sexta-feira, 27 de agosto de 2021

ARZ107.03 Linchamento abortado no último momento


Novamente no interior da sua repartição, o xerife teve ocasião de verificar que a coragem que pouco antes transparecia no rosto do cobrador tinha desaparecido por Completo para dar lugar ao maior dos pânicos. Tremiam-lhe os lábios e as narinas dilatadas sorviam avidamente a respiração distendendo-se num arfar continuo, enquanto as suas mãos mal podiam sustentar-se agarradas debilmente às lapelas da sua jaqueta.

Os outros tinham os olhos fixos naqueles dois homens, sem, no entanto, se afastarem das janelas nem abandonarem as armas que continuavam empunhando.

— Bonita situação — disse Brown. — A respeito da diplomacia inerente às suas funções, temos conversado... e, quanto ao resto, ocorre perguntar: para que diabo pediu o senhor estas tréguas de quinze minutos?

O jovem respondeu de modo balbuciante:

— Porque necessitávamos de ganhar tempo... e o senhor terá de fazer valer a sua autoridade; não vai consentir certamente que acabemos por ser todos linchados... cabe-lhe essa obrigação...

— Ah! Agora sou eu o responsável pelas intenções que os outros manifestaram de os pendurarem pelo pescoço! Pois confesso que os senhores o merecem absolutamente! O que fizeram à pobre criança...

Não foi Reynolds quem interveio em seguida, mas sim um outro dos seus companheiros de aspeto tão repugnante como o primeiro. Separando-se do resto do grupo, aproximou-se, dizendo:

— Será possível que o senhor consinta, chefe, que este homem nos intimide? Atrapalhados por demais estamos nós para ter de aguentar ainda por cima, os sermões deste aprendiz de xerife.

E dizendo isto meteu à cara a espingarda que tivera constantemente ao alcance da mão, e assestou-a contra o representante da lei em Green City. Murphy não teve necessidade de se valer de toda a sua autoridade para acalmar o homem. Algumas palavras bastaram.

— Não, Donald; não devemos complicar ainda mais este assunto. Regressa ao teu lugar!... Cinco minutos! Restam-nos apenas cinco minutos para terminar o prazo concebido. Que pensa fazer, xerife?

Brown, que levara as mãos aos coldres para empunhar os «Colts», em vista da ameaça de Donald voltou a abrir os olhos que semicerrara momentos antes.

— Não faço ideia alguma. A minha atitude dependerá da forma como as coisas se apresentem quando essa gente voltar a aparecer... Aconteça o que acontecer, posso garantir-lhes que os não abandonarei. Se pretenderem assaltar esta casa, estarei junto de vós para a defender e para os repelir.

— Repelir?... E que ganharemos nós com o facto de o senhor morrer ao nosso lado? O que é necessário é fugir sem mais demoras. O que é preciso é saber por onde.

Murphy tinha-se aproximado tanto que a sua respiração o incomodava seriamente.

— A única saída é essa porta; se os senhores se sentem com coragem de a transpor, provem-no.

A porta que o xerife indicava era a que abria para a rua onde se ouvia já o rumor da multidão que dava por terminado o prazo concedido.

— Vamos sair imediatamente, antes que apareça maior número de pessoas — gritou o aterrado Murphy correndo para a porta.

A voz de Reynolds deteve-o.

— Não abra, chefe! Na nossa frente encontra-se uma verdadeira muralha humana.

Brown aproximou-se para se certificar do que Reynolds acabava de afirmar e, sem deixar de olhar através das vidraças, continuava a dirigir a palavra ao cobrador a quem voltava as costas naquele instante:

— Estou a achar muita graça à sua afirmação de que Bragg acabaria por pagar o imposto...

As palavras que Murphy agora proferia parecia não serem verdadeiramente uma resposta ao que dissera o xerife. Tinha-se a impressão de que o que ele dizia eram frases dirigidas a si próprio, mas o pavor que o dominava não permitia que ele se apercebesse do que fazia.

— Alguma coisa falhou... Ou terá sido uma traição? O senhor Bragg não deveria ter-se comportado daquela maneira... Ou será que...?

— Que está o senhor para aí a dizer? — perguntou Brown, estranhando a forma ininteligível como ele se expressava.

A resposta que porventura lhe ia ser dada foi interrompida por uma voz atroadora que se fez ouvir, vinda da rua:

— O prazo acabou, xerife! Ou sai com toda essa canalha desarmada ou invadiremos a casa.

