terça-feira, 17 de agosto de 2021

RB007.12 O dique que aprendeu a voar

— Fale-me de Holland, quer, Powers?

Durgan formulou a pergunta, quando ambos abandonaram a cavalariça. O vaqueiro olhou-o longamente antes de responder.

— Que quer saber, patrão? — perguntou depois.

— Tudo, não sei se me compreende.

— Creio que sim. Portanto, começarei pela noite... —também vacilou antes de acabar a frase, e depois, como se tivesse dor de estômago fez uma careta e disse: — Tenho a certeza de que os homens que fizeram voar o dique pertenciam à máquina de Al Holland. Suponho que já lhe devem ter dito, não?

—Sim; Sadie contou-me um pouco.

Powers olhou-o duvidando durante alguns segundos.

—Explicou-lhe que ele, depois do que se passou, começou a construir outro nas suas terras?

Durgan não pôde evitar um grito de admiração.

—Demónios! — exclamou. Quer dizer que Al Holland?...

— Isso mesmo, patrão. Holland construiu um dique nas suas terras. Agora, quando há as cheias, sobe muito mais que o normal na zona em que estão situados os nossos pastos.

Durgan reparou que era o mesmo que Sadie tinha pensado um dia, mas ao contrário. Não lhe disse limitou-se a olhar para o vaqueiro e a ficar pensativo. Depois avistando já os barracões, deteve-se, olhando-o de frente.

—Há dinamite no rancho; Powers? —perguntou com a voz tensa.

— Há sim, patrão.

E olhou-o com os olhos muito abertos, enquanto um grande sorriso começava a distender-lhe os lábios.

— Tenta por acaso?...

—É isso que vou fazer. Mas fazem-me falta dois homens ou três, Powers. Em quem posso confiar?

— Isso será difícil, patrão—replicou Powers tranquilamente.

— Que quer dizer?

— Que terá que levá-los todos. E pode contar em que eu serei o primeiro.

— De acordo, Powers. Agora escolha você mesmo os outros dois. Que saibam disparar rápido e que não temam a morte.

— Chass Trent, o capataz, será um deles, patrão. Phill Denver o outro, que comigo somos três. Mais alguma coisa?

— Sim. Procure tirar a dinamite sem que os outros homens e minha esposa vejam. Depois fale com Trent e Denver. Creio que será melhor só sabermos os quatro, não?

— Claro, patrão! Onde nos encontraremos depois?

 — Junto ao arroio e perto da meia-noite.

Estavam a chegar aos barracões e ambos, de comum acordo, calaram-se para em seguida continuarem uma conversa trivial, que cortaram repentinamente, quando o capataz e os outros vaqueiros viram quem era a pessoa que acompanhava Powers.

Meia hora depois, o grupo dissolveu-se, quando os vaqueiros foram chamados para comer. Durgan passou o resto do dia a olhar para a sua filha, sem se atrever aproximar-se dela e sem notar que duma das janelas do rancho, os formosos olhos de Sadie o vigiavam, sem perderem um único movimento seu.

Finalmente, caiu a noite e com ela os vaqueiros regressaram. A pequena Lina há mais de meia hora que tinha entrado no rancho; Durgan calculou que Sadie já a tinha deitado.

Lentamente, e enquanto os vaqueiros iam para os barracões a fim de jantarem ele entrou no rancho pela segunda vez naquele dia. Sadie saiu-lhe ao encontro quase na mesmo altura, vestindo de tal forma que se lhe incendiava o sangue.

— Podes ir para a casa de jantar, Jack — disse, logo que chegou ao seu lado. — Estava à tua espera para jantar.

Seguiu-a sem responder, sentou-se também no mais completo silêncio. Sadie ficou na sua frente e com o mesmo mutismo começou a comer. Passaram minutos e minutos sem que nenhum deles dissesse uma só palavra.

Foi depois, quando a criada mexicana retirou a loiça, que Sadie se pôs de pé para o olhar de frente.

— Jack — sussurrou muito baixo, tanto que apenas ele a ouviu: — O teu quarto fica lá em cima, compreendes?

