sábado, 7 de agosto de 2021

RB007.02 Jantar íntimo e a ameaça de uma arma

Meia hora mais tarde, subia pela estrada serpenteada e estreita, cheia de pedras soltas.

À medida que escurecia, a estrada começava a ser bordeada por uma linha, que, pouco depois, se converteu num precipício, cuja profundidade deixou de ver uma hora mais tarde, quando estava quase no cimo do penhasco.

Cavalgou mais de vinte minutos por entre grandes rochas de granito e basalto, até que, pouco depois, quase no cimo, e quando rodeava uma rocha que quase lhe cortava o passo, explorou o solo.

Lá em baixo, iluminado pelos ténues raios lunares, mais longe, quase a confundir-se com a linha do horizonte, Durgan avistou a massa sombria de um rancho, mas não conseguiu ver um só cavaleiro. Porém, ele tinha a certeza de que o ataque que lhe dirigiram partira dali. Porquê?

Incapaz de responder a esta pergunta, Durgan retrocedeu pelo mesmo caminho, procurando que o cavalo não resvalasse o que seria fatal para ambos. E talvez para Sadie Farrow, pois se lhe acontecesse qualquer coisa, ela jamais saberia aquilo que queria saber.

De novo entre as árvores, Durgan deitou uma vista de olhos ao rio e empreendeu o galope em direção ao rancho.

Antes de chegar à vivenda, viu-a.

Sadie Farrow banhada pela luz da lua, estava à sua espera encostada a uma viga do alpendre. Durgan deteve um pouco a marcha veloz do animal e parou junto às escadas de entrada. Deixou o cavalo solto e dirigiu-se a ela.

Olharam-se em silêncio durante uns segundos e, por fim, Sadie perguntou:

— Onde esteve todo este tempo, mister Durgan? Não lhe parece que tardou um pouco em regressar da sua inspeção?

Durgan percebeu uma ironia subtil nas suas palavras e não respondeu. Calmamente tirou um cigarro e acendeu. Ela, em face do seu silêncio, tomou novamente a palavra:

—De acordo, se não quer responder, mister Durgan — disse. — Mas apesar da sua falta de cortesia para comigo, estive à sua espera para jantar. Quer entrar?

Uma promessa? Durgan não sabia, nem queria pensar nisso. Respondeu ironicamente:

— Demónios, miss Farrow! Devo sentir-me embevecido por tão gentil convite? Ou devo beijá-la logo que esteja sozinha comigo?

O rosto de Sadie expressou uma fúria incontida em contraste como tom normal da sua voz, quando respondeu.

—Quer entrar?

—Por que não?

Entraram. Durgan foi atrás dela até ao refeitório. Efetivamente, tudo estava preparado para uma refeição íntima entre os dois.

Tanto assim, que ela mesma o serviu. Pelo que parecia, não estava nenhum dos criados do rancho. Porquê? Durgan, apesar de lhe formular a pergunta, pensava saber. Sadie queria saber a verdade.

Olhando-a, sem afastar os olhos do decote quase em linha recta com os seus olhos, começou a comer em silêncio, enquanto ela fazia o mesmo, mas sem o olhar.

E parecia estranho. Era estranho vê-los ali, comendo juntos, na mais completa intimidade, como dois bons amigos ou como qualquer coisa mais, sabendo como se sabia em Fowler que as relações, tanto íntimas como comerciais entre a ruiva exuberante e formosa rancheira e o engenheiro, eram extremamente tensas.

O silêncio entre os dois durou algum tempo. Por fim, e quando o jantar estava quase no fim, Sadie levantou os olhos do prato e olhou diretamente para ele.

—Não se pode dizer que está muito falador, mister Durgan — disse.

Nesse instante os olhares chocaram-se como punhais.

—Pensa que há alguma coisa para dizer? — sorriu quase com alegria. E acrescentou: — Creio que entre nós está tudo dito, não?

Ela podia ter respondido que havia mais qualquer coisa, qualquer coisa de muito doloroso, mas calou o que pensava a esse respeito e formulou outra pergunta:

— Ainda não me disse o que lhe aconteceu para vir tão tarde. Algum contratempo?

Durgan levantou os olhos do prato e olhou em frente, largou o talher e replicou:

— Quem, ou melhor, a quem pertence o rancho que há do outro lado dos penhascos, junto ao rio?

O rosto de Sadie ficou sombrio durante uns instantes.

— Pertence a Al Holland. Porquê?

—Tentaram matar-me e suspeito que a agressão partiu de lá. Que sabe a respeito de Holland?

—Quer estas terras e quer-me a mim juntamente.

—Para esposa?

Olharam-se os dois de frente, e, finalmente, Sadie afastou os olhos reluzentes e cheios de fogo.

— Esse porco não é capaz de se casar com ninguém. Você diz que sofreu uma agressão?

Durgan contou tudo o que se passara, dizendo por fim:

—E não era um aviso. Tenho a certeza de que falharam os tiros por causa da pouca luz — calou-se por momentos e acrescentou pensativo: —Terei que lhe fazer uma visita.

Quando o ouviu, Sadie teve um estremecimento, depois enfrentou-o com o seu orgulho indomável:

— O senhor não fará mais nada, senão esse dique! Não se esqueça que sou eu que lhe pago o ordenado. Portanto, até que termine o contrato que assinámos de mútuo acordo, nada lhe dá direito a abandonar o seu serviço para atender as razões pessoais.

Durgan olhou-a friamente por cima da mesa. Depois pôs-se de pé e ela imitou-o. Ficaram frente a frente, olhando-se, e agora foi ele o primeiro a afastar o olhar do rosto da bela rapariga.

