lutar! Deram as mãos. Apercebendo-se do embaraço em que se deviam achar os dois jovens pelo facto de estarem a ser observados por todos, Allan disse em voz alta, de modo a ser ouvido por todos:
— Eh, Joseff, fecha-me essa porta. Está uma corrente de vento dos diabos!
Isto equivalia a um pacto entre eles!
— Minha mãe sabe que nos amamos — disse Helena. — Mandou-me entregar-te esta corrente de prata com uma medalha, para que nada te aconteça.
McGinnis não era religioso. Não sabia mesmo rezar. Mas às vezes, quando passava as noites pela pradaria tendo por tecto o céu estrelado, punha-se a pensar que havia de haver uma força poderosa a regular todas as coisas, os homens, as estrelas e as plantas. Deixou que ela pusesse o fio em volta do seu pescoço. As suas mãos estavam frias. Abraçou-a e beijaram-se.
— Adeus, Helena... Até ao regresso...
— Adeus, McGinnis... — e ela afastou-se apressadamente, quase correndo, para que ele não a visse a chorar.
Franck retornou ao barracão. Allan acabara de selar a sua montada.
— Obrigado, Allan... por teres acabado o meu trabalho — montou agilmente, sem pôr os pés nos estribos, à maneira índia.
— Vamos embora antes que amanheça.
No silêncio da manhã ouviu-se o tropel dos cinco cavalos. Por detrás dos vidros de uma janela, um rosto feminino via-os partir, enquanto grossas lágrimas deslizavam suavemente pelo bronzeado da sua pele. E, na janela ao lado, um rosto de homem também seguia com o olhar os cavaleiros matutinos. Era Estapoole...
Os cinco cavaleiros chegaram ao local onde pastava o grosso da manada e foram recebidos pelos gritos de entusiasmo dos vaqueiros que ali se encontravam, que recebiam desta maneira jubilosa o reforço armado.
Desde o que acontecera ao Totto, os guardadores viviam em sobressalto. Havia um homem que eles receberam com mais entusiasmo. Era McGinnis! Sabedores da fama que ele arrastava consigo como atirador — embora nenhum deles o tivesse visto atirar! — a presença dele ali era como uma barreira de segurança contra todos os possíveis inimigos, uma vez que nenhum dos vaqueiros possuía uma arma sequer.
Dada a má vizinhança com Graham Hook, que se arrastava já há um ror de anos, ameaçando de dia para dia tornar-se numa guerra aberta entre os dois rancheiros e, tendo em atenção a extensão do terreno de pastagem — mais de três quilómetros! — Estapoole resolvera montar três postos de vigilância ao longo da vedação que separava as suas terras das do vizinho beligerante.
Em dois deles, encontravam-se sempre quatro homens, noite e dia. O pessoal destes postos era rotativo, mudando-se ao fim da semana, de uns para outros.
No terceiro posto — chamar-se-ia, com propriedade, posto-central — encontrava-se o restante pessoal.
Estes homens viviam em barracões de madeira, onde faziam toda a sua vida, desde o dormir até ao próprio cozinhar das suas refeições. Mensalmente, eram rendidos por pessoal vindo de cima e Estapoole dava-lhes dois dias para se divertirem... e embebedarem! — no povoado.
McGinnis e os companheiros desmontaram defronte do posto-central, um barracão de madeira enegrecida por cuja chaminé saía um fumozinho preto.
— Alô, pessoal! — saudou o capataz.
— Bons dias. Sejam bem aparecidos! Chegam mesmo na altura do café!
— Vamos a ele.
E, ruidosamente, encaminharam-se para a porta da entrada do barracão. Sem ninguém dar por isso, Franck separou-se do grupo, dirigindo-se em direção diferente. Quando notou a sua falta, Allan chamou-o:
— Eh, McGinnis! Não vens?
— Não demoro nada. É só um momento.
Debruçou-se sobre a vedação de toros de madeira, que marcava o limite das terras de Estapoole. Para lá, era zona proibida. No entanto, dum lado e do outro, a paisagem era realmente a mesma: prados verdejantes que se estendiam até perder de vista. Por vontade dos homens, aquela terra igual dividia-se naquele ponto. Para cada um dos proprietários, o lado contrário era zona proibida...
McGinnis demorou-se ainda ali algum tempo. Depois tomou o caminho do barracão. Mac Donald trouxe-lhe uma caneca com café e pão com fiambre. À socapa, os vaqueiros presentes olhavam com admiração para aquele preto musculoso, que diziam ser hábil no manejo do único Colt que trazia pendente do cinturão de couro, repleto de balas. Quando acabou de comer, Franck fez um gesto com ambas as mãos e as conversas morreram ali.
