sexta-feira, 6 de agosto de 2021

RB007.01 Aquele olhar...

Sadie Farrow sentiu um calafrio quando o olhar dele correu pelo seu corpo, parecendo-lhe mais um insulto que uma carícia.

Desviou o olhar para o rio e deixou de fitar o cavaleiro que até então tinha cavalgado ao seu lado. Estendeu o braço moreno e bem torneado apontando as turbulentas águas do Arkansas. Sem olhar para o companheiro falou.

— É nesta curva que quero que construa o dique, mister Durgan. Não quero que a próxima subida das águas do rio invada novamente o meu rancho, com as consequentes perdas de gado e algumas vezes a vida dos meus homens.

Calou-se, esperando a resposta, que demorou bastante tempo. Mais do que das outras vezes, durante aqueles dias de contínuo cavalgar de um lado para o outro, desde que Sadie fora à capital para o contratar. E não respondeu porque estava a olhá-la. Tal como das outras vezes. Dos pés à cabeça, detendo o olhar na abertura da blusa decotada onde o maravilhoso seio ameaçava romper o tecido que o detinha naquele estreito cárcere de tela e de seda.

Sadie Farrow era alta; ruiva como ouro, e os olhos, em violento contraste com o seu cabelo, negros, grandes e rasgados, maliciosos como uma fogueira no meio da noite. O seu corpo era exageradamente perfeito, cheio de curvas provocantes e malignas. As suas pernas (Jack Durgan via-lhas até ao joelho, uma vez que a saia de montar era extremamente curta), afiguraram-se-lhe outra maravilha de perfeição. Como toda ela. Como tudo o que tinha completamente seu, exceto o maldito orgulho.

A ele, particularmente, tinha-lhe dado a maior prova disso. Para ele não era segredo o ter que acompanhar aquela orgulhosa à capital a fim de procurar um engenheiro.

Sadie Farrow não se importava de modo algum que as águas do Arkansas na época das cheias, inundassem violentamente as suas terras fazendo desaparecer numerosas reses e parte dos pastos. Havia outra coisa. Uma, coisa muito importante para ela. Vital, por assim dizer.

Mas Sadie não tinha falado disso, ainda que estivesse desejosa por dizê-lo. O seu orgulho não a deixava pedir, se é que o que tinha para dizer, se podia considerar um pedido. Podia ser que ela assim pensasse. Mas era bela. Maliciosamente bela.

Durgan sorriu ante o pensamento sabendo que com uma palavra sua, aquela mulher orgulhosa de vinte e um anos capitularia. Obrigá-la a que se casasse com ele, deixando nas suas mãos parte do seu património?

Durgan sabia ou julgava saber que se o tentasse, bastaria uma só palavra sua, para conseguir tudo o que pensara. Estava agora a pensar nisso. Era muito bela, capaz de o tornar louco, se quisesse, mas não tinha designado as coisas assim. Não queria obrigá-la, ainda que a última palavra fosse ditada pelo Destino e não por ele. Não era simplesmente obrigá-la a um casamento. Isso era o menos, o pior era obrigá-la a deixar de fazer a vida impossível aos outros.

Por seu turno, Jack Durgan era moreno, alto, flexível como um jaguar, forte, de olhos cinzentos e frios como aço. Aos trinta anos tinha acabado a sua carreira de engenheiro e era aquele o seu primeiro contrato para trabalhar em qualquer coisa importante. E com ela. Precisamente, com Sadie Farrow. Com a única mulher que podia experimentar ódio por ele.

—Estava a falar consigo, mister Durgan.

Sacudiu a cabeça e deteve os olhos nos formosos joelhos. Sadie franziu o sobrolho, mas não disse nada. Desviou novamente o olhar para o rio e esperou. Desta vez a resposta chegou a tempo.

—Em que condições, miss Farrow?

—Nas que já lhe disse a seu tempo. Pode contar com a minha ajuda, tanto em material como em homens e dólares. Agora, e como já falámos o suficiente sobre o assunto, só me resta adverti-lo de uma coisa: o seu lugar de engenheiro-chefe destas obras não lhe dá direito algum para excessivas confianças comigo e com o pessoal exclusivamente do rancho. O senhor, enquanto durarem as obras será o patrão. Mas apenas aqui, na margem do rio. Quanto ao resto, não deve esquecer que fui eu que o contratei, e que tenho o livro de cheques.

