terça-feira, 10 de agosto de 2021

RB007.05 Inspeção aos trabalhos que termina com importante visita

Avistando o rancho, Durgan decidiu-se.

Ela era agora sua mulher. Segundo o que se tinha falado com todas as consequências. Claro que ele também seria obrigado a revelar-lhe o segredo, mas ela tinha ido muito depressa.

Tinha descoberto qual era o seu jogo em relação a ele, jogo que tinha acabado antes de começar, graças a que, tanto o juiz como o sheriff de Fowler, não tinham feito muito caso da sua denúncia.

Parte da culpa era dele. Por que tinha pronunciado aquelas palavras antes de a beijar na noite anterior? Sem conseguir responder satisfatoriamente àquela pergunta, Durgan desmontou junto à entrada, levou o cavalo para o curral e depois, muito lentamente, foi-se aproximando da entrada principal do rancho.

Sadie não estava à sua espera, coisa que já sabia de antemão, e que não o apanhou de surpresa. Entrou. O vestíbulo estava iluminado por duas lâmpadas de petróleo, mas Sadie não estava. Procurou com o olhar a porta que dava para o refeitório e encaminhou-se para lá. Antes de chegar saiu-lhe ao caminho uma das criadas. Abriu os olhos ao vê-lo e perguntou:

— Que deseja, mister Durgan?

Pelo visto, Sadie não tinha dito a ninguém no rancho que tinha casado naquele mesmo dia. Aquilo era próprio dela! Sorriu tenuemente encarando a criada, uma jovem e bela mexicana.

— Ver a minha mulher. Não pode ser?

A mexicana soltou um grito e Durgan sentiu novamente vontade de rir ao ver a cara de espanto feita pela criada.

— O quê...? A menina casou-se com?...

— Vamos, Lupe. Onde está? Ela não te disse nada?

Ela ia a responder, mas nessa altura reparou em Sadie cuja figura se recortava no umbral da porta do refeitório.

— Entra, Jack — disse friamente. — Estava à tua espera.

—Pelo visto vais passar a vida a fazê-lo, minha joia.

Avançou para ela, e Sadie afastou-se da porta para o deixar passar, enquanto olhava para a criada.

— Podes ir deitar-te Lupe. Eu mesma atenderei o senhor Durgan.

Lupe assentiu com um gesto de cabeça e desapareceu. No refeitório, Durgan viu que Sadie tinha guardado a sua comida. Estava fria, tinha-o feito. Sentou-se e olhou-a.

— Podes comer, Jack —disse ela. — Eu já o tinha dito. Depois falaremos. Encontrar-me-ás no escritório.

Durgan não respondeu. Mas olhou-a pensando que aquela mulher sem par e orgulhosa era a sua. Pensando em tudo o que se tinha passado entre os dois, sem que houvesse remédio. Comeu rapidamente, acendeu um cigarro e com ele entre os dedos procurou o escritório. Entrou sem bater. Sadie estava sentada num cadeirão reclinada comodamente para trás e de perna trocada.

— Queres-te sentar?

Fê-lo sem deixar de a olhar. Durante um bom bocado continuaram em silêncio, e por fim, Sadie, sem poder aguentar mais, perguntou:

— Não queres saber o que tenho para te dizer, Jack?

—Não. É qualquer coisa que não me interessa—pós-se de pé e dirigiu-se para ela. —És minha mulher. Isso é o que me interessa. O resto...

Encolheu os ombros como dando a entender que não lhe importava, nem pouco, nem muito. Os olhos dela sombrearam-se, quando Durgan deu outro passo e a agarrou pelos ombros. Mas não se mexeu, quando foi beijada. Apenas ao afastar-se disse em voz rouca:

— Sabia que eras um bandido, mas fui perto no meu juízo — pôs-se de pé por sua vez com os olhos chamejantes. — Não tornes a fazer isso porco! Não permitirei que me ponhas as mãos em cima mesmo sendo tua esposa. Agora, já fizeste parte do que te pertencia, como disse o sheriff e muito bem. Mas nada mais. E outra coisa, Jack Durgan, porco: vou acabar contigo. Não descansarei até ver-te de mãos postas a caminho da cidade, assassino.

—Esperas averiguar com isso aquilo que te interessa, Sadie? Nunca te direi.

