domingo, 29 de agosto de 2021

ARZ107.05 A história dos amores (e seus frutos) do velho rancheiro enquanto jovem… que despertaram a inveja num capataz ciumento


Quando Sterling chegou ao rancho do seu patrão, seriam duas horas da madrugada.

O edifício estava mergulhando no mais completo silêncio, mas nem Sterling reparou sequer em semelhante circunstância, nem o facto era suficiente para acalmar o estado vulcânico em que a sua mente se encontrava.

Atravessou a sala fazendo soar estrondosamente o metal das suas esporas, subiu a escadaria de forma idêntica, perturbou a tranquilidade do corredor com a sua marcha precipitada e parou diante de uma porta de carvalho cujo fecho fez girar energicamente, empurrando um dos batentes, deparando-se-lhe então o senhor Bragg que acabava de levantar-se de um cadeirão instalado ao fundo da sala, mesmo em frente da porta.

Bragg olhou para o recém-chegado com a maior curiosidade, como se esperasse ver aparecer mais alguém, e logo desviou a vista para de novo voltar a encarar o jovem parado a cerca de dois metros de distância e ainda arquejante pela rapidez da caminhada.

— Brown?... — perguntou o velho, com a maior ansiedade

— Brown ficou no «saloon» ... estatelado no sobrado com as costas crivadas de balas criminosas! — retorquiu Sterling.

A distância que os separava encurtou-se pela aproximação de Bragg.

— Morto? E quem foi o autor da proeza?

Um triste sorriso aflorou aos lábios do mancebo.

—Quem lhe parece que tenha sido? Foi Murphy, esse amaldiçoado forasteiro, ou algum dos seus homens!

As palavras proferidas abalaram mais fortemente o rancheiro, do que um soco que lhe tivessem aplicado em pleno peito. Cambaleou, procurou a cadeira de que pouco antes se levantara, e assentou-se novamente.

— Como é que tudo isso aconteceu? — perguntou ele em voz débil, sem olhar para o capataz.

— Não posso explicar coisa alguma... Vim aqui apenas para o informar de que se encontra vago, de hoje em diante, o meu lugar de capataz. Não posso aguentar mais. E devo acrescentar que, se alguma vez me senti orgulhoso de estar ao seu serviço, hoje sinto a maior vergonha por esse mesmo facto.

Dito isto, o jovem encaminhou-se para a porta, sem ligar importância ao grito lançado por Bragg:

— Sterling, espera!

Como, porém, o jovem não tivesse obedecido, o velho saltou do cadeirão e correu atrás dele com uma velocidade e uma energia quase inconcebíveis, dado o seu estado de profundo abatimento, conseguindo alcançá-lo quando o jovem punha o pé no primeiro degrau e se preparava para descer. Agarrou-o pela camisa, junto de um ombro, e obrigou-o a parar.

—Largue-me, senhor Bragg! — gritou o mancebo, procurando desenvincilhar-se da mão do velho.

— É absolutamente inútil. Não lhe prestarei a mínima atenção.

Não conseguiu, no entanto, libertar-se das garras do velho por mais esforços que fizesse.

— Isso seria, realmente, muito cómodo da tua parte! — dizia Bragg. — Vais ficar a saber agora, tanto como ou... e vais arrepender-te disso.

Se o tivesse desejado a valer, não teria sido muito difícil ao jovem libertar-se das mãos do velho e fugir, mas o respeito que o ancião sempre lhe merecera e a estima que sentia por ele, impediram que usasse da violência para o conseguir. Foi, por isso, relativamente fácil ao ancião obrigar o outro, quase de rastos, a voltar para trás.

Encostou-o violentamente a uma das paredes com as mãos cravadas no seu peito, magoando-o seriamente apesar das roupas que vestia e aproximando o seu hálito ardente do rosto do mancebo.