Olharam-se durante alguns segundos, medindo-se, desafiando-se mutuamente. Finalmente, Durgan esboçou um sorriso frio.

— Poderia... inclusivamente poderia beijá-la, Sadie —disse.

Por única resposta, ela fez retroceder o cavalo, e a sua mão desceu para o rifle que pendia de um dos lados, da sela.

— Infernos?...

— Cuidado com a língua e com o rifle, Sadie —atalhou Durgan cada vez mais friamente, aproximando o seu cavalo do dela, tanto que os estribos se tocaram. Sem fazer caso do brilho dos seus olhos, acrescentou: — Creio que o mais conveniente para si, é não tomar as coisas de ponta, compreende? Quanto a esta conversa, espero continuá-la esta noite no seu rancho. Agora pode ir para o diabo, que eu tenho que fazer. Quero inspecionar o rio mais adiante, para saber com o que posso contar. Ande, desapareça de uma vez e deixe-me só! Você é uma tentação muito grande para mim, e não costumo pensar duas vezes se devo ou não beijar uma mulher, quando gosto dela.

Sem esperar resposta, Durgan esporeou o cavalo e lançou-o direito à margem num furioso galope. Sadie ficou para trás, imóvel, com os olhos cheios de fogo e o seio arquejando de indignação. Era a primeira vez que alguém se atrevia a levantar um obstáculo à sua frente, tivesse ou não tivesse razão.

—Porco! — mastigou entredentes, tendo o cuidado de não levantar a voz.

Depois, e como se de repente tivesse caído um peso enorme sobre os seus ombros maravilhosos, com a cabeça baixa fez retroceder o cavalo e a todo o galope perdeu-se na distância, enquanto Durgan examinava conscienciosamente, jarda por jarda, o terreno sobre o qual tinha que construir o dique.

Pouco a pouco começou a escurecer, quando já se encontrava muito perto do limite dos pastos de Sadie, para o sul.

Desceu da sela, suspirou e encostou-se a uma árvore, disposto a fumar um cigarro.

Tinha o pacote do tabaco na mão, quando um projétil, com um ruído sinistro veio cravar-se no tronco a que estava encostado, a umas escassas polegadas da sua cabeça. Durgan soltou uma maldição e lançou-se ao chão, empunhando rapidamente o seu único colt.

Chegou-lhe aos ouvidos o eco de mais duas detonações, e ouviu nitidamente o sibilar dos projéteis ao passarem junto dele. Rolou pelo solo até conseguir esconder-se atrás de um tronco.

Pensou que aquilo era outra complicação com a qual não tinha contado. Olhou. Novas chamas surgiram de entre o rochedo do canyon que tinha em frente, a uma distância considerável. Demasiada para o seu colt.

Olhou para o cavalo. O animal também tinha desaparecido entre as árvores que rodeavam o Arkansas. Reptou até ele, enquanto o chumbo zumbia por todos os lados.

Dez minutos depois meteu o revólver no coldre, pondo-se de pé. Estendeu a mão para o arção da sela e tirou a moderna «Winchester». Com um gesto empurrou a culatra para meter o projétil na câmara e retrocedeu sobre os seus passos, como olhar perdido entre as rochas e os altos penhascos.

Esteve à espera mais de meia hora antes de se convencer que o agressor ou os agressores se tinham afastado. Então largou o rifle, apoiando-se contra o tronco, e fumou o cigarro sem ser interrompido desta vez.

Fumou pausadamente, pensativo. Agora não era na rapariga que pensava, mas nos homens que o tinham atacado sem qualquer explicação plausível.

Ao fim de algum tempo, e quando já quase tinha fumado o cigarro, Durgan teve uma ideia, em resultado da qual se aproximou do cavalo, subiu para a sela num salto aparatoso e cavalgou, com a mão roçando o percutor do colt, até aos penhascos.

 

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