Por ordem de poderio, o rancheiro Harrison estava em terceiro lugar, a seguir a Hook e a Estapoole. Raro era o mês que passasse sem uma festa em casa dos Harrison e, esse facto devia-se à gente nova que lá habitava. Os filhos do casal eram cinco: Greaf de vinte e cinco anos, Tommy de vinte quatro, Sofie de vinte e dois, Red de vinte e um e Marie de dezoito. McGinnis foi convidado por Allan Estapoole.
— Não sei se vá... — tartamudeou ele. — Essa gente nem sequer me conhece...
Allan compreendeu a razão das evasivas de Franck: a eterna questão da sua cor! Mas, isso não obstava à sua ida. Os Harrissons eram gente decente e, certamente, já tinham ouvido falar nele.
— Isso não é motivo, McGinnis. Se não fores zango--me... Os Harrisson são boas pessoas.
O cow-boy compreendeu o alcance das palavras «os Harrisson são boas pessoas» e concordou.
Assim, na manhã seguinte, obtida a aquiescência do velho Estapoole, Allan, o capataz MacDonald e McGinnis, partiram montados nos seus cavalos.
O rancho Harrison ficava situado no fundo de um vale e, do alto dominava-se toda a fazenda. Os três cavaleiros chegaram lá ao anoitecer e todas as janelas do edifício principal estavam iluminadas.
Allan desmontou, agilmente, prendendo as rédeas do solípede ao lado de outros e, ziguezagueando por meio dos trens parados, foi espreitar a uma janela.
— Isto está animado! — bradou.
Ao mesmo tempo a porta de entrada abriu-se e um rapaz alto e forte veio espreitar.
— Eh, Allan! — chamou.
Os dois moços abraçaram-se.
— Tudo bem em Estapoole?
— Tudo bem. E aqui, Greaf?
—É como vês.
McDonald aproximou-se do par e foi, também, cumprimentado. McGinnis deixou-se ficar na penumbra e começava a ficar, Intimamente, arrependido de ter ido, quando Allan o chamou:
— Eh, Franck, anda cá homem!
Ouviu-o a dizer ao outro:
— Trouxe um amigo meu que não é conhecido na área...
Quando McGinnis apareceu à claridade da porta, o tal Greaf abriu os olhos de espanto e olhou, interrogativamente, para Allan. Este pareceu não ver esse olhar e disse:
— Apresento-te o filho mais velho do dono destas terras e meu amigo pessoal... — depois, virando-se para Greaf Harrison: — Este chama-se Franck McGinnis, é meu amigo, e posso garantir-te que não é nenhuma donzela tímida — riu.
Greaf dissimulou muito bem a sua surpresa e apertou a mão do preto.
— Ouvi falar, vagamente, de si. Todavia, não esperava a sua visita. Seja bem-vindo.
— Obrigado.
Os quatro homens transpuseram a porta de entrada. A sala grande estava iluminada, fortemente, por quatro grandes candeeiros e, ao som de dois tocadores, vários pares volteavam no sobrado.
McGinnis sentiu-se muito mal quando toda aquele gente cravou o olhar na sua pessoa. Franck vestia, modestamente, e não usava as suas armas. A sua cor era, porém, o motivo de atracão daqueles olhares.
Greaf encaminhou-se para uma mesa colocada ao fundo da sala, onde se viam algumas pessoas, a maior parte retidas ali pela idade que não permitia já grandes volteios de dança.
— Pai — disse Greaf — parece-me que vai gostar de conhecer uma visita que Allan Estapoole nos trouxe —apontou para o preto. — McGinnis, o homem mais falado na terra.
O velho Harrison era de estatura média, mas forte e entroncado como um bisonte. Levantou-se e o seu semblante abriu-se num sorriso, quando estendeu a mão ao recém-chegado.
— Creia que tenho muito prazer em tê-lo cá esta noite. O xerife Flanagan falou-me de si; se o Estapoole não o aceitasse, esta casa estaria às suas ordens. Sente-se — e deu-lhe um lugar a seu lado.
McGinnis não o quis aceitar. Vendo essa atitude, o rancheiro disse-lhe:
— Oiça, McGinnis. Não pense que eu procedo desta maneira por adulação ou cortesia fingida. Sou sincero nas minhas palavras ou ações. Se me desagradasse a sua presença, não escondia esse desagrado com falsas palavras, antes pelo contrário, corria-o aos pontapés porque, em minha casa mando eu. Lá pelo facto de você ser de uma cor diferente da minha, isso não quer dizer que não possa ter tanto orgulho na sua presença, como teria se fosse o presidente da nação. Sente-se. — Isto dito pela boca de um rude rancheiro, equivalia a um elogio.