— Vais saber tudo, Sterling! Vais conhecer a tempestade que invade a minha alma. Talvez fosse preferível não dar conhecimento disto a ninguém, nem partilhar com outrem a minha desgraça, mas lembra-te de que foste tu próprio quem assim o quis!

O jovem já não oferecia qualquer espécie de resistência nem se esforçava por libertar-se das mãos do velho. Fixava os seus olhos nos do rancheiro que despediam chamas, na expectativa da revelação que iria brotar dentro em pouco, daquela boca espumejante.

— Escuta: esse Murphy, esse reles, esse cobarde assassino... é meu filho!...

A última palavra proferida pelo velho e que é normalmente pronunciada com tanto amor e tanto carinho por aqueles que têm a felicidade de poder fazê-lo, foi proferida após uma esforço sobre-humano, como se um pedaço da própria alma se lhe desgarrasse.

Sterling acusou a surpresa que a revelação lhe causara. Contemplou, compadecido, o súbito desmoronar das energias do velho após a confissão do seu segredo, e, quando as mãos que tão solidamente o agarravam começaram a afrouxar a pressão que exerciam no seu peito, viu-se obrigado a ampará-lo nos seus braços, com receio de que o pobre homem caísse no chão.

Ajudou o rancheiro a encaminhar-se para o cadeirão, e obrigou-o suavemente a sentar-se, quando algumas pancadas dadas na porta vieram quebrar o momentâneo silêncio que pairava no ambiente.

Era Mary, a criada, que alarmada pela ruidosa balbúrdia vinha a correr saber de que se tratava.

— Não é nada, mulher. Foi o senhor Bragg que se sentiu indisposto, mas já se encontra bem. Podes voltai para o teu quarto.

Sterling acomodou-se numa cadeira junto do ancião, que parecia alheio a tudo o que o rodeava, e procurou animá-lo.

— Compreendo perfeitamente o seu problema, senhor Bragg... Estou convencido que se há de encontrar uma solução satisfatória para todos. Como é que o senhor teve conhecimento desse facto? Nunca em tal coisa me falou...

Bragg poisou os seus olhos em Sterling, como envergonhado.

— Essa manhã, enquanto decorria o tempo das tréguas concedidas àqueles homens, dispus-me a ler a carta que o carteiro me entregara momentos antes, lembras-te? E nessa carta assinada por Ana, a minha querida Ana que durante tantos anos considerei morta, vinha a informação de que George Murphy, filho de nós ambos, devia chegar a esta região incumbido do recebimento de um imposto, e pede-me que o ajude em nome da paixão que um dia nos ligou um ao outro...

Novo e prolongado silêncio se seguiu da parte do pobre velho que parecia mergulhado, agora, em longínquas recordações...

George Bragg, durante a sua juventude, quando contava apenas trinta anos, prestava serviço como encarregado de um rancho no Arizona, nas proximidades de Prescott e foi ali que conheceu Ana, bela rapariga de vinte primaveras, filha de Murphy, que era o dono do rancho em que trabalhava.

Havia poucas semanas que a jovem regressara da Califórnia, em cuja capital se demorou alguns anos por causa dos estudos, quando lhe foi confiada a agradável tarefa de transformar aquela delicada menina numa desenvolta e hábil amazona.

Logo no primeiro instante do início das lições, quando o jovem Bragg teve de erguer nas suas mãos aquela graciosa figurinha para corrigir a sua posição sobre o cavalo, sentiu um fogo abrasador que lhe percorreu as veias e lhe afogueou o rosto...

— Nunca imaginei que fosse tão pesada — disse sorrindo a jovem. — Ficou tão corado quando me ergueu nos braços...

— Não foi por causa do seu peso, menina... Segure as rédeas com ambas as mãos. Assente bem os pés nos estribos — disse o instrutor um tanto confuso, procurando dissimular a sua atrapalhação enquanto ia corrigindo a discípula que soltou uma gargalhada maliciosa.