Brown apressou-se a sair, vendo-se obrigado a afastar Murphy que pretendia impedir-lhe a passagem. A mão do outro, porém, aferrou-se-lhe a um dos braços antes que a porta fosse completamente aberta e cravando os seus olhos pardos nos olhos do xerife, implorou:

— Por favor, senhor Brown, não consinta que nos linchem...

Libertou-se com um enérgico safanão da mão que lhe prendia os movimentos, sentindo-se invadir por uma onda de nojo por aquela desprezível criatura que não hesitara em eliminar duas vidas e que implorava agora demência para que lhe poupassem a sua.

Apenas apareceu à porta procurou localizar a figura de Bragg entre os manifestantes, mas o rancheiro não se encontrava entre o grupo que o cercava. Não tomou em consideração as vozes que pediam a entrega do cobrador de impostos e dos seus sicários e dominou o tumulto com a sua própria voz:

— Onde se encontra o senhor Bragg? Na sua qualidade de representante de todos vós, será com ele e só com ele que eu me entenderei.

Todos os presentes começaram a olhar uns para os outros absolutamente surpreendidos, procurando localizar o velho rancheiro que não dava sinal da sua existência. Entretanto, um dos que ergueram a voz voltou a interpelar o xerife:

— O senhor Bragg não está presente, mas que importância tem isso para o caso? O prazo terminou! Qual é a sua decisão?

Brown fixou os olhos no interpelante franzindo a testa, para vincar bem a intenção de ameaça que esse gesto traduzia.

— Ah! Com que então és tu, Patrick? Vejo que és um dos muitos que se arvoram em juízes destes homens! Sentes-te com autoridade para isso, não? Lembra-te que é por simples benevolência minha que te encontras em liberdade, quando devias estar encerrado atrás das grades de um calabouço. Já daqui para fora, ninhada de ratos manhosos. Só me entenderei pessoalmente com o senhor Bragg que é a única pessoa com autoridade para resolver este assunto.

O mocetão que falara, e a quem o xerife dera o nome de Patrick, abriu caminho por entre os que o separaram de Brown.

— O senhor Bragg disse já tudo o que tinha a dizer: pendurados numa corda e os seus corpos reduzidos a cinzas. Diga qual é a sua última palavra.

—A minha última palavra será a última bala do meu revólver se tentardes entrar nesta casa!

O homem que acabara de falar em nome da multidão, apressou-se a entender-se com os seus mais próximos companheiros, cochichando qualquer coisa que rapidamente se disseminou entre o compacto grupo de linchadores, iniciando-se desde logo um movimento de retrocesso e largando todos a correr em sentido oposto à vivenda do xerife.

Este contemplava admirado aquele movimento que supôs ser uma debandada geral, verificando em seguida que alguns dos que se afastavam iam ocultar-se por detrás dos alpendres das casas fronteiriças; que outros se entrincheiravam na retaguarda de um carro existente no meio da rua, como se ali tivesse sido colocado intencionalmente, e que outros ainda se afastavam para certa distância a fim de se colocarem fora do alcance dos tiros que pudessem vir a ser disparados da janela, tudo isto certamente na intenção de impedir a fuga se acaso tentassem fazê-lo.

Brown ouviu claramente o estilhaçar de alguns vidros da janela, vendo aparecer pelo buraco feito o cano de uma espingarda. Os sitiados tinham-se apercebido, pelo visto, da rede que lhes preparavam e decidiram defender-se por todos os meios. Reentrou rapidamente na vivenda e gritou:

— Que pretendeis fazer, corja de insensatos? Não caiam na asneira de disparar. Se começa o tiroteio não haverá possibilidade de se resolver coisa alguma.

— Não estamos dispostos a deixar-nos apanhar como ratos! — rugiu Reynolds. — Se desejam a minha pele, vai custar-lhes muito cara.

O xerife dirigiu um lance de olhos a Murphy, como a pedir-lhe que impedisse os seus homens de cometer aquela imprudência. Murphy estava sentado na sua própria cadeira, junto da mesa do gabinete, tinha a cara oculta entre mãos, erguendo-a e baixando-a de vez em quando. O homem chorava...

Entretanto, Reynolds apontava cuidadosamente a arma para um dos homens menos bem protegido, preparando-se para o abater. Brown deu uma ligeira corrida e afastando-lhe com a mão esquerda a espingarda, no momento exato do disparo, aplicou-lhe com a direita um murro nos queixos que o atirou desamparado para trás sem, no entanto, largar a espingarda da mão.