O velho encheu duas canecas de vinho, deu-lhe uma e a sua levantou-a ao ar:
— Pelo nosso conhecimento!
— Pelo nosso conhecimento! — respondeu McGinnis.
— Que diz ao vinho? Gostou? — perguntou quando ele deixou de beber.
Aquela mistura, altamente, alcoólica, era menos forte do que o uísque. Respondeu:
— Gosto!
O velho Harrisson virou-se para Allan que se servia das iguarias espalhadas pela mesa e bebia, sem cerimónia. MacDonald conversava no outro extremo da sala.
— Então onde está esse Estapoole?
— Não veio — disse Allan.
— O quê?! Não veio?!
— Anda preocupado. Questões de vizinhança.
— Outra vez?
— Parece que sim...
A dança tinha terminado e várias raparigas se dirigiam para aquela mesa.
— Tommy, Sofie, Marie, venham cá! — chamou o rancheiro.
As filhas aproximaram-se com o olhar especado no preto, que se sentia muito pouco à vontade com a observação de que estava a ser alvo.
— Quero apresentar-vos um novo amigo. Chama-se Franck McGinnis, aposto que é o melhor atirador desta zona, pois já há quem lhe chame o cow-boy preto — o homem riu sozinho da sua graça, sem companheiros para o acompanharem.
McGinnis apertou, desgraciosamente, a mão das três jovens que, via-se, cumpriam aquele dever de sociedade mais por imposição do que por prazer.
Marie Harrison, a mais nova das três, era uma rapariga traquina, tão traquina quanto o permitiam os seus dezoito anos, sardenta, de cabelos loiros, com uma trança única a cair pelas costas abaixo.
Sofie Harrisson, com quem Allan parecia entender-se às mil maravilhas, era bonita, de feições corretas e busto saliente.
Tommy Harrisson, a mais velha, era a mais alta das três. Comprida e esguia, lembrava um figurino de modas. Notava-se que possuía um forte conceito do poder da sua personalidade pessoal. Mantinha o corpo ereto em todas as circunstâncias e olhava para as pessoas de alto para baixo. Foi a que cumprimentou mais gelidamente McGinnis.
Pouco depois aproximou-se Red Harrisson que vinha, segundo declarou, petiscar alguma coisa. Red era o paradoxo dos irmãos: gordo em excesso e baixote, fazia lembrar uma pipa! Cumprimentou, também o novo amigo e via-se que o fazia, perfeitamente, à vontade.
Um pouco retirados, Allan Estapoole e Sofie Harrisson conversavam, animadamente. E ia ser assim toda a noite, sempre juntos, quer dançando, quer conversando. McGinnis pensou num romance entre os dois e deu parte do seu pensamento ao pai dela. O rancheiro olhou para o par e respondeu sorrindo, como se a ideia não lhe desagradasse:
— Quem sabe, rapaz, quem sabe.
A festa prometia manter-se animada por toda a noite. O velho Harrisson insistiu com McGinnis para que fosse dançar, porque «raparigas não faltavam». Ele recusou apresentando uma desculpa, mas, logo a seguir, entrou a mulher do fazendeiro, uma senhora gorducha e diligente, e este empurrou-a para os braços do cow-boy. Foi o momento de as raparigas verificarem quanto pode dançar um preto e de os rapazes morderem os beiços de inveja. McGinnis provou que, em vez de pistoleiro, podia ser professor de dança... Quando regressaram à mesa o próprio Harrisson felicitou-o.
— Você conseguiu que os outros pares parassem para o admirarem a si!...
A partir daquele momento a noite prometia abrir-se, esplendorosamente, para o cow-boy preto. Todavia, este não voltou a levantar-se do seu lugar na mesa, nem acedeu aos convites para que dançasse uma vez mais. Terminou o serão conversando com Harrisson sobre aquilo que havia sido a sua vida e o que queria que fosse no futuro. Já no regresso — o dia tinha nascido havia muito! —Allan disse-lhe:
— Onde aprendeste a dançar daquela maneira?
— Um pouco em cada lado, nos sítios onde tenho estado...