E após aquela primeira lição de equitação, logo começaram a tratar-se mutuamente por tu, por imposição da gentil aluna.

Alguns dias depois, num entardecer em que ambos descansavam junto da rumorejante corrente de um pequeno ribeiro, alguém os surpreendeu estreitamente abraçados num amplexo para que o nascente amor os impeliu. E esse alguém era Davis, o capataz da herdade, silencioso admirador de Ana que não hesitou um minuto em ir revelar ao seu patrão a cena que lhe fora dado observar.

O pai da rapariga, chamando os três irmãos de Ana, correu ao encontro do amoroso par que regressava já do seu passeio vespertino.

Ao reconhecer os componentes do grupo, a jovem deu-se pressa em dirigir-se ao se encontro, correndo alegremente. A sua alegria cessou, porém, no mesmo instante, ao receber na face um tremendo bofetão que quase a derrubou do cavalo.

Bragg, que observava toda a cena, acelerou o galope do seu cavalo, sendo recebido por Murphy com as seguintes e desagradáveis palavras:

— Abusaste da nossa confiança, canalha! Nunca imaginei que o interesse com que ministravas as tuas lições a minha filha fosse motivado por tão más intenções!...

E em complemento das desabridas palavras do pai que se considerava grandemente ofendido, foi-lhe enviada uma bala por Frank, o irmão mais velho de Ana, que lhe rasgou a carne do ombro esquerdo obrigando-o a puxar pelo seu «Colt» para se defender.

Não o pôde conseguir porque outro dos Murphy, fazendo levantar as atas dianteiras da sua montada, se lançou contra ele, derrubando-o da sela e arrojando-o ao solo.

O mesmo negro buraco do revólver que o ferira estava de novo apontado para ele, quando o vulto de alguém se interpôs entre si e o criminoso instrumento. Era Ana que, saltando em terra com a maior presteza, chegara a tempo de paralisar o dedo homicida.

— Suspendam! Se pretendeis matar este homem, tereis primeiramente de me atravessar o corpo com as vossas balas!... Nada se passou de indigno entre nós, além do amor que nos une; mas os vossos corações perversos não compreendem esse sentimento!

— Deixa-os, Ana. É preferível que me liquidem —disse Bragg.

A jovem, porém, procurava por todos os meios cobri-lo ainda mais com o seu corpo. De nada teria servido, entretanto, o seu heroico sacrifício, se não fosse a intervenção do velho Murphy.

— Um momento, rapazes; bem sabeis que não sou apologista da morte quando é possível evitá-la. Respeitaremos a vida de Bragg se ele tomar o compromisso de não revelar as suas relações com Ana... Ouviste o que eu disse, George? És livre para abandonar o meu rancho. Diz, por exemplo, que tiveste uma pega com Frank ou qualquer outra coisa que te pareça, mas muito cuidado com tudo que bula com o bom nome da família Murphy e que, nem por sombras, haja a mínima referência a minha filha...

Bragg preferia, na verdade, que lhe acabassem com a vida naquele momento, mas a jovem levou-o a aceitar as condições que lhe impunham.

— Sim, George; tens de dizer que sim!... Não vês que estão na disposição de te matar sem hesitação?

— Fácil seria fazê-lo — confirmou o velho. —Quem iria estranhar que depois de uma briga com Davis, por exemplo, ele te matasse em legitima defesa?

Davis, o capataz, sorria-se e brincava com o seu reluzente «Colt».

—Essa seria, quanto a mim, a melhor de todas as soluções... Se me permite...

—Isso depende dele. Que respondes a isto, rapaz?

Bragg tinha conseguido pôr-se a pé, comprimindo com a mão o ferimento do ombro que continuava a sangrar abundantemente.

— Obrigado, senhor Murphy pela sua generosidade em conceder-me a vida... Quanto ao meu silêncio pode contar com ele, não porque receie as suas ameaças, mas apenas por que não quero que o nome de Ana ande nas bocas do mundo...