Antes que ele pudesse responder, afastou-se deixando-o de boca aberta. Enquanto se recompunha do assombro momentâneo, tirou um cigarro e acendeu-o. Depois, um grande bocado depois, saiu para o alpendre.

Permaneceu ali até que o seu enorme relógio de bolso marcou meia-noite menos dez minutos. Então deu uma grande volta e dirigiu-se para as grandes árvores que rodeavam o riacho, duzentos e cinquenta metros mais além, em frente ao rancho.

Sadie, da janela, perguntou a si mesma onde iria, extremamente mortificada ao pensar que não a tinha querido compreender. Contorceu as mãos e depois crispou os dedos no parapeito da janela até os nós dos dedos ficarem brancos.

Onde estava o seu orgulho anterior? Que restava da antiga Sadie? Ela mesma fez estas perguntas para consigo, e riu-se da resposta que teve que dar.

Depois, completamente vestida, estendeu-se na cama, pensando. Pensando na sua filha e em que não tinha perguntado a Jack onde estava, nem este tinha mencionado qualquer coisa a esse respeito.

Dormiu até por volta das três horas, quando um ruído fora do comum a despertou sobressaltada. Correu para a janela e viu os seus homens, quase todos meio vestidos, saírem dos barracões e perguntou a si mesma que demónio tinha acontecido. Abandonou o quarto e desceu para o alpendre. Minutos depois reunia-se a eles.

Foi então que notou a falta de Trent e Powers. Minutos mais tarde verificou que também faltavam Denver e o seu marido.

Sadie olhou-os um a um, não se atrevendo a perguntar.

Iniciou o regresso, mas não chegou a entrar em casa. Vindo do rio e apagado pela distância, ouviu-se o eco de vários tiros. Sadie encarou os vaqueiros que por sua vez a olharam cheios de assombro. Por fim um deles adiantou-se perguntando:

— Pode dizer-nos o que se passa, mistress Durgan? Ouvimos uma explosão. Agora faltam Trent, Powers e Denver —vacilou uns momentos antes de formular a pergunta e, por fim, disse: — O patrão está lá dentro?

Sadie negou com a cabeça e os vaqueiros entreolharam-se. Os tiros não cessavam lá ao longe.

Por fim, Sadie interrompeu o silêncio.

— É melhor trazerem os cavalos. Vamos ao Arkansas ver o que se passa.

Separaram-se fazendo comentários. Quando Sadie regressou ao alpendre, tinha mudado a toilette por uma blusa decotada e uma ampla e curta saia de montar depois de entrar no quarto da pequena para verificar se estava bem.

Subiu para o cavalo que um dos vaqueiros lhe tinha trazido e o grupo pôs-se em marcha para o rio. Não foram muito longe. Já o avistavam, quando viram vir na sua direção quatro cavaleiros a todo o galope.

Sadie aproximou a mão da coronha do rifle que assomava do coldre do arção da sela, até que os reconheceu. Então, imitada pelos outros, deteve o animal e esperou. Minutos mais tarde, Durgan aproximou-se.

—Vamos, Sadie. Para o rancho. Não há tempo a perder.

—Mas...

— Explicar-te-ei lá dentro. Agora não podemos perder aqui mais tempo.

Sem responder, voltou costas e empreendeu o regresso acompanhada por Durgan que ia a seu lado, enquanto Trent, Denver e Powers se reuniam com os vaqueiros, para os pôr ao corrente do que se tinha passado naquela noite.

Depois, caiu o silêncio mais completo sobre o grupo e ninguém disse nada junto ao alpendre. Durgan voltou-se olhando os vaqueiros e despediu-se deles com um gesto de mão. Entrou no rancho seguido por Sadie.

Foi no hall que ela o encarou e perguntou:

—Queres explicar-me o que se passou esta noite, Jack? Esses tiros...

—Nada de especial, Sadie — atalhou ele. — Uma pequena escaramuça com os homens de Holland.

—Jack! Mas porquê? Antes dos tiros pensei ouvir...

— Uma explosão, não é verdade? — atalhou novamente.