— Se eu soubesse dançar assim fazia um vistão!
— Sou mau professor, mas posso tentar ensinar-te... Não perdes nada com isso...
— Sério?! Vamos começar amanhã mesmo! — e os olhos de Allan luziam de entusiasmo. Mais adiante perguntou: — Que dizes de Sofie Harrisson?
— Parece boa pequena e é bonita. Vi o modo como vocês conversavam... estou em crer que vos namorais...
Allan atrapalhou-se:
— Não sei... pode ser...
Havia uma pergunta que fervilhava há muito nos lábios de McGinnis e aquela era a altura de a fazer.
— Porque é que a tua irmã não veio ao baile?
O jovem riu-se.
— Helena nunca vem... É raro sair de casa...
A resposta, apesar de vaga, agradava a Franck. Por isso ficou calado, entregue aos seus pensamentos. Chegaram ao rancho Estapoole, verdadeiramente, exaustos. Depois de comerem alguma coisa, recolheram aos seus quartos. Depois de tomar banho, McGinnis despiu-se e deitou-se.
Estava quase a adormecer, quando ouviu leves pancadas na porta.
— Quem é?
— Sou eu, Helena, abra por favor... — a voz dela era baixa como se não quisesse ser ouvida. Franck franziu o sobrolho.
— Um momento só — disse.
Vestiu-se e foi abrir. Helena parecia preocupada. Olhou para os dois lados e entrou. Os olhos poisaram sobre a cama aberta, mas desviou-os com timidez. McGinnis esperava que ela falasse. O blusão de couro mal lhe cobria o tronco.
— Desculpe por vir incomodá-lo e, por favor, não diga nada a ninguém. Meu pai não aprovaria — começou hesitante. — Vim porque... hoje passou-se algo...
— O quê?!
— Hook veio cá com dois dos seus esbirros ameaçar meu pai. Prometeu que viria, novamente, amanhã...
— Que queriam eles?
— A história é de longa data, mister McGinnis. Graham Hook quer forçar meu pai a vender estas terras para anexá-las às dele; se não conseguir a compra, forçar-nos-á a abandoná-las, mesmo à força! Ofereceu-lhe vinte mil dólares...
— Vinte mil dólares! — repetiu Franck com espanto. — Mas é uma ninharia! É um roubo descarado!
— Graham é deste quilate. Dava os vinte mil dólares a meu pai e, certamente, mandava os seus acólitos armarem-lhe um assalto no caminho para se apoderar do dinheiro — Helena Finley Estapoole retorcia as mãos com desespero.
McGinnis pensou por momentos que estava no seu quarto, a sós com aquela deliciosa mulatinha, e apetecia-lhe mandar ao diabo com todos os problemas e beijá-la, dizer-lhe que a amava — não era mentira! — fazendo-lhe saber que carecia de uma mulher, de uma companheira na vida, durante o dia a seu lado, que estava velho, velho de percorrer o Oeste de ponta a ponta, sempre matando — fazendo Justiça — mas não importa, matando, de armas em punho vendo os seus adversários dobrarem--se à sua frente, na sua última pirueta neste mundo, ostentando no rosto o estigma do pânico e medo para enfrentaram a viagem até aos grandes prados de Manitu — a outra vida! — fazendo o seu nome respeitado ao lado de se sete letras — JUSTIÇA; por isso buscara um lugarejo perdido, por onde nunca tivesse passado, a fim de poder guardar, para sempre, as suas armas numa arca, arranjar uma mulher — o que se lhe afigurava difícil dado o eterno problema da sua cor — e viver o resto dos seus dias, pacatamente, como um pequeno fazendeiro. Porém, o destino estava contra ele! Os Estapoole iam pegar em armas contra os Hook e ele estava entre eles! Mas, ele tinha umas contas a ajustar com Graham Hook.
Nem um segundo sequer durante os dias olvidava o procedimento daquele para com Lily Carmena, uma rapariga perdida que tivera o azar de se relacionar com um tipo como Hook e que apodrecia agora no cemitério de Hayman City. Impunha-se que a sua morte fosse vingada e neste caso estava também o azar de Hook pelo facto de o pistoleiro negro estar envolvido no caso!
McGinnis apertou uma das mãos de Helena e esse contacto perturbou-o. Disse-lhe:
— Fez bem em vir avisar-me, menina... É meu dever contribuir para a proteção deste rancho. Estarei vigilante.
