quarta-feira, 18 de agosto de 2021

RB007.13 Ela sonha com o dia em que vai abraçar a mãe

Duma das janelas, e por volta do meio-dia, Sadie contemplava como Durgan no alpendre brincava com a pequena Lina.

Enquanto olhava para ele, os seus pensamentos eram contraditórios. Perguntava muitas coisas a si mesma. Entre elas, se ele lhe teria dito que era seu pai. Claro que a criança não perceberia o verdadeiro significado de tudo aquilo, mas mesmo assim, agradava-lhe sabê-lo.

Incapaz de resistir mais, Sadie abandonou o posto de observação e desceu ao alpendre. A pequena, apenas a viu, correu para os seus braços.

Sadie inclinou-se e agarrou-a.

Depois, os dois, olharam-se silenciosamente. A voz de Durgan não saiu alterada quando disse.

— Queres largar a pequena e vir comigo? Quero falar contigo, Sadie.

Ela não respondeu e seguiu-o até ao interior do rancho. Quando o enfrentou, o rosto de Durgan era uma máscara.

— Refleti esta noite, Sadie, sabes? E compreendi uma coisa. Que sofreste bastante com tudo isto. Queria... queria castigar ainda mais o teu orgulho e... Bem, já não é necessário. A tua filha está bem. Sonha com o dia em que chegue a abraçar a sua mãe. Eu trago-ta dentro em breve, Sadie.

Ela tinha as mãos sobre os belos seios, como querendo conter as pancadas do coração. Tinha fechado os olhos e a sua respiração era agitada. Quando Durgan acabou de falar, suspirou fortemente, enquanto, as lágrimas brotavam tumultuosamente dos seus olhos.

— Jack... ---sussurrou.

Mas Durgan não a quis ouvir. Todo o seu ser clamava por ela, mas não devia, não podia mais. Deu meia-volta. O tilintar das suas esporas denunciou o que tentava fazer e então ela abriu os olhos.

Desfocado através das lágrimas, conseguiu vê-lo quando atravessava o limiar da porta. Então foi atrás dele. Mas não chegou a alcançá-lo uma vez que Durgan se tinha detido junto a uma das colunas do alpendre, olhando com expressão taciturna a figura do sheriff Morley que desmontava nesse momento.

Sadie apertou o peito com as mãos e avançou para o local onde se encontrava a criança, olhando com assombro a figura daquele cavaleiro que se aproximava como um felino ainda que soubesse que não o era, e agarrou-a por um dos bracitos.

Morley acabou finalmente por se deter junto de Durgan. Ambos se olharam durante alguns segundos e, por fim, Durgan rompeu o silêncio adiantando-se aos desejos do sheriff.

— Olá, Morley — cumprimentou, tranquilamente. — Que o traz por cá a estas horas?

O rosto de Morley tornou-se sisudo.

—O senhor, Durgan. Vim prendê-lo.

—Prender-me? Porquê?

Não utilizou evasivas desta vez. Replicou com voz fria e sem qualquer sentimento.

— Por ter feito voar o dique do senhor Al Holland. Terá que vir comigo a Fowler. Lamento. Eu disse-lhe que estivesse quieto.

— Quem denunciou o caso?

— Holland, naturalmente.

— E como sabe que fui eu?

— Os seus homens viram-no. Além disso, houve um tiroteio e Don Cullens, um deles, morreu. Vamos, Durgan, entregue-me essa arma e venha comigo.

—A minha palavra contra a desse homem e dos seus sequazes, sheriff. Posso testemunhar em como não me mexi do rancho em toda a noite. Nem eu nem nenhum dos meus rapazes — cravou os olhos na direção dos pastos e acrescentou: —Espere-os, sheriff. Não tardarão a chegar. Eles mesmos lhe dirão que celebrámos o meu regresso até de madrugada. Depois fui dormir e acordei hoje às onze horas. Que acha?

Olharam-se como galos de combate. Finalmente, Morley soltou uma maldição e disse:

—Vou comprovar isso, Durgan. Mas não esperarei aqui, vou sair ao encontro dos seus vaqueiros. Entretanto, será melhor não sair do rancho. Compreende?

— Perderá o seu tempo, Morley. Pode perguntar à minha mulher se não é verdade aquilo que eu digo.

Durante alguns segundos o olhar de Morley pousou no rosto de Sadie, mas não perguntou. Limitou-se a encarar novamente Durgan. Então disse:

—A declaração de mistress Durgan não é válida para mim. Deveria saber isso.

Por única resposta, Durgan deixou-se cair num dos degraus do alpendre.

— Vá de uma vez, Morley — disse friamente. — Encontrar-me-á aqui quando voltar.

Morley lançou-lhe um olhar de revés e aproximou-se do cavalo. Durgan viu como montava, picava esporas e se afastava para os pastos. Quando se perdeu na distância pôs-se de pé, e sem dizer uma palavra dirigiu-se à cavalariça.

Sadie, levando nos braços a pequena Lina, foi atrás dele e alcançou-o quando estava a selar o cavalo.

—Jack! Que pensas fazer?

— Nada, tesouro. Estou a selar o cavalo. Quando Morley vier quero acompanhá-lo a Fowler.

Ela não disse nada. Limitou-se a olhá-lo até ele ter acabado o seu trabalho. Só então perguntou:

—Tens necessidade de ir a Fowler, Jack?

— Sim — replicou, olhando-a fixamente.

— Talvez não volte até amanhã ou depois.

—Porquê?

—Ouve, Sadie. Cullens e segundo Morley, morreu ontem à noite no tiroteio. Agora apenas restam Wood e Lansing. Necessito de falar com eles, carinho.

—Jack!

