sábado, 14 de agosto de 2021

RB007.09 O rapto da pequena Nora

Olharam-se novamente. Por fim, Jessie, como mulher prática que era, perguntou:

— Quanto ganho se lhe der a informação, forasteiro?

O cavaleiro meteu a mão num dos bolsos da jaqueta de cabedal e tirou um maço de notas que fizeram pestanejar Jessie.

— Cem dólares, preciosa.

— É muito pouco: Ninguém se expõe a levar um tiro por cem dólares. Ouve, encanto, a minha avó sempre me disse que tivesse a boca bem fechada para certa classe de assuntos.

—A tua avó era muito inteligente, não era?

— Sim, bastante.

Estava de pé, em frente dele, olhando-o diretamente nos olhos, quando o cavaleiro se moveu em direção à mesa onde estava a garrafa do whisky. Estendia a mão para a agarrar, quando Jessie deu meia-volta e correu até à porta.

Não chegou lá. O forasteiro alcançou-a com dois passos, agarrando-a por um braço. Jessie voltou-se como uma fera, levantando a mão direita. Porém, não lhe chegou a bater, unia vez que ele se antecipou, atirando-a para cima do sofá, que rangeu, quando aquele corpo de sereia se desmoronou sobre ele.

O homem permaneceu parado no meio do quarto com um sorriso cínico e cruel.

—Onde está, Jessie?

— Maldito sejas, forasteiro! — disse entre soluços de dor e de raiva. — No rancho. A uma milha e meia daqui sempre para o sul. Não há enganos.

— Obrigado, querida. E agora a última pergunta: quem vive com ele?

— A sua filha. Uma menina de nove anos. Porquê?

O cavaleiro não respondeu. Retrocedeu de costas para a porta. Quando chegou a ela tirou do bolso duzentas dólares e atirou-os para o chão. Sorriu e disse:

—Cem pela informação, querida. Os outros cem, podem ser por te ter batido. Agora um conselho. Segue os conselhos da tua avó e não fales da minha visita. E outro: procura não ter mentido. Se assim for, voltarei, encanto. E poderias passar mal.

Ela cuspiu para o solo em ar de desprezo, mas o homem não se interessou. Saiu sem dizer mais nada. No saloon, ante o olhar do barman, que estava a pensar nos inegáveis encantos de Jessie e no bom bocado que o forasteiro teria passado, serviu-lhe novamente um whisky no mais completo silêncio. Bebeu-o de um trago e saiu. Pouco depois cavalgava para o sul, sob as brilhantes estrelas...

Jess Dreyer não tinha mudado muito naqueles anos, quase dez desde que tudo acontecera. Continuava forte e ágil. A única diferença, percetível, era que o seu cabelo negro tinha adquirido tonalidades prateadas.

Vestia atendendo à sua condição actual. Um dos mais ricos rancheiros de Chino Valley. Da sua cintura estreita pendiam dois colts calibre 45 cujos cabos estavam cheios de traços, testemunhas silenciosas e sinistras da sua existência até então.

Acabou de comer, e depois de acender um charuto dirigiu-se para o alpendre. Permaneceu silencioso, sentado numa cómoda cadeira, durante muito tempo, talvez duas horas ou mais.

Pensando.

Pensava na rapariga de nove anos, que já havia algum tempo que dormia num dos quartos do andar superior. Pensava nela, na mãe da pequena Nora, e em tudo o que se tinha passado. Não era aquela a primeira vez que o fazia. Podia-se dizer que Dreyer pensava nisso de há uns anos para cá com uma insistência verdadeiramente constante. Pode-se dizer que durante aqueles anos tinha esperado qualquer coisa. Não sabia o quê, mas tinha aquela certeza, talvez desde o dia em que tudo acontecera.

Os seus nervos tinham correspondido fielmente ao esforço a que se submetera durante aquele longo período.