— Peço-lhe que...
— Fique descansada. Seu pai não saberá que veio avisar-me.
Com um sumido obrigada, a jovem retirou-se do quarto e McGinnis retornou à cama e adormeceu.
— Não sei se vá... — tartamudeou ele. — Essa gente nem sequer me conhece...
Allan compreendeu a razão das evasivas de Franck: a eterna questão da sua cor! Mas, isso não obstava à sua ida. Os Harrissons eram gente decente e, certamente, já tinham ouvido falar nele.
— Isso não é motivo, McGinnis. Se não fores zango--me... Os Harrisson são boas pessoas.
O cow-boy compreendeu o alcance das palavras «os Harrisson são boas pessoas» e concordou.
Assim, na manhã seguinte, obtida a aquiescência do velho Estapoole, Allan, o capataz MacDonald e McGinnis, partiram montados nos seus cavalos.
O rancho Harrison ficava situado no fundo de um vale e, do alto dominava-se toda a fazenda. Os três cavaleiros chegaram lá ao anoitecer e todas as janelas do edifício principal estavam iluminadas.
Allan desmontou, agilmente, prendendo as rédeas do solípede ao lado de outros e, ziguezagueando por meio dos trens parados, foi espreitar a uma janela.
— Isto está animado! — bradou.
Ao mesmo tempo a porta de entrada abriu-se e um rapaz alto e forte veio espreitar.
— Eh, Allan! — chamou.
Os dois moços abraçaram-se.
— Tudo bem em Estapoole?
— Tudo bem. E aqui, Greaf?
—É como vês.
McDonald aproximou-se do par e foi, também, cumprimentado. McGinnis deixou-se ficar na penumbra e começava a ficar, Intimamente, arrependido de ter ido, quando Allan o chamou:
— Eh, Franck, anda cá homem!
Ouviu-o a dizer ao outro:
— Trouxe um amigo meu que não é conhecido na área...
Quando McGinnis apareceu à claridade da porta, o tal Greaf abriu os olhos de espanto e olhou, interrogativamente, para Allan. Este pareceu não ver esse olhar e disse:
— Apresento-te o filho mais velho do dono destas terras e meu amigo pessoal... — depois, virando-se para Greaf Harrison: — Este chama-se Franck McGinnis, é meu amigo, e posso garantir-te que não é nenhuma donzela tímida — riu.
Greaf dissimulou muito bem a sua surpresa e apertou a mão do preto.
— Ouvi falar, vagamente, de si. Todavia, não esperava a sua visita. Seja bem-vindo.
— Obrigado.
Os quatro homens transpuseram a porta de entrada. A sala grande estava iluminada, fortemente, por quatro grandes candeeiros e, ao som de dois tocadores, vários pares volteavam no sobrado.
McGinnis sentiu-se muito mal quando toda aquele gente cravou o olhar na sua pessoa. Franck vestia, modestamente, e não usava as suas armas. A sua cor era, porém, o motivo de atracão daqueles olhares.
Greaf encaminhou-se para uma mesa colocada ao fundo da sala, onde se viam algumas pessoas, a maior parte retidas ali pela idade que não permitia já grandes volteios de dança.
— Pai — disse Greaf — parece-me que vai gostar de conhecer uma visita que Allan Estapoole nos trouxe —apontou para o preto. — McGinnis, o homem mais falado na terra.
O velho Harrison era de estatura média, mas forte e entroncado como um bisonte. Levantou-se e o seu semblante abriu-se num sorriso, quando estendeu a mão ao recém-chegado.
— Creia que tenho muito prazer em tê-lo cá esta noite. O xerife Flanagan falou-me de si; se o Estapoole não o aceitasse, esta casa estaria às suas ordens. Sente-se — e deu-lhe um lugar a seu lado.
McGinnis não o quis aceitar. Vendo essa atitude, o rancheiro disse-lhe:
— Oiça, McGinnis. Não pense que eu procedo desta maneira por adulação ou cortesia fingida. Sou sincero nas minhas palavras ou ações. Se me desagradasse a sua presença, não escondia esse desagrado com falsas palavras, antes pelo contrário, corria-o aos pontapés porque, em minha casa mando eu. Lá pelo facto de você ser de uma cor diferente da minha, isso não quer dizer que não possa ter tanto orgulho na sua presença, como teria se fosse o presidente da nação. Sente-se. — Isto dito pela boca de um rude rancheiro, equivalia a um elogio.