A detonação foi o princípio de uma trágica correria; porque correria quer dizer pressa e precipitação e os homens que se encontravam no exterior afanavam-se agora a ser, cada um de per si, os primeiros a disparar contra a janela e contra a porta.

As balas entravam como uma espécie de chuva horizontal, impedindo os sitiados de esboçar qualquer defesa e obrigando-os a manter-se estendidos de bruços sobre o soalho para não mirem alvo dos mortíferos projéteis.

Murphy estendera-se também debaixo da mesa e, oculto por ela, deixava escapar do peito umas tristes lamentações que mais pareciam de uma criança ou de uma mulher idosa.

Reynolds, por sua vez, concentrou toda a sua raiva na pessoa do xerife que o castigara e, aproximando-se como um réptil, lançou-lhe as mãos ao pescoço, surpreendendo Brown que nunca supôs que o ajudante de Murphy reagisse daquela forma. Não permitiu, porém, que o estrangulasse sem oferecer resistência. Estendido como se encontrava, colado ao soalho, conseguiu, não sem dificuldade, aplicar uma violenta joelhada no baixo-ventre de Reynolds que acusou o golpe, afrouxando imediatamente a pressão dos seus dedos na garganta do xerife.

Apesar disso, voltou de novo ao ataque, procurando atingir Brown, não já na garganta como tentara fazer de começo, mas sim nas cavidades oculares, o que procurava a todo o transe conseguir.

A luta travada entre os dois homens, em face do barulho infernal do exterior, parecia desenrolar-se em silêncio. Pouco depois, porém, viu-se precisamente o contrário, quando uma súbita pausa no tiroteio deixou ouvir claramente o aflitivo arquejar do xerife e do seu adversário, a que se misturavam as continuas lamentações do cobrador.

— Aproximem-se todos e escutem! — ouviu-se alguém bradar em plena rua.

Brown, que conheceu perfeitamente a voz de Bragg, cessou imediatamente de lutar o mesmo sucedendo da parte do seu inimigo. Levantando-se rapidamente deu-se pressa em correr para a janela, o que, pelo menos naquele momento, não representava qualquer perigo, tendo visto o velho rancheiro procurando atrair a si por meio de gestos e de palavras todos os amotinados. E, efetivamente, toda aquela enorme multidão se apressou a abandonar os seus refúgios, largando a correr ao encontro do improvisado orador.

O xerife notou qualquer coisa no rancheiro que lhe chamou a atenção: parecia que aquele homem não era o mesmo que minutos antes lhe exigira a entrega dos assassinos de Peter... dava a impressão de que sobre as suas costas incidia um peso invisível. E a sua voz... A voz inconfundível de Bragg não tinha já aquele tom autoritário e despótico que a caracterizava. Dizia:

— Temos de reconhecer que não passamos de uns loucos, e eu próprio em primeiro lugar... dei-me ao trabalho de reconsiderar durante este intervalo e cheguei à conclusão de que cometemos há pouco uma tremenda loucura. É necessário que esses homens continuem em liberdade, assim como se torna indispensável pagar o imposto que muito justamente nos é exigido.

Fez-se um silêncio geral, o que levou todos os presentes a olharem uns para os outros verdadeiramente perplexos. Perplexidade de que compartilhava o xerife, que afoitando-se a sair de casa, se foi reunir ao grupo.

— Mas ouve, amigo George, tu sabes bem o que acabas de nos dizer? — perguntou o velho Mike, a seu lado. — Será possível que te ponhas ao lado deles?

— Não estou a colocar-me ao lado de ninguém — respondeu Bragg, solenemente — o que importa aqui, é o respeito pela lei que eu tenho a firme certeza que eles aqui representam.

E como se este esclarecimento significasse um tremendo esforço para ele, Bragg levou as mãos à cabeça, deixando-as deslizar para junto do queixo. Sterling, o capataz do rancheiro que se encontrava junto dele, perguntou:

— Está a sentir-se mal, senhor Bragg?

Trocaram entre si algumas palavras prontamente abafadas pela voz do xerife que julgou azada a oportunidade para intervir no conflito.

— Ora até que enfim que há um homem que entra na razão, e como esse homem se chama George Bragg, tão querido e respeitado por todos, já podeis retirar-vos e renunciar aos vossos propósitos revolucionários.

A indecisão era manifesta em toda a multidão. Notava-se claramente que a sua hesitação ia ser breve: não obedecer à influência que sobre eles tinha o rancheiro, atacando em massa a residência do xerife, ou retiraram-se calmamente como dóceis cordeirinhos.