— Tenho um plano para todos...
Sentou-se na mesa, brincando com uma faca de cozinha e os outros chegaram-se para o pé dele.
— Temos três postos de vigilância — continuou. — Cada um de nós — e designou-se a si, a Allan e ao capataz — chefiará esses postos. Mac Donald, a tua presença é mais precisa aqui do que em qualquer outro lado... Allan ficará no posto Sul e eu no do Norte.
O posto Norte era aquele onde se dera o incidente com Tono. Voluntariamente ele oferecia-se para o posto mais visado por Hook e Allan compreendeu, porque começou a dizer:
— McGinnis eu...
— Fico no posto Norte, Allan! — disse terminantemente o preto. — Ninguém te garante que o do Sul não seja brevemente o atacado...
Allan calou-se.
— A gerência e normas de vigilância de cada posto ficarão ao cuidado do chefe do mesmo. No meu, estabelecerei turnos de guarda, rendidos de duas em duas horas. Se se der algum incidente, imediatamente avisaremos o posto a seguir e este, por sua vez avisará o outro. Okay?
— Okay! — responderam-lhe, quase em uníssono, Allan e o capataz.
— Boa sorte — desejou o preto aos seus dois amigos, juntando às palavras uma palmada amigável nas costas de cada um e, dando o exemplo, saiu e montou, partindo em direção ao posto que destinara a si próprio.
Joseff e o filho de Estapoole saíram logo a seguir. Quando McGinnis avistou o barracão de madeira, mais pequeno que o do posto-central, que seria a sua casa durante os tempos mais próximos, abrandou a marcha do solípede. Compreendeu imediatamente a razão porque Hook tinha escolhido aquela zona para as suas surtidas. O terreno era um bocado sinuoso, com altos e baixos, o que facilitava a aproximação dos inimigos. Ia com os olhos fixos no barracão e estranhava por não ver fumo sair pela chaminé, nem ninguém presente ao redor do mesmo. Onde estaria o pessoal? E, o seu coração começou a bater com mais força: teriam sido novamente atacados? Ia esporear a montada, quando uma voz à sua direita lhe freou os intentos:
— Mãos no ar!
Obedeceu prontamente, mas continuou sem ser ninguém. O atacante estava escondido atrás de uns arbustos mas, por qualquer motivo, não queria mostrar-se.
— Faz marcha atrás e vai dizer ao porco do Hook que nós estamos armados e à espera dele. Armados, percebes? E agora desaparece, antes que eu... — a voz soava com bastante aspereza.
McGinnis ficou nó mesmo sítio e fez prodigiosos esforços para não romper às gargalhadas. Sabia agora porque era que o seu atacante não queria mostrar-se...
— Sei que você não tem qualquer arma... — disse. — A sua sorte é eu pertencer ao pessoal do Estapoole e vir como amigo — desmontou. — Venha daí dar um abraço.
O vaqueiro levantou-se imediatamente e ficou hesitante.
Era um homem forte, com a barba hirsuta e o aspeto de quem não pregava olho há muito tempo.
— Chama-se McGinnis?! — perguntou, ainda pouco convencido e receando, talvez, ter caído num ardil.
— O meu nome é Franck McGinnis!
O homem veio quase a correr, aos tropeços, de mão estendida. Parecia que ia chorar de alegria.
— Desculpe. Mas nós não temos armas... e depois do que aconteceu ao Totto! Que havíamos de fazer, senão jogarmos aos policias e ladrões como os meninos da escola? Chamo-me Grant — depois de apertar a mão ao preto, levou ambas as mãos à boca, em forma de concha e chamou: — Richard! Green! Venham cá!
McGinnis viu-os levantarem-se dos sítios onde estavam dissimulados e ficarem em expectativa. Grant repetiu a chamada:
— Venham cá! É um amigo...
— Falta um — disse o preto. — Onde está?
—É Russel, um valente. Está mais longe e tenho de ir lá chamá-lo. Foi ele quem se ofereceu para ir para lá!
Caminharam ao encontro dos outros dois homens. O aspeto era igual em todos: a barba por fazer e os olhos vermelhos de cansaço.
— Não temos medo, McGinnis — afirmou um deles, depois dos cumprimentos. — Se tivéssemos uma arma cada um!
— Vocês devem estar esfomeados!
— Esfomeados?! — desataram a rir. — Não comemos nada desde que Totto foi atacado!
— Se não se importam, sou o novo chefe deste posto — exclamou Franck. — Acho que vamos ser uns companheiros esplêndidos até nos virem render — riu. — Agora, Grant, pegue o meu cavalo e vá chamar esse Russel de uma figa. Entretanto, Richard é mestre cozinheiro e Green é o ajudante da cozinha. Eu ficarei cá por fora.