O velho encheu duas canecas de vinho, deu-lhe uma e a sua levantou-a ao ar:
— Pelo nosso conhecimento!
— Pelo nosso conhecimento! — respondeu McGinnis.
— Que diz ao vinho? Gostou? — perguntou quando ele deixou de beber.
Aquela mistura, altamente, alcoólica, era menos forte do que o uísque. Respondeu:
— Gosto!
O velho Harrisson virou-se para Allan que se servia das iguarias espalhadas pela mesa e bebia, sem cerimónia. MacDonald conversava no outro extremo da sala.
— Então onde está esse Estapoole?
— Não veio — disse Allan.
— O quê?! Não veio?!
— Anda preocupado. Questões de vizinhança.
— Outra vez?
— Parece que sim...
A dança tinha terminado e várias raparigas se dirigiam para aquela mesa.
— Tommy, Sofie, Marie, venham cá! — chamou o rancheiro.
As filhas aproximaram-se com o olhar especado no preto, que se sentia muito pouco à vontade com a observação de que estava a ser alvo.
— Quero apresentar-vos um novo amigo. Chama-se Franck McGinnis, aposto que é o melhor atirador desta zona, pois já há quem lhe chame o cow-boy preto — o homem riu sozinho da sua graça, sem companheiros para o acompanharem.
McGinnis apertou, desgraciosamente, a mão das três jovens que, via-se, cumpriam aquele dever de sociedade mais por imposição do que por prazer.
Marie Harrison, a mais nova das três, era uma rapariga traquina, tão traquina quanto o permitiam os seus dezoito anos, sardenta, de cabelos loiros, com uma trança única a cair pelas costas abaixo.
Sofie Harrisson, com quem Allan parecia entender-se às mil maravilhas, era bonita, de feições corretas e busto saliente.
Tommy Harrisson, a mais velha, era a mais alta das três. Comprida e esguia, lembrava um figurino de modas. Notava-se que possuía um forte conceito do poder da sua personalidade pessoal. Mantinha o corpo ereto em todas as circunstâncias e olhava para as pessoas de alto para baixo. Foi a que cumprimentou mais gelidamente McGinnis.
Pouco depois aproximou-se Red Harrisson que vinha, segundo declarou, petiscar alguma coisa. Red era o paradoxo dos irmãos: gordo em excesso e baixote, fazia lembrar uma pipa! Cumprimentou, também o novo amigo e via-se que o fazia, perfeitamente, à vontade.
Um pouco retirados, Allan Estapoole e Sofie Harrisson conversavam, animadamente. E ia ser assim toda a noite, sempre juntos, quer dançando, quer conversando. McGinnis pensou num romance entre os dois e deu parte do seu pensamento ao pai dela. O rancheiro olhou para o par e respondeu sorrindo, como se a ideia não lhe desagradasse:
— Quem sabe, rapaz, quem sabe.
A festa prometia manter-se animada por toda a noite. O velho Harrisson insistiu com McGinnis para que fosse dançar, porque «raparigas não faltavam». Ele recusou apresentando uma desculpa, mas, logo a seguir, entrou a mulher do fazendeiro, uma senhora gorducha e diligente, e este empurrou-a para os braços do cow-boy. Foi o momento de as raparigas verificarem quanto pode dançar um preto e de os rapazes morderem os beiços de inveja. McGinnis provou que, em vez de pistoleiro, podia ser professor de dança... Quando regressaram à mesa o próprio Harrisson felicitou-o.
— Você conseguiu que os outros pares parassem para o admirarem a si!...
A partir daquele momento a noite prometia abrir-se, esplendorosamente, para o cow-boy preto. Todavia, este não voltou a levantar-se do seu lugar na mesa, nem acedeu aos convites para que dançasse uma vez mais. Terminou o serão conversando com Harrisson sobre aquilo que havia sido a sua vida e o que queria que fosse no futuro. Já no regresso — o dia tinha nascido havia muito! —Allan disse-lhe:
— Onde aprendeste a dançar daquela maneira?
— Um pouco em cada lado, nos sítios onde tenho estado...
— Se eu soubesse dançar assim fazia um vistão!
— Sou mau professor, mas posso tentar ensinar-te... Não perdes nada com isso...