— Sim, era isso. Os rapazes e eu fizemos voar o dique desse porco. Exatamente como ele fez ao teu, Sadie. Espero que não sintas muito.

Sadie abriu os olhos e empalideceu um pouco.

— Isso é uma loucura! Não escaparás desta, Jack. Amanhã terás aqui o sheriff... e esse... esse não é como o outro, compreendes?

Durgan olhou-a semicerrando os olhos.

— Nunca pensei que te preocupasses tanto com a minha segurança, Sadie — disse ironicamente. — As minhas notícias não foram essas durantes estes anos. Mas enfim, esquece-o. Se vier o sheriff, eu recebê-lo-ei. Portanto, deixa de pensar nisso e prepara-me qualquer coisa para comer. Esta corrida com o respetivo exercício abriram-me o apetite.

Olhou-o perguntando a si própria se brincava com ela, mas viu-o sério, hermético, sem a menor expressão no seu semblante.

— Vem lá acima, preparar-te-ei qualquer coisa.

Foi atrás dela, fascinado pelo contorno das suas ancas, mas não se aproximou, apesar de lutar ferozmente contra os cinco sentidos. Sentou-se numa cadeira, calmamente, puxou dum cigarro e acendeu-o, lançando algumas baforadas de fumo para o tecto e perguntou:

— Como se chamam os homens que mataram Mona, Sadie?

O bife que ela tinha na mão caiu ao solo. Ao mesmo tempo, Sadie voltou-se para o olhar completamente alarmada.

— Não... não sei, Jack — balbuciou.

— És tão bela como embusteira, Sadie. Suponho que será melhor dizeres-me tu do que ir informar-me a Fowler, não?

— Que demónios tens dentro de ti, Jack?

— A vingança, Sadie.

Olhou-o longamente e acabou por desviar o olhar.

— E... também pensas vingar-te de mim?

—Tu já foste bastante castigada, Sadie. Mas...

— Oh, Jack! — aproximou-se dele, envolvendo-o com o seu perfume. Mais perigosa que nunca. —A minha filha Nora, Jack! Onde está?

— Os nomes, Sadie, necessito deles, meu tesouro.

O semblante de Sadie assombrou-se. Voltou-lhe as costas e continuou a preparar aquela espécie de jantar de madrugada. Quando pôs os pratos à sua frente, Sadie respondeu enquanto se sentava:

— Foram os três homens que brigaram no saloon, Jack. Don Cullens, Peter Lansing e Curt Wood. Um deles ficou ferido na luta.

— Quem, Sadie? Porque presumo que o que ficou fe-rido e devido à contração muscular, foi o que foi projetado violentamente para o sítio onde estava Mona. Devido a essa mesma contração — continuou —, apertou o gatilho e matou-a. Foi assim, não é verdade?

Sadie fechou os olhos. Quando os abriu, replicou num leve sussurro, sem o olhar:

—Sim, Jack. As coisas passaram-se como disseste. Curt Wood, tal como os seus companheiros, tinha os colts nas mãos. Recebeu o chumbo no ombro direito, girou para o lado, e então, segundo ele, disparou-se-lhe o colt matando Mona. Que pensas fazer agora?

Durgan não respondeu. Continuou a comer no mais completo silêncio. Quando acabou levantou-se, olhando-a.

— Estou cansado, Sadie — disse — Queres indicar-me o quarto?

Ela enrubesceu levemente.

— Jack, eu...

— Não te esforces, querida. Prepara-me um sítio mais ou menos cómodo e deixa o resto comigo.

— Mas, Jack, se...

Interrompeu-a com um gesto da sua mão que teve a virtude de a fazer calar nesse mesmo momento.

— Cinco anos num presídio são difíceis de esquecer, tesouro. Compreendes?

Sadie olhou-o, levantando o queixo com o antigo gesto de orgulho rebelde.

— Preparar-te-ei o quarto agora mesmo, Jack. Queres acompanhar-me? Foi atrás dela com um sorriso irónico, mas este ressentimento não o impediu de começar a dormir imediatamente.

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