Os três homens entreolharam-se surpreendidos. Depois trocaram um olhar de inteligência acompanhado de um sorriso, Grant montou o cavalo dele desaparecendo em cavalgada e Richard e Green encaminharam-se para o interior do barracão.
Dentro de minutos, a chaminé fumegava. Russel chegou logo a seguir. Era um mocetão alourado e cumprimentou McGinnis com alegria. O preto afastou-se depois alguns metros da cabana. Ouvia-os a trautear lá dentro, enquanto se barbeavam. Richard surgiu à porta.
— Não vem comer, McGinnis?
— Não, obrigado. Já almocei.
— Bom.
Demoraram-se alguns minutos, até que saíram todos para o exterior. Pareciam outros, lavados e bem-dispostos. Rodearam Franck que estava sentado no alto de uma pedra. Este passou a olhar por todos eles.
— A ordem agora é dormir — exclamou o chefe meio sorridente.
— Mas... — ia a protestar Grant.
— Eu disse, dormir! Okay? Eu ficarei por aqui.
Os quatro vaqueiros não tiveram outro remédio senão dar meia volta e regressar ao barracão. — Este é de fibra — ouviu Russel dizer para os outros. Deviam ter adormecido imediatamente e o silêncio caiu sobre aquelas paragens.
Grant foi o primeiro a acordar e verificou, espantado, que a noite descera. Soergueu-se e viu Richard, Green e Russell a dormirem a sono solto, nas camas ao lado. «O preto deve ainda estar de posto! — pensou. — Uma vergonha!»
Levantou-se, rapidamente, enfiou as botas e renunciando a passar um pouco de água pela cara, para não perder tempo, saiu do barracão. Na claridade da noite, descobriu McGinnis ao fundo, sentado sobre uma pedra. Aproximou-se. O negro volveu o olhar para trás e continuou na mesma posição.
— Está uma noite sem estrelas — disse Franck.
Grant olhou o céu e viu que, realmente, a noite não estava estrelada.
— Se calhar vai chover — concluiu o preto.
Grant, que esperava ouvir uma reprimenda pelo facto de se terem deixado adormecer, ficou boquiaberto com aquelas considerações meteorológicas.
— Desculpe, McGinnis. Adormecemos estupidamente...
— Estavam de facto muito cansados... — concordou o outro e prosseguiu: -- Este lugar de sentinela faz-me lembrar os tempos de tropa, quando nos exercícios cavávamos uma trincheira e ficávamos vigilantes toda a noite, embora soubéssemos que não havia qualquer inimigo...
Grant reparou que ele estava com um cobertor pelas costas.
— Vá-se deitar, McGinnis. Já esteve aqui tempo demais.
O preto passou-lhe o cobertor.
— Tenha particular vigilância ali — e estendeu o dedo em determinada direção. — Daqui por duas horas chame o Richard, este chamará o Green, depois o Russel e, a seguir, eu. Entendido?
— Okay!
— Pegue na minha arma. Raramente me separo dela... mas agora é um momento especial. Entregou-lhe o Colt. — Você fez mal em levantar-se — exclamou. — Está frio! De dia faz calor, mas à noite o vento sopra gelado — e afastou-se para o barracão.
Grant viu-o afastar-se. Depois sentou-se sobre a mesma pedra e concentrou a sua atenção na escuridão envolvente.
— Este preto desconcerta... — murmurou.
Dez dias! Mais de uma semana tinha passado, desde a chegada de McGinnis àquele posto de vigilância. Ocorrências: nenhumas! Tudo calmo, tão calmo como as longas tardes escaldantes, com o Sol a pino e sem uma aragem a refrescar. O cow-boy criara novo ambiente no barracão. Mandara deitar fora as latas de conserva empilhadas a um canto e que quase já atingiam as vigas do tecto, o chão foi varrido, as camas alinhadas, a cozinha lavada, o tecto arranjado e substituídas as tábuas por onde o vento entrava livremente à noite. Resumindo, a cabana ficara com um aspeto mais habitável...
Depois deste serviço, nada mais havia a fazer, pois raramente apareciam por ali algumas vacas de Estapoole, dado que aquele terreno era rochoso e de má pastagem. McGinnis jogava às cartas com os companheiros durante o dia e à noite, quando não estava de turno, pensava em Helena Estapoole, acariciando o fio de pescoço que ela lhe dera. Os dias passaram-se assim, monótonos e sem vida, até ao momento em que Russell, que estava de vigilância, gritou:
— Vem aí um cavaleiro!