— Não estará a interessar-se demasiado pela minha pessoa? —perguntou, sem a olhar. —Com certeza não gostava que me acontecesse alguma coisa, não é verdade? Ficaria sem saber isso que lhe interessa, não?

Qualquer coisa semelhante a um gemido brotou da garganta de Sadie, mas foi tão fraco que apenas ele o ouviu.

—O senhor é um rufião—disse em seguida.

Durgan não respondeu logo.

—Sim, pode ser que tenha razão, Sadie —replicou. —Mas você é pior. Por que me trouxe aqui? Por causa do dique? Não acredito, Sadie! Não me julgue tão imbecil. Trouxe-me única e simplesmente, porque me queria ver perto. Porque não quer perder-me de vista, uma vez que eu tenho, ou sei o paradeiro daquilo que procura. Se assim não fosse, como se explica esse interesse por um engenheiro que apenas terminou o seu curso, quando na capital há muitos, mais competentes que eu?

O semblante de Sadie estava pálido. Durgan não sabia se de fúria se de desprezo ou porque qualquer coisa muito, dolorosa surgia do mais fundo do seu ser. Mas sorria, ainda que no seu sorriso e nos olhos houvesse uma frieza estranha.

—Não sei de que está a falar, mister Durgan — disse.

— Pode ser que não saiba. Pode ser que eu seja uni rufião como disse antes, Sadie. Mas um rufião com o qual você não vacilaria em se casar se eu lho pedisse—hesitou levemente e continuou: — Pode ser que o faça algum dia. Mas nem mesmo assim saberá de nada. Nem que chegasse a ser minha esposa com todas as consequências, Sadie. Porque eu gosto de si. É diabolicamente bela—os olhos dela relampearam com força inusitada. — Mas nem mesmo assim lhe direi nada. Não o farei, até que a veja de joelhos a meus pés.

—O senhor só pensa em me humilhar, Jack —replicou em voz cava.

— Não mais do que me tem humilhado a mim, Sadie, desde que aceitei este trabalho. Fi-lo pela razão que já sabe. Porque é terrivelmente bela e pelo resto. E, como disse, quero dobrar esse maldito orgulho, que não é mais que uma capa com a qual tenta encobrir o seu medo a tudo e todos. O seu medo à vida, o seu terror aos homens como...

—Cale-se! Cale-se de uma vez! — toda ela vibrou, enquanto avançava para ele com as mãos crispadas. — Canalha! Porco, porco! As mãos moveram-se rapidamente e as duas bofetadas estalaram em silêncio do refeitório como dois disparos.

Depois ficou na frente dele, com o peito a tremer e a respiração agitada. Durgan não se moveu e os dedos de Sadie ficaram nas suas faces. Porém, quando ela tentava recuperar a fala, ele avançou agarrando-a pelos ombros.

— Terrivelmente bela, Sadie. Tão bela como orgulhosa, e tem tanto de orgulhosa como de mau génio.

Beijou-a longamente sem que Sadie fizesse o mínimo gesto para o impedir. Depois empurrou-a para a afastar de si e perguntou num tom de voz diferente:

— Quando começarão as obras, Sadie?

— Amanhã mesmo — respondeu ela, com esforço, enquanto os seus olhos chispavam. — Esta madrugada espero que cheguem os carros com parte do material necessário. Quanto aos homens que tem de empregar, Jack, é única e exclusivamente uma coisa que só lhe diz respeito a si—olhou-o longamente, enquanto as sobrancelhas se arqueavam pouco a pouco, e depois acrescentou: — Ah! Outra coisa. Não quero escândalos em Fowler, durante as obras. Dirá aos seus homens, que a condição imprescindível para trabalhar no dique, é, que enquanto durarem os trabalhos no mesmo, ninguém poderá entrar num saloon. Compreendeu?

Durgan olhou-a com um ténue sorriso nos lábios.

— Isso também me diz respeito, Sadie?

—A si, mais do que a ninguém.

—Tem ciúmes de Mona Davison? Pois não devia ter.

— Não seja imbecil, Jack! Nem dela, nem de ninguém. muito menos de um rufião como você. Claro que isto de não poder entrar num saloon, e principalmente, no dela, é um pouco duro, não?

—Porquê?

—Se é verdade o que se diz de Mona e do meu engenheiro.

Durgan sorriu.

— Que dizem, pode saber-se? Que tem relações bastante íntimas consigo, Jack.

—Tenta insinuar que Mona é minha amante, Sadie?

—O senhor é que sabe, a mim não me importa.

— Pois não parece, e é por isso que ainda não lhe pedi que se case comigo, menina.

Os olhos negros brilharam mais fortemente, quando o olhou de frente.

— Gostaria de se casar comigo, Jack? Amanhã mesmo?

Durgan olhou-a pensativo. Agora não compreendia o seu jogo. Não estava nas suas possibilidades. Mas disse o que pensava, apesar de todos os contras.

—Sim. Por que não?

Sadie suspirou, agitando o peito quase em frente dos seus olhos. A sua voz parecia um ténue sussurro, quando perguntou calmamente.

—Ê a mesma pergunta que faço a mim mesma: porquê, Jack?

— Porque eu era daqueles homens, Sadie.

Ela retrocedeu tremendo. Exatamente como se lhe tivessem batido no meio da cabeça com um pau. Pálida como um morto, sussurrou: 

— Não, não pode ser! É mentira! Está a mentir! Cana !...

Não continuou.

Precipitadamente levou a mão ao peito e tirou um pequeno «Derringer» de cano curto e cabo nacarado. Durgan saltou na sua direção no momento preciso. Bateu-lhe na mão armada e o «Derringer» caiu.

 

 

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