George Bragg aproximou-se, coxeando, do seu cavalo.

—Quanto a ti, Davis, se tiveres muito interesse em servir-te de mim para alvo do teu revólver, poderás encontrar-me no acampamento mineiro, à hora que te aprouver...

Preparava-se para iniciar a marcha em sentido contrário ao dos outros quando os seus olhos ficaram enleados nos olhos da rapariga. A lua que começava a surgir, iniciando assim uma nova ascensão, punha reflexos irisados nas lágrimas que enchiam os olhos de Ana, e Bragg, um sentimental apaixonado até ao extremo, esporeou violentamente a montada que desembestou num galope desvairado.

O acampamento mineiro a que Bragg aludira era uma espécie de pequeno povoado situado a cerca de quatro quilómetros do rancho dos Murphy. Um pesquisador encontrara ali ouro, numa pequena montanha, e um verdadeiro aluvião de ambiciosos, ávidos do precioso metal, tinha feito surgir aquele minguado aglomerado de casas nas cercanias do filão. E, como não podia deixar de ser, havia também o imprescindível «saloon» instalado num barracão desconjuntado.

Foi exatamente para ali que Bragg se encaminhou, quando se afastou de Ana e dos seus familiares. Examinou o ferimento antes de chegar ao acampamento e vendo que não era coisa de muita gravidade, lavou-o superficialmente nas frescas águas de um riacho próximo.

Depois de confortado com alguns copos de uísque, Bragg decidiu-se a visitar um amigo que habitava no lugar.

Morton era um velho aventureiro que naquela ocasião se dedicava a escavar a terra naquele recanto do Arizona. A sua amizade com Bragg vinha Já de tempos recuados, desde quando, ainda jovem, se dedicava a conduzir grandes manadas de gado, sendo seu companheiro no mesmo ofício em algumas das suas viagens.

O velho Morton estava agachado junto de alguns cavacos a que assoprava e cujas débeis chamas aqueciam o enegrecido fundo de uma panela. Desviou os olhos para os fixar em Bragg, sorriu-se de través e continuou a assoprar para avivar as labaredas. Quando se pôs de pé, as suas faces, já de si vermelhuscas, estavam afogueadas do que a púrpura.

— Então que há, meu rapaz? Tens-te feito caro nos últimos tempos; ninguém te põe a vista em cima... que é isso? Estás ferido?

Ainda que Bragg tivesse tido o maior cuidado no arranjo da sua roupa para não denunciar o ferimento, o sagaz olhar de Morton notou imediatamente a rigidez do braço do seu amigo.

—Nada de cuidado, meu velho; um simples arranhão sem importância — disse Bragg, sentando-se num tronco que fazia as vezes de mesa na humilde cabana.

—E esse tal rasgão não teria sido feito por uma bala?

— Velho amigo, vim aqui pedir-lhe que me deixe passar a noite junto de si e não para que me esteja a massacrar com perguntas — continuou Bragg afastando os pés.

Morton passou então a prestar a sua atenção à panela que já fervia naquele momento e retirou-a do fogo.

— Suponho que também desejarás comer, não é assim? — perguntou o velhote, sorridente.

O jovem Bragg não respondeu, mas pegou no prato de folha que lhe estendia o dono da casa. Comeu, até ao último, os feijões, em que consistia o jantar, bebendo em seguida o púcaro de café que o velho lhe ofereceu. Acendeu um cigarro e comentou:

— Oiça, Morton, não vá supor que pretendo criticar a sua habilidade de cozinheiro, tanto mais que a feijoada estava excelente; mas... não se aborrece com uma alimentação assim tão frugal? E se o senhor procurasse colocação num rancho, onde tivesse a certeza de que lhe não faltaria um bom naco de carne e uma cama para dormir, melhor do que nesse braçado de espetos em que os seus ossos descansam?