O seu rosto mudou como por encanto. Empalideceu tal como uma morta. Depois aproximou-se dele. Deteve-se.

— Jack — sussurrou calmamente, em violento contraste com a sua atitude com as suas palavras anteriores. —Jack, por favor. Que é feito dela? Onde está? Tu sabes. Sempre o soubeste. Tu levaste-a. Fala, Jack!

Durgan estendeu as mãos e agarrou-a pela cintura.

— És terrivelmente bela, mas muito estúpida, Sadie — replicou. — Guarda o teu orgulho, deixa de causar dano, e então saberás aquilo que desejas saber.

Sadie tentou afastar-se, mas ele não a deixou. Em face disso, e sabendo por experiência que, se tentasse pela força, perdia, respondeu olhando-o nos olhos.

—Devo acreditar que não mo dirás, Jack? Que não vais cumprir a tua palavra?

— Foste tu que acabaste com essa possibilidade quando me denunciaste ao sheriff de Fowler. Casando-te comigo calarias as más-línguas se alguém chegasse a saber o teu passado. Denunciando-me como bandido ou assassino, nunca o conseguirias. Confesso que nisso andaste depressa de mais. Mas, no resto, no principal, comportaste-te tal como és: uma estúpida chapada. Quando eu falei e te contei tudo ontem à noite, enquanto te acarinhava, pus nas tuas mãos qualquer coisa a que não soubeste dar o devido valor, Sadie. Essa foi a tua maior asneira.

Ela abriu muito os olhos, olhando-o sem compreender, esquecendo agora, aguçada na sua curiosidade, o tema principal da conversa. Esqueceu também que o tinha contratado para o ter nas suas mãos. Tinha-o conseguido, segundo concluíra várias vezes naquela tarde em que ele esteve ausente, para esquecê-lo agora num segundo, em virtude das palavras dele.

— Que queres dizer, Jack? — perguntou.

Durgan riu, sem a largar.

— No dia em que perceberes o que significam as minhas palavras, Sadie, nesse dia serás uma verdadeira mulher. Nesse dia saberás tudo. Não antes, digas ou faças o que fizeres. Atraiu-a contra o seu peito.

—Disse-te que não o fizesses, cão!

Cuspiu-lhe no rosto e acto contínuo, antes que Durgan pudesse prever o que ia acontecer, ela deitou-lhe as mãos à cara, levando nas unhas bocados de pele e de carne.

Durgan soltou-a. Avançou para ela agarrando-a pelos ombros. Segundos depois beijava-a.

—Tu assim o quiseste — disse, para a beijar de novo.

Foi muito depois, que teve a impressão desalentadora de se ter portado como ela disse, como um rufião. Olhou-a. Os olhos de Sadie, fixos na parede, denunciavam estupefação. Sem limites.

Com a mão que tremia um pouco, Durgan fez um cigarro e acendeu-o. Depois, sem pronunciar palavra, sentou-se olhando por sua vez para a parede oposta. Ambos permaneceram em silêncio durante muito tempo. Horas seguidas. Nenhum deles o soube, até que, repentinamente, Durgan teve a impressão de que ela se punha de pé, de que estava a olhá-lo.

Desviou os olhos para a olhar por sua vez. E encontrou-se com as insondáveis pupilas de Sadie fixas no seu rosto, sem qualquer rancor. Não compreendia muito bem, mas era assim. Foi ela que por fim rompeu o silêncio com um leve sussurro.

— É tarde, Jack... vamo-nos deitar.

A sua voz era cálida e suave, sussurrante. E Durgan não soube adivinhar que, na sua suavidade, estava um verdadeiro perigo.

Pôs-se de pé e seguiu-a.

No dia seguinte, Durgan levantou-se muito cedo. Sem a acordar, saiu do quarto, mandou servir o pequeno-almoço; selou o cavalo e lançou-se a galope para o Arkansas.

Havia um movimento, raro nas obras que estavam a começar, e, da sela, Durgan sorriu satisfeito. Se aquilo chegasse a converter-se em realidade, a sua carreira estaria praticamente terminada.

Pensou em Sadie.