— Sério?! Vamos começar amanhã mesmo! — e os olhos de Allan luziam de entusiasmo. Mais adiante perguntou: — Que dizes de Sofie Harrisson?
— Parece boa pequena e é bonita. Vi o modo como vocês conversavam... estou em crer que vos namorais...
Allan atrapalhou-se:
— Não sei... pode ser...
Havia uma pergunta que fervilhava há muito nos lábios de McGinnis e aquela era a altura de a fazer.
— Porque é que a tua irmã não veio ao baile?
O jovem riu-se.
— Helena nunca vem... É raro sair de casa...
A resposta, apesar de vaga, agradava a Franck. Por isso ficou calado, entregue aos seus pensamentos. Chegaram ao rancho Estapoole, verdadeiramente, exaustos. Depois de comerem alguma coisa, recolheram aos seus quartos. Depois de tomar banho, McGinnis despiu-se e deitou-se.
Estava quase a adormecer, quando ouviu leves pancadas na porta.
— Quem é?
— Sou eu, Helena, abra por favor... — a voz dela era baixa como se não quisesse ser ouvida. Franck franziu o sobrolho.
— Um momento só — disse.
Vestiu-se e foi abrir. Helena parecia preocupada. Olhou para os dois lados e entrou. Os olhos poisaram sobre a cama aberta, mas desviou-os com timidez. McGinnis esperava que ela falasse. O blusão de couro mal lhe cobria o tronco.
— Desculpe por vir incomodá-lo e, por favor, não diga nada a ninguém. Meu pai não aprovaria — começou hesitante. — Vim porque... hoje passou-se algo...
— O quê?!
— Hook veio cá com dois dos seus esbirros ameaçar meu pai. Prometeu que viria, novamente, amanhã...
— Que queriam eles?
— A história é de longa data, mister McGinnis. Graham Hook quer forçar meu pai a vender estas terras para anexá-las às dele; se não conseguir a compra, forçar-nos-á a abandoná-las, mesmo à força! Ofereceu-lhe vinte mil dólares...
— Vinte mil dólares! — repetiu Franck com espanto. — Mas é uma ninharia! É um roubo descarado!
— Graham é deste quilate. Dava os vinte mil dólares a meu pai e, certamente, mandava os seus acólitos armarem-lhe um assalto no caminho para se apoderar do dinheiro — Helena Finley Estapoole retorcia as mãos com desespero.
McGinnis pensou por momentos que estava no seu quarto, a sós com aquela deliciosa mulatinha, e apetecia-lhe mandar ao diabo com todos os problemas e beijá-la, dizer-lhe que a amava — não era mentira! — fazendo-lhe saber que carecia de uma mulher, de uma companheira na vida, durante o dia a seu lado, que estava velho, velho de percorrer o Oeste de ponta a ponta, sempre matando — fazendo Justiça — mas não importa, matando, de armas em punho vendo os seus adversários dobrarem--se à sua frente, na sua última pirueta neste mundo, ostentando no rosto o estigma do pânico e medo para enfrentaram a viagem até aos grandes prados de Manitu — a outra vida! — fazendo o seu nome respeitado ao lado de se sete letras — JUSTIÇA; por isso buscara um lugarejo perdido, por onde nunca tivesse passado, a fim de poder guardar, para sempre, as suas armas numa arca, arranjar uma mulher — o que se lhe afigurava difícil dado o eterno problema da sua cor — e viver o resto dos seus dias, pacatamente, como um pequeno fazendeiro. Porém, o destino estava contra ele! Os Estapoole iam pegar em armas contra os Hook e ele estava entre eles! Mas, ele tinha umas contas a ajustar com Graham Hook.
Nem um segundo sequer durante os dias olvidava o procedimento daquele para com Lily Carmena, uma rapariga perdida que tivera o azar de se relacionar com um tipo como Hook e que apodrecia agora no cemitério de Hayman City. Impunha-se que a sua morte fosse vingada e neste caso estava também o azar de Hook pelo facto de o pistoleiro negro estar envolvido no caso!
McGinnis apertou uma das mãos de Helena e esse contacto perturbou-o. Disse-lhe:
— Fez bem em vir avisar-me, menina... É meu dever contribuir para a proteção deste rancho. Estarei vigilante.
— Peço-lhe que...
— Fique descansada. Seu pai não saberá que veio avisar-me.
Com um sumido obrigada, a jovem retirou-se do quarto e McGinnis retornou à cama e adormeceu.
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