sábado, 1 de dezembro de 2018

BIS170.08 Casa comigo ou irei para freira

— Sairei daqui amanhã.
Rand, Barclay e os Cortés estavam a comer na espaçosa sala de jantar da fazenda. Lá fora anoitecia lentamente após um longo e quente dia de Verão. Dom Pablo colocou o seu copo sobre a mesa e Isabel ficou com o garfo no ar. Os outros também deixaram de comer.
— Amanhã ?
— Sim. Quero chegar ao limite das terras de Seth Markham ao anoitecer.
Houve um breve silêncio. Dom Pablo quebrou-o com a sua voz calma.
— Muito bem. Darei ordem para lhe prepararem um cavalo e tudo o necessário para a viagem. Não se falou mais sobre o assunto durante o jantar.
Mais tarde, no alpendre cheio de luar. Rand sentou-se a ouvir o planger das guitarras e as canções dos vaqueiros no pátio. Isabel Cortés e sua irmã ocupavam pesadas cadeiras de balouço à sua direita, e dom Pablo ocupava outra à sua esquerda. Pedro Cortés estava encostado à balaustrada e Marclay fumava sentado nos degraus, com as costas apoiadas contra um dos pilares de adobe.
Estava uma noite tranquila e formosa, com uma aragem branda que trazia os balidos das ovelhas e o mugir das vacas nos currais, misturando-se com o som das guitarras. Uma noite muito agradável...
Estava há precisamente um mês em Valle Hermoso e naqueles trinta dias haviam ocorrido muitas coisas que nunca, acontecesse o que acontecesse, poderia esquecer.
A sua ferida da coxa já estava completamente cicatrizada, podia montar a cavalo sem dificuldade e apenas sentia algumas dores ténues quando andava a pé. Tinha cavalgado ultimamente pelos terrenos da fazenda, comprovando a qualidade da terra, a abundância de água e pastagens. Valle Hermoso merecia bem o seu nome: era uma fonte de riqueza e um lugar para se viver feliz. Tinha de o continuar a ser, se fosse possível... Parecia depender dele.
Havia meditado no seu plano dia e noite. Mataria Seth Markham e libertaria a região das suas patifarias. Mas, além de o matar, tinha de sair do rancho com vida... Havia-se enamorado de Isabel Cortés. Era uma coisa definitiva, que não admitia explicações.
Elissa Markham era, na realidade, apenas uma sombra amável, já meses antes quando matara Jeb Burns; agora compreendia que nunca estivera enamorado dela, que fora um amor grato e superficial da sua juventude alegre. Isabel Cortés, ao contrário, era o amor, a vida, o sonho de que um homem necessita para lutar, para trabalhar, para matar e para morrer quando é necessário. Podia contemplá-la de soslaio e estava certo de ser correspondido. Isabel não tinha feito, na realidade, nenhum segredo dos seus sentimentos. Era uma verdadeira texana, não desmentia o seu sangue latino. Com ela conseguiria uma esposa como a necessita um homem para triunfar na vida. E para a conseguir tinha de matar Seth Markham, o velho companheiro de estudos, o desprezível bandido cuja morte jurara se o voltasse a encontrar, mas que ignorava que o seu matador estava tão perto e sabia da sua patifaria de há alguns anos.
Seth recebê-lo-ia bem, sem dúvida. Pelo menos fingiria fazê-lo. Aborrecia-o mas também o temia; e sabia-o noivo de sua prima. Se o conseguisse enganar num jogo de astúcias, tudo poderia sair bem. Se não... iria para a frente. Uma coisa era certa. Não regressaria a Maryland, pelo menos durante muito tempo. Era estranho e curioso como este pensamento mal lhe provocava reação. Os seus pais, seus irmãos, sua casa, seus amigos... todos estavam lá, formando parte da sua vida e, ao mesmo tempo, como fora dela, colocados num plano diferente, tão diferente como as paisagens de Maryland e Texas...
Levantando-se começou a andar sem pressa para o extremo da varanda. Ali enrolou e acendeu vagarosamente um cigarro, olhando para os Cortés. Não se surpreendeu ao ver Isabel levantar-se, dizer qualquer coisa a seu pai em voz baixa e vir ao seu encontro. Ela vestia de branco, a sua cor favorita. E estava encantadora. Falou-lhe com voz cálida, mal chegou junto dele.
— Está nervoso ?
— Não.
— Eu sim. E não gosto.
— Porque está nervosa?
— Sabe-o muito bem. Não fui hipócrita com os meus sentimentos.
Ele concordou. Aquela segurança que lhe trazia e a sua voz produziam-lhe um grato calor.
— Também eu não fui com os meus, Isabel. Talvez seja a altura de falarmos nisso. Quase não fizemos outra coisa em todo este tempo.
— Mas não com a franqueza necessária. Se conseguir sair-me bem do assunto e regressar pedirei a teu pai que me conceda a tua mão. Como esposa, compreendes?
— Tu não me poderias pedir nem esperar de outra maneira, Rand.
— Sim, é verdade...
— A principio eu ignorava os sentimentos que havias despertado em mim. Ignorava-os ainda quando te desafiei para aquela partida de cartas. Fui descarada, atrevida e presunçosa porque o meu coração me exigia que não te deixasse ir embora. Depois pensei que o fundamento de tudo era a impressão certa de que tu poderias vingar-me no assassino de minha mãe. Tolices, erros, miragens... Eu enamorei-me de ti em Westdale, mal te olhei nos olhos naquela sala de jantar. -- E eu suponho que me enamorei quando me desafiaste de um modo tão ousado, oferecendo-te como prémio para minha vitória. Seja como for, Isabel, isto já não tem remédio. Importas-te ? Continuas a pensar na tua noiva de Maryland?
— Não, na verdade não. Já não. Creio que nunca a amei bastante. Na realidade, fui volúvel durante a minha juventude.
— Eu te ligarei a mim. Saberei fazer que não necessites sequer de olhar para outra mulher em toda a tua vida.
— Estou certo disso. Bem, creio que o principal está esclarecido. Se devemos ficar a viver aqui ou se nos vamos para outro lado é coisa ainda longínqua que depois resolveremos.
— Onde tu quiseres ir, para aí irei eu, Rand. Sempre.
— Imaginava isso... Isabel, morro com vontade de te beijar. Mas aqui