Como quer que fosse, com interesse ou sem ele, tinha sido ela a dar-lhe aquela oportunidade. Durgan não era parvo e sabia desde o princípio que, na capital e, talvez em todo o Estado, lhe ia ser bastante difícil colocar-se. Por que não lhe pagava dizendo-lhe tudo o que sabia? Que motivo havia para o não fazer? Pensou que logo que a visse, ao meio-dia, lhe diria. Contar-lhe-ia toda a verdade.

E o seu orgulho desmedido? Que importava isso agora? Durgan perguntou a si mesmo a que se deveria aquele desejo súbito de se reconciliar com a mulher que era agora sua esposa. A resposta que deu a si mesmo deixou-o perplexo durante alguns minutos.

Sem descer da sela, Durgan inspecionou os trabalhos, visivelmente nervoso no seu íntimo, para que ninguém das brigadas de operários pudesse dizer, ao vê-lo, que lhe tinha acontecido qualquer coisa fora do normal.

Depois da inspeção foi ao barracão que servia de oficina. Queria ver Jim Malcom, o seu ajudante, para lhe dar novas ordens e ao mesmo tempo para lhe perguntar como tinha corrido a noite.

Malcom estava ali, sentado no sítio reservado para ele, mas não estava só. Junto a ele, sentado num banco, estava um homem com aspeto de rancheiro rico. Alto, forte, de uns quarenta e cinco anos. Alguns cabelos brancos brilhavam-lhe nas fontes, tinha os olhos cinzentos e o olhar fixo e frio, e na sua cintura, num cinturão duplo, descansavam, dentro dos coldres, dois enormes e negros colts 45.

Durgan ficou à porta, completamente imóvel, olhando-o. Não gostou muito, nem pouco do seu aspeto. Que faria ali? A sua presença, assim como as roupas que usava, não o catalogavam entre os trabalhadores que tinha contratado para a construção do dique retentor.

Tratar-se-ia por acaso de Al Holland?

Sem saber porquê, Durgan respondeu a si mesmo que sim. Avançou uns passos e ao tilintar das suas esporas os dois homens voltaram-se para o olhar. Malcom, o seu ajudante, pôs-se de pé e aproximou-se. Pela sua parte, Holland, uma vez que era dele que se tratava, nem sequer se mexeu do banco. Limitou-se a observar o encontro dos dois homens e a dar atenção às suas palavras.

— Olá, Jack — disse Malcom em tom de cumprimento. — Há um bocado que te espero.

— Bem, aqui me tens. Que se passa?

Malcom lançou um olhar furtivo ao rancheiro e replicou com um gesto. Durgan afastou-se e avançou uns passos até ficar em frente de Al Holland.

— A quem tenho o gosto de?...

O rancheiro, sem se levantar, perguntou:

— Al Holland é o meu nome, mister Durgan. Para mim é um prazer conhecê-lo.

«Eu não diria isso pois mentiria, velhaco». Isto foi o que Durgan pensou em dizer, mas respondeu:

— O meu nome já o sabe, rancheiro. Agora só me resta dizer que para mim também é um prazer conhecê-lo — naquele momento pensou «faz de conta», e acrescentou: — A que se deve á sua visita?

A resposta do rancheiro foi quase uma pergunta.

—Suponho que já deve ter ouvido falar de mim, não?

— Bem... Não, creio que não. Porquê? Que quer dizer, mister Holland?

O rancheiro olhou-o. Como se o medisse. Como calculando quantas vítimas mais lhe iria custar, em dólares e não em vidas humanas, uma vez que estas últimas, para ele, não tinham importância nenhuma.

Por fim, e depois de um curto silêncio, olhou longamente para Malcom e em seguida cravou os olhos no rosto impassível de Durgan. Holland não disse nada, mas o seu olhar foi o suficiente para Durgan, que encarou imediatamente o seu homem de confiança.

— Ouve, Malcom — disse suavemente. — Por que não dás uma volta por aí para ver como andam os trabalhos?

Malcom não respondeu. Deu meia-volta e desapareceu tranquilamente, sabendo de antemão que logo que aquele maldito rancheiro se afastasse, Durgan lhe explicaria o que acontecera.

A pergunta de Durgan que se seguiu teve o condão de desconcertar um pouco o rancheiro, que não esperava um, ataque tão direto:

—Bem, mister Holland; o meu ajudante já saiu. Quer agora dizer-me, sem rodeios, o que deseja de mim?

 

Sem comentários:

Enviar um comentário