— Não vedes que o senhor Bragg se encontra doente e é por isso que nos pede que não façamos aquilo a que chama agora estupidez? Vamos pela primeira decisão e toca a enforcar esses canalhas!

O homem que acabara de falar e se propunha acirrar os ânimos incitando-os à violência era Mike, o velho e franzino rancheiro, amigo provado de Bragg, mas que suspeitando que alguma coisa de anormal se passava com o seu vizinho, decidira arvorar-se em cabecilha do povo.

Mas o olhar iracundo que Bragg lhe dirigiu não era por modo algum revelador de fraqueza. Conservava, pelo contrário, toda a sua energia e o génio agressivo que lhe eram peculiares.

— Mesquinho traidor — vociferou o rancheiro, ao mesmo tempo que empurrava Mike brutalmente, fazendo-o recuar alguns passos quase desamparado, até ficar encostado à muralha dos circunstantes que os rodeava.

Mal acabou de o empurrar, correu para a porta do xerifado afastando e derrubando quantos lhe barravam a passagem e encostou-se à porta, intimidando com os seus dois «Colts» os que pretendiam aproximar-se

— Parece que já sabeis qual é a minha opinião! Se algum de vós não estiver de acordo com ela, que se aproxime.

E como imediatamente se juntaram ao velho, tanto Brown como Sterling, muitos dos cidadãos presentes começaram a pensar que seria na realidade uma tremenda estupidez, transformar aquele incidente numa data lutuosa, matando-se uns aos outros, visto que, se muitos deles eram contrários às ideias de Bragg, outros havia que concordavam com elas.

O enorme aglomerado de povo foi-se disseminando lentamente até que, alguns minutos mais tarde, somente Mike persistia em manter-se no meio da rua, em frente da casa do xerife. Este e o capataz de Bragg entreolharam-se, pensando mutuamente como lhes era desagradável verificar o ódio que chamejava nos olhos dos dois atuais inimigos, ofensor e ofendido.

— Caíste, George... Tu próprio te atiraste abaixo do pedestal em que a admiração e a amizade do povo te haviam colocado. Daqui por diante não voltará mais a ser respeitado sua excelência o senhor Bragg, governador honorário de toda esta comarca... No fim de tudo, acabas de causar-me dó.

Dito isto muito vagarosamente, o rancheiro da fraca figura escarrou desdenhosamente para o lado e, voltando-lhe as costas, afastou-se com a maior lentidão.

Bragg foi-se então abaixo, mas apenas moralmente porque as suas mãos penderam frouxamente ao longo do corpo, ao mesmo que a sua cabeça perdia aquela arrogância com que, momentos antes, a mantinha ainda soberbamente erguida.

Sterling segurou-o nos braços com receio de que ele caísse no solo, ajudando-o a caminhar, para o seu cavalo e auxiliando-o também a montar. Vários homens que assistiam à cena meneavam a cabeça desgostosos, comentando um deles a meia voz:

— Que diabo terá acontecido ao velho? Está bem de ver que não quero referir-me à sua mudança de pensamento, mas sim ao seu estado físico; tem-se a impressão de que envelheceu dez anos...

O xerife, logo que viu afastarem-se os dois homens que tão providencialmente tinham acorrido a fim de evitar que o linchamento se consumasse, entrou novamente em casa, ficando grandemente surpreendido com a transformação que se operara na atitude do cobrador de impostos: já não era o homem vencido pelo terror que tinha na sua frente, mas o indivíduo frio e dissimulado da véspera. Esperava-o com o mesmo sorriso repulsivo, sentado numa cadeira e com os pés apoiados sobre a secretária.

Brown desfez com um empurrão a cómoda atitude em que Murphy se encontrava e que, por pouco, não o fez tombar do assento.

— Quando o senhor estiver em sua casa, adote a posição que mais lhe agradar; aqui, não lho consinto! -- disse ele sem se preocupar com a cólera que se estampou nos olhos do outro.

— Não, Reynolds; arrecada lá o instrumento — disse o jovem dirigindo-se ao seu ajudante que, ao observar a descortesia feita ao seu chefe, levou a mão à coronha do «Colt». — Não é conveniente arranjar outro sarilho... A si, Brown, digo-lhe que não achei graça nenhuma ao seu procedimento. Tomá-lo-ei na devida consideração.

— Vá para o diabo mais as suas ameaças! Concedo-lhes dez minutos para que abandonem Green City.

Um sorriso histérico e enervante brotou do peito encovado do cobrador, alterando-lhe a fisionomia.