O velho olhou para o sítio que Bragg lhe apontava com o dedo, piscou um olho, sorriu-se e respondeu:

— Deve haver, certamente, piores lugares do que este, uma vez que tu próprio me vens pedir asilo. E tu? Por que abandonaste esse trabalho de que me falas?

O vaqueiro tomou um ar de seriedade.

— E que espécie de amigo és tu que há quase uma hora que aqui te encontras e ainda nada me disseste acerca do que te aconteceu? Sim, por que eu estou convencido de que alguma coisa se passa...

Bragg não pôde ocultar por mais tempo o seu segredo e relatou todas as peripécias relacionadas com o caso, desde a declaração do seu amor até ao momento em que ambos foram surpreendidos. Sabia que Morton era homem para guardar um segredo, mas nunca lhe passou pela cabeça que ele reagisse daquela maneira.

— Súcia de cachorros, estes ganadeiros! — resmungou o homem pondo-se em pé e encaminhando-se para a porta à qual se apoiou de costas voltadas para o amigo. — E que vais tu fazer agora? — perguntou ele num arranco, virando-se para trás.

Bragg titubeou:

— Que quer o senhor que eu faça? Afastar-me para muito longe de aqui.

— Aí está uma excelente ideia! Deves procurar a solidão de um lugar deserto ou mesmo de uma montanha, para poderes chorar à tua vontade... Não passas de um estúpido! Sempre supus que fosses mais homem do que és!

— Confesso que o não compreendo. Falo a sério: não o compreendo — disse Bragg meneando a cabeça.

O velho acocorou-se junto dele e apoiou a sua mão ressequida numa das pernas de Bragg.

— Ora vamos lá ver, meu rapaz. Por aquilo que me contaste parece-me poder concluir que essa rapariga te ama e que tu também a amas a ela. Não é isto verdade?

A expressão da cara do jovem vaqueiro era a de quem continuava sem perceber coisa alguma, mas acenou afirmativamente com a cabeça. Agora era o próprio Morton quem parecia perplexo.

— Diabos me levem se eu te compreendo! — exclamou. — Ainda se me tivesses dito que ela te desprezava!...

Bragg estava a sentir-se incomodado com as palavras do seu amigo.

— Está bem, pronto! Já descobriu alguma solução para o caso?

— Bem digo eu que esta juventude se encontra em absoluta decadência — afirmou Morton, erguendo os olhos para o céu como se falasse com alguém que se encontrasse lá em cima. — Pois vou dizer-te o que eu faria no teu lugar: trazia-a comigo contra a vontade do pai e dos irmãos e até mesmo contra a vontade dela se a isso se opusesse — gritou o velho energicamente.

O jovem não abriu a boca naquele momento. Poisou os olhos nos gravetos que crepitavam na fogueira e guardou silêncio. O velho não o interrompeu durante aquele intervalo e deitou as mãos a uma garrafa de que bebeu um bom trago, passando-a a seguir para as mãos de Bragg. Este ingeriu uma dose da bebida e como se esta lhe tivesse produzido efeito no cérebro, murmurou:

— Seria formidável..., mas não passava de uma loucura.

—Bolas!... — desabafou o velhote depreciativamente. — Seria um acto de audácia e nada mais. Claro que, para isso, é indispensável ter nervos.

— Nervos não me faltam! O mal fosse apenas esse. Ela é que me impede de o fazer. Quererá ela acompanhar-me? Tenho eu, porventura, o direito de a arrastar para uma vida de trabalhos e de dificuldades?

— Já lhe perguntaste todas essas coisas?

— Confesso que me está aborrecendo com todas essas estúpidas perguntas. Não expliquei já como se passaram as coisas?

— Agora, agora... Estou a tentar convencer-te de que deves falar com ela antes de tomares novo rumo...

Uma hora durou aquele despique dos dois homens sobre o mesmo tema, ao cabo do qual, duas sombras, as deles próprios, conduzindo as suas montadas pela arreata, começaram a afastar-se da cabana deixando para trás a povoação.