Por outro lado, há muito tempo que tinha acabado com a vida que levara, cheia de perigos e canalhices, para se aposentar naquele rancho, comprado com dólares procedentes da exploração e do crime.

No entanto, Dreyer não tinha deixado de praticar um só dia com os colts, não querendo perder a velocidade no saque, velocidade que o tinha convertido num temível pistoleiro.

Sacudiu a cabeça como para afastar aqueles pensa-mentos desagradáveis, pôs-se de pé e abandonou o alpendre para entrar no rancho. Subiu ao andar de cima e durante alguns minutos colou o ouvido à porta do quarto da pequena Nora.

Depois dirigiu-se para o seu, situado duas portas mais à frente. Entrou fechando a porta nas suas costas e, tateou os móveis na mais completa escuridão, aproximou-se da mesinha sobre a qual estava o pequeno candeeiro de petróleo. Acendeu-a.

— Boas-noites, Dreyer.

Voltou-se, rápido como um raio, levando as mãos aos cabos dos colts. Mas não chegou a sacar. Na sua frente, apontando-lhe um colt solitário do calibre mais alto, estava um desconhecido. Um jovem, forte como um touro e ágil como um jaguar. Vestia umas roupas de vaqueiro empoeiradas, e por cima da camisa uma curta jaqueta de cabedal. Tal como um cow-boy. Mas não era. Segundo a ideia de Dreyer, aquele homem que o olhava com um sorriso cínico nos lábios, era um pistoleiro.

—Quem é o senhor?

— Ficaria surpreendido se soubesse, Dreyer — replicou o desconhecido. — Mas suponho que, ainda mais do que isso, lhe interessará saber para que vim, não?

— Sim, pode ser que sim. Bem, quem é o senhor e que quer de mim?

O desconhecido riu tenuemente, e Dreyer pensou que nunca tinha ouvido um riso tão desagradável.  

— Lorigan disse-me onde o poderia encontrar, Dreyer.

Pela primeira vez o rosto do antigo pistoleiro perdeu a calma que conservara.

—Que Lori?...

—Exatamente. Disse-mo minutos antes de ir desta para melhor atalhou o forasteiro.

Quer dizer que?...

—Exatamente aquilo que pensa, Dreyer. Eu matei-o. Também fiz o mesmo a Joss Tracy e Dick Murphy. Esses desgraçados estavam cansados de viver.

—Agora pensa matar-me a mim, não é verdade?

O sorriso cínico converteu-se em frio e mortal.

—Sim, Dreyer, vou matá-lo. Não me pergunta porquê?

Dreyer vacilou por momentos e depois perguntou.

— Suponho que é por causa da rapariga, não é verdade?

— Isso é só uma parte. Vamos supor que é mais pela mãe do que por ela. Lembra-se dela, bastardo imundo?

Sim, Dreyer lembrava-se tal como se tivesse sido na noite anterior. Detalhadamente. O ataque àquele rancho onde não tinha ficado ninguém com vida senão aquela rapariga com apenas dezassete anos.

Depois, acamparam em plena montanha com ela.

Depois, quando a abandonaram, e muito depois, quando soube que ela tinha uns milhares de dólares escondidos e que era mãe; o rapto da criança, o resgate que ela pagou pela sua filha, para nunca lhe ter sido devolvida. A pequena Nora.

Mas Dreyer não disse nada do que pensava. Evadiu-se à pergunta do desconhecido e replicou com outra.

— Vem para a levar?

—Sim. Esta mesma noite.

Dreyer riu-se.

— Pensa que o seguirá de boa vontade? Ela pensa que sou seu pai. O que poderia muito bem ser, não?

— Mas mesmo assim, vou levá-la. A sua mãe nunca perdeu as esperanças de que um dia lha devolvessem. Nunca perdeu as esperanças de a encontrar.

—E, pelo que parece conseguiu, não?

— Sim, Dreyer. Conseguiu, por meu intermédio.

— Nunca o seguirá de boa vontade.