— Agora é que ela vai boa! Então, despois de termos conseguido a proteção de um homem tão importante como o senhor Bragg, é que o senhor nos intima a retirarmo-nos? O senhor está certamente louco, xerife! Confesso que o não compreendo; diante de toda aquela gente, defende-nos e a sós connosco, censura-nos... O senhor é muito inconstante, xerife!

Brown recuou um passo, como para dominar melhor os quatro homens.

— Pois vou tirá-lo de dúvidas, senhor Murphy. Não é Carl Brown, cidadão de Green City, quem os defende, mas tão-somente o xerife que conhece as suas obrigações e se recorda do juramento que fez quando lhe colocaram ao peito esta placa tão pequena e, ao mesmo tempo, tão pesada... Por que eu, entenda-me bem, se não fosse aqui o representante da autoridade e fosse apenas um homem como os outros, talvez não me tivesse deixado convencer pelo senhor Bragg...

O cabecilha dos forasteiros ouviu atentamente tudo quanto Brown acabava de expor, sacudindo com as pontas dos dedos algumas imaginárias manchas de pó da lua jaqueta, após o que disse com a maior calma:

— Ora assim é que está bem, xerife. Não me agrada nada a gente hipócrita e sempre é bom saber a simpatia ou a antipatia que inspiramos aos nossos semelhantes. Agora vou dizer-lhe qual é a nossa disposição: ficaremos o permaneceremos nesta localidade, por mais que isso lhe custe, até ao momento de acabar de cobrar o último centavo dos impostos e sentir-nos-emos muito felizes que não lhe virarmos as costas.

O cidadão de Green City contemplou, uma por uma, as caras dos quatro comparsas, verificando que em todas elas se notava um ar de ironia e de desprezo. Dirigiu-se para a porta, dizendo agora em voz alta, o que se limitara a pensar pouco antes:

— Tomem muito cuidado! Nada me surpreenderá que a vossa carga seja de balas e não do ouro dos nossos rancheiros!...

Aborrecido consigo mesmo pela ingrata tarefa que a sua profissão o obrigara a realizar, Brown encaminhou-se para o «Saloon», em cujo, balcão todos se atarefaram em arranjar-lhe um lugar, ao mesmo tempo que todos os restantes o observavam com a maior atenção e ele engolia de um trago a dupla dose de uísque que mandara servir. E, como se uma sede febril o consumisse, mandou repetir a dose.

— Parece que deseja fazer desaparecer o amargo sabor da purga de há bocado — disse uma voz junto dele.

O xerife olhou para o homem com os olhos já meio turvos.

— Não passais de umas galinhas chocas... Talvez algum dia venham a arrepender-se de não terem enforcado aqueles assassinos... mesmo que tivessem de me liquidar a mim primeiro.

Aquela insólita declaração gerou um movimento de surpresa em todos os que o rodeavam. Iam certamente ser-lhe dirigidas muitas perguntas de esclarecimento, mas, um leve puxão que alguém deu no braço do xerife, obrigou este a dirigir os olhos para Mike que, com o ar mais sério deste mundo, lhe fazia sinal para o seguir:

— Brown, queres prestar-me atenção por um momento?

O xerife abandonou o copo vazio sobre o balcão, um tanto contrariado, e acompanhou o velho Mike até junto de uma mesa retirada junto à qual se sentaram, tendo previamente pedido mais uma dose de uísque.

— Meu velho, hoje é um autêntico dia de surpresas: primeiro Bragg, agora tu. Ambos vocês mudaram de ideias em curto espaço de tempo; ele optou por defender os homens; tu persistes em acusá-los. Receio que me encontre demasiado velho para compreender os homens. ~

Brown não falou precipitadamente. Entreteve-se a ver Mike escorropichar o copo com as sobrancelhas encrespadas.

— Trata-se de um assunto pouco agradável, tio Mike. Por um lado, vejo-me obrigado a defender uns homens que se me apresentaram como enviado do Governo em cumprimento de uma missão oficial. Por outro... que diabo!, era necessário que você tivesse vivido algumas horas com eles para se aperceber desde o primeiro momento que não passam de uns cobardes, de uns traidores e de uns assassinos. Aquilo que fizeram ao pobre Peter não foi mais do que uma canalhice... E que lhe parece a você o comportamento de Bragg?

A mão do velho crispou-se contra o copo que segurava na mão. — Por favor, Brown, não me fales no senhor Bragg. O meu desejo seria esquecê-lo e ignorá-lo para sempre.

 

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