Encaminhavam-se na direção do rancho de Murphy, tendo viajado a cavalo apenas durante algum tempo e fazendo o resto do caminho vagarosamente e a pé. A certa altura, detiveram a marcha na sombra produzida por um maciço de árvores e, quando retomaram o caminho, não vinham acompanhados das cavalgaduras.

Pararam à sombra do edifício do rancho e acachaparam--se numa depressão de terreno por indicação do mais novo dos dois.

— Oiça, Morton — sussurrou Bragg — o senhor vai ficar aqui...

O velho resmungou e o outro surpreendeu-o.

—Que imaginava? Que ia levá-lo até aos aposentos de Ana? Longe de mais já eu fui, consentindo em trazê-lo na minha companhia! Não se arrede deste lugar até que eu volte a buscá-lo. E sem ligar mais importância aos protestos de Morton, o jovem abandonou o valado para se encaminhar, todo curvado, em direção da casa.

O velho perdeu-o de vista durante alguns minutos, vendo-o reaparecer pouco depois a descer pela ramagem de uma árvore, de onde saltou para uma das varandas do edifício.

Morton remoía a intensa emoção que o dominava, dizendo de si para si: «Bom! Parece-me que há pouco fui um tanto exagerado. Não sei se eu seria capaz de fazer aquilo!». Semicerrou os olhos para enxergar melhor o que se passava na sua frente. O mancebo não se encontrava já na varanda: naturalmente já passara para dentro. De momento tudo estava a correr pelo melhor.

Deixou de prestar atenção ao que, porventura, iria passar-se, para contemplar o seu revólver que acabava de sacar da pistoleira; ótimo, o cilindro funcionava perfeitamente; se fosse necessário, funcionaria às mil maravilhas. Surpreendeu-se a si mesmo por desejar que viesse a acontecer alguma coisa e censurou-se severamente: «És um tipo sem vergonha nenhuma e um péssimo camarada, amigo Morton... Não compreendes que se te vires obrigado a fazer uso deste traste é por que o rapaz se encontra em maus lençóis de que será muito difícil safar-se?».

Voltou a espreitar para o lado da varanda por onde Bragg tinha desaparecido. A verdade é que havia já muito tempo que se não servia do seu fiel companheiro. Que se lembrasse, havia pelo menos quatro semanas que o seu «Colt» permanecia mudo... E ele a dar-lhe! Outra vez?

O melhor seria que Bragg regressasse sem o menor incidente. Mas, quanto se demorava o diabo do rapaz...

Ele aí vinha; a sua silhueta recortava-se de novo sobre a varanda, deslizava por detrás do corrimão e estendia a mão para se agarrar às franças da árvore de que se servira para a escalada.

Pobre mancebo; de demasiado pundonor estava dando provas, para fazer todo aquele esforço com um ferimento tão recente no ombro...

Morton pôs-se em pé, de um salto e correu em direção do edifício. O que acabava de ver, impelia-o irresistivelmente: a janela contígua à varanda, pela qual Bragg pretendia fugir, acabava de se iluminar de repente, surgindo nela uma figura com um objeto reluzente na mão: era uma espingarda.

O velhote avançava com os olhos fixos no mancebo que devia já ter-se apercebido de que fora descoberto, por que se deixou cair de toda aquela altura. Um fogacho, seguido de uma detonação vindos da janela, perturbaram o silêncio da noite. Não obstante a bala ter sido disparada quase à queima-roupa, Bragg não devia ter sido atingido, pois pareceu rebolar-se no solo e levantar-se em seguida para correr com a maior velocidade.

Novamente a espingarda vomitou fogo e desta vez a bala devia ter atingido o alvo porque o jovem parou instantaneamente, ergueu os braços como se pretendesse agarrar-se a qualquer coisa invisível e caiu por terra.

— Canalhas — bramiu Morton, redobrando de velocidade para ir em socorro do seu amigo.

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