—Tenho que ir, Sadie. Ainda que seja a última coisa que faça na minha vida.

—Não irás, Jack!— disse secamente. -- Deves compreender uma coisa. Agora tens uma filha. Estou eu. também. Compreendes?

E estendeu os braços mostrando a pequena, que lhe sorriu fazendo caretas, num gesto precoce que fez recordar a Durgan a antiga Sadie.

—Devias ter pensado nisso anteriormente, Sadie — foi o que respondeu com a voz levemente transformada, e, porém, fria como gelo.

Depois, e sem esperar resposta passou junto dela, deixando o cavalo na cavalariça, completamente selado.

Nenhum dos dois disse mais nada até que os vaqueiros regressaram dos pastos. Durgan, vendo que Morley não vinha com eles, desceu as escadas do alpendre, ficou frente a Powers e ao resto da equipa que o olhavam com sorrisos nos lábios.

— Que aconteceu, Powers? —perguntou.

O vaqueiro riu-se enquanto os sorrisos dos outros se tornavam mais amplos.

— Nada, patrão. O sheriff Morley teve que se afastar com o rabo entre as pernas, depois de dizer umas quantas coisas.

—Como por exemplo?...

— Que ia encarcerar toda a equipa, por serem embusteiros --riu novamente e acrescentou: —Chegou aos pastos como um búfalo em debandada. Querendo apavorar todos e fazendo perguntas sem fim. O que vale é que já estávamos de sobreaviso. Então, quando lhe expliquei que o senhor não se tinha mexido do nosso lado até às três da madrugada, hora em que entrou no rancho para descansar, começou a jurar e a lançar ameaças em volta. Depois, e vendo que por esse lado não conseguia nada, empreendeu o galope para Fowler.

—Tanto melhor, Powers —replicou Durgan. - E obrigado a todos — saudou-os com a mão e voltou-se para Sadie, que o olhava com os olhos carregados de uma réplica muda. — Agora vou a Fowler, Sadie. Procura não te moveres do rancho até eu voltar.

Ela aproximou-se largando a pequena Lina, que aproveitou para correr ao encontro dos vaqueiros que se afastaram para levar os cavalos para a cavalariça.

—Entra, Jack —disse. — Agora sou eu que quero falar contigo.

Fê-lo. Depois, os dois frente a frente, Sadie fez uma pergunta:

—Lembras-te do que me disseste há tempo, Jack? Uma altura em que falámos juntos, há seis anos?

—Falámos de muitas coisas, Sadie. Como queres que me lembre?

—De acordo, querido—sussurrou ela. —Refrescar-te-ei a memória. Disseste que eu, particularmente, seria mais mulher se algum dia chegasse a compreender o sentido das tuas palavras. Uma verdadeira mulher. Compreendi, embora me custasse a dolorosa experiência de ter o meu marido cinco anos na prisão, denunciado por mim. Sim, Jack, durante todo esse tempo aprendi a compreender que a vingança e o ódio não conduzem a nada. Nem o orgulho tão-pouco. Mas..., e tu, Jack? Tu continuas na mesma, não seguiste o conselho das tuas próprias palavras. Porquê?

Durgan ficou momentaneamente sem resposta. Depois, quando se refez um pouco, replicou:

— Cinco anos na prisão modificam um homem, Sadie. Ou não compreendes isso?

Sem esperar resposta, convencido de que as suas teorias vacilavam ante as verdadeiras palavras dela, Durgan deu uma rápida meia-volta e abandonou a casa. Quando Sadie chegou ao alpendre, só teve tempo de o ver desaparecer rapidamente a caminho de Fowler.

*

Holland estava no balcão, ao lado das duas substitutas de Mona Davison, as quais bebiam whisky entre grandes risadas, celebrando os lucros do opulento rancheiro.

Mais além, perto dos cortinados que ocultavam a escada que conduzia ao piso superior, sentados numa mesa, jogando amigavelmente com os cinco sentidos alerta, estavam Lansing e Wood.

Havia talvez uma meia hora que Morley tinha visitado o rancheiro, dizendo-lhe o que se passara no rancho de Sadie Durgan. Holland estava furioso. Muito furioso, ainda que disfarçasse muito bem diante daqueles dois portentos femininos. Mas os seus homens já tinham ordens concretas a respeito de Durgan. Eliminá-lo a todo o custo.

O que se passara com o dique na noite anterior, a morte de Cullens, não tinham mais que um castigo, e este era a morte imediata desse engenheiro intrometido, e ainda por cima ex-presidiário.

Holland sabia que o seu regresso trazia a morte com ele, e mais quando se soubesse da verdade sobre a morte de Mona Davison. Portanto, apenas restava uma coisa. Sair-lhe ao caminho. E o que sentia era tê-lo menosprezado certa ocasião. Certo de que agora no seu regresso, nada tinha podido fazer, já que Durgan tinha saído da prisão ainda não havia um ano, e tinha tardado todo esse tempo em aparecer em Fowler.

No seu regresso o dique tinha voado. Durgan tinha-lhe feito perder uns milhares de dólares e mais a morte de Cullens, além de outros dois homens que tinham sido feridos de qualquer forma. A súbita tensão que se apoderou do saloon, e até de si mesmo, fez-lhe abandonar os seus pensamentos.

Lentamente, cravou os olhos no espelho da parede. Durante uns segundos, permaneceu tenso, com a mão direita crispada em torno dó copo, depois voltou-se lentamente com a cara voltada para a porta, compreendendo, ao mesmo tempo, que as duas bailarinas tinham os olhos ali e que Lansing e Wood tinham aproximado as mãos das coronhas dos colts.

Sem comentários:

Enviar um comentário