McGinnis, Grant, Richard e Green que estavam sobre nas camas, saltaram para o chão como impulsionados por molas. Chegados ao exterior, olharam para os dois lados e não viram nada. Mas não tardou a aparecer o cavaleiro, ao longe, oculto num baixio do terreno.
— Que fazemos? — inquiriu Grant dirigindo-se a McGinnis.
— Aguardamos! — foi a resposta. Pediu a arma a Russel e, quando o cavaleiro desapareceu noutro declive do terreno, correu velozmente para os arbustos ressequidos de onde tinha sido surpreendido por Grant, à sua chegada.
Seguindo o seu exemplo, os quatro vaqueiros dispersaram-se também. O cavaleiro estava agora mais próximo. Trazia um volume atrás na montada. McGinnis esperou que ele passasse à distância de alguns metros do sítio onde se encontrava escondido. Depois quando o recém-chegado estava de costas, levantou-se rapidamente e saltou para o caminho.
— Faça alto e levante as mãos!
O cavaleiro parou e obedeceu, sem se voltar. Franck rodeou-o até ficar de frente.
Era um homem aí de uns quarenta anos, forte, que trajava à vaqueiro, sem armas. Os olhos estavam cravados na arma que o preto apontava.
— De onde vem e quem é?
O homem não chegou a responder, porque a voz de Grant deu a resposta nas costas de McGinnis:
—É o Hunster! É dos nossos, McGinnis.
— Não o conheço — disse este.
—O Estapoole tinha-o mandado às margens do Rio Cimarron levar uma carta a um irmão dele que lá vive. Quando Franck guardou a arma, o homem desceu do cavalo e abraçou os companheiros.
— Que trazes aí? — quis saber Russel, apontando para o embrulho.
— São armas para vós.
— Bravo! — gritou Grant e atirou-se logo à embalagem.
Eram carabinas de repetição, novinhas em folha.
— O velho comprou isso agora. A acompanhar as armas vinha uma caixa de munições.
— Distribuí igual quantidade nos outros postos — informou o visitante. — Allan manda dizer que qualquer dia aparece aqui.
Hunster naquela noite ficou ali, pois os companheiros estavam ávidos em saber notícias do rancho e do povoado. E, ele trouxe uma novidade: Hayman City brilhava agora com mais uma beldade.
Chamava-se Mabel Lee e não era osso para qualquer. Tinha havido cenas de tiroteio por causa dela e o xerife Flanagan via-se em apuros com tanto serviço.
Toda a gente lamentou que, naquela noite, não tivesse havido nada que originasse a estreia das novas armas. Mas McGinnis meditou até altas horas da noite que, embora sem notícias de Estapoole, se ele mandava aquelas armas era porque a situação se agravava...
Dois dias depois de Hunster partir, chegou Allan. Desta vez, ele foi recebido a pé firme e de armas na mão por todos e ninguém teve necessidade de se esconder. Para um só homem, cinco chegavam e sobravam...
Allan desmontou, abraçou McGinnis e perguntou se não se arranjava nada de comer. Grant, que estava de cozinheiro naquele dia, correu para a cozinha e, daí a segundos, o filho de Estapoole estava diante do melhor manjar que era possível arranjar: carne enlatada e café! Todavia, Allan pareceu não notar a frugalidade da refeição e comeu com apetite. No fim, afirmou:
— Vocês estão mais abastecidos do que nós! Hoje os meus homens ficaram só a café! Que raio de vida! Meu pai parece que quer obrigar-nos a uma prova de sobrevivência!
A seguir a alguns minutos de cavaco com os vaqueiros daquele posto, Allan acompanhou McGinnis num passeio pelos arredores.
— Tens recebido notícias do rancho, Allan?
O jovem olhou-o e sorriu. Sabia em que ele estava a pensar.
— Não, amigo. Parece que se esqueceram que nós existimos!
— Teu pai mandou-nos armas. Isso pode significar um agravamento no caso. Mas continuamos às escuras, como náufragos agarrados a uma tábua, à espera nem sabemos de quê... Meus homens são formidáveis. Recusaram-se a serem rendidos no prazo habitual e formamos um autêntico bloco. No entanto, não me sinto satisfeito. Que diabo, precisamos de saber o que se passa!
— Tens razão, McGinnis. Concordo contigo. Porque não dás lá uma saltada? — sugeriu o jovem, mais na intenção de proporcionar ao amigo um motivo para ir ao rancho e consequentemente visitar a irmã, do que qualquer outra razão.
— É o que vou fazer se continuarem a olvidar-nos.
Allan permaneceu todo o dia naquele posto e à noitinha partiu, debaixo de uma ruidosa despedida.
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