— Eu sei. Mas também sei que com o tempo a convencerei. Ela já deve ter perguntado pela mãe mais do que uma vez, não é verdade?

—Sim. Pensa que morreu.

O desconhecido riu-se com frieza.

— Que pensa que dirá quando souber que a sua mãe é viva, que é muito bela e que deseja vê-la?

Dreyer maldisse em voz baixa, pois não tinha pensado nisso. Quando acabou, disse:

— Quem é você, intrometido? Quanto lhe pagou essa mulher para me procurar? Pagar-lhe-ei bem se disser que não me encontrou. Se me perdoar a vida.

—Tracy, Murphy e Lorigan disseram o mesmo, e matei-os. Quanto a quem eu sou, dir-lhe-ei que agora sou o marido dessa mulher, Dreyer. E chamo-me Jack Durgan. Compreende?

Dreyer retrocedeu um passo tal como se tivesse levado uma pancada na base da nuca. O filho de Ted Durgan!

— Não... não pode ser.

Mas o sorriso frio e seco de Durgan acabou com as suas dúvidas e com as suas esperanças de o deixar viver por intermédio de suborno.

— Sim, Dreyer. Sou o filho de Durgan. O filho do outro homem que cometeu essa canalhice. Por isso vim, para levar essa pequena e para o matar. Em parte, pelo que fiz a Sadie Farrow e em parte por ela ter pensado que era o meu pai que tinha a criança. Que fora ele que a tinha enganado com promessas que nunca cumprira. Tanto assim, que me acusou, quando ele morreu, de cumplicidade num rapto. Graças aos juízes, que tiveram em conta que naquela altura tinha apenas vinte anos, não fui parar a uma árvore com uma gravata de corda ao pescoço. Venho da prisão da capital, onde passei cinco anos, por minha culpa, pois procurava limpai tini pouco o nome de meu pai. Compreende? E agora, onde está a rapariga?

Dreyer vacilou, mas durante pouco tempo.

—No quarto ao lado—respondeu com voz sumida.

— Vamos.

Pôs-se de pé, apontando para a porta com a mão esquerda, enquanto com a direita continuava a apontar--lhe o colt. Dreyer não respondeu. Limitou-se a sair à sua frente para o corredor. Sabia que não tinha qualquer possibilidade contra aquele colt que lhe estava apontado, mas tinha que fazer qualquer coisa. Ninguém gosta de morrer como um cão.

Dreyer tentou, quando estava em frente da porta do quarto onde dormia a pequena Nora. Girou repentinamente levando as mãos aos coldres. Durgan percebeu, mas não disparou. Limitou-se a deixar-se cair de lado. Depois, quando Dreyer apontou os dois colts premindo o gatilho, disparou do chão uma única vez.

Com um buraco no meio da testa, Dreyer caiu como um fardo sem lançar um único gemido. Rápido como um raio e sem esperar de o ver cair completamente, Durgan precipitou-se para a porta, que abriu com um brutal empurrão.

Na semiobscuridade que reinava no interior do dormitório, pareceu-lhe distinguir uma frágil silhueta, que lançou um grito de espanto. Tapou-lhe rapidamente a boca, enquanto a pequena se debatia nos seus braços com ímpeto redobrado.

Durgan, sentindo uma dor no coração, bateu-lhe secamente na mandíbula. A pequena Nora relaxou-se nos seus braços, e então carregou-a ao ombro. Saiu dali levando o colt pronto a disparar.

Uma vez fora do rancho, correu para as árvores. O sítio onde tinha deixado o cavalo. Montou, e levando a pequena agarrada num dos braços, dirigiu o cavalo com os joelhos, enquanto empunhava o colt com a mão direita.

Passava em frente do alpendre, quando começaram a sair vaqueiros dos barracões. Acelerou a marcha; minutos depois os cascos do cavalo ressoavam no meio da noite. Quando a perseguição começou, já não se ouvia o mais leve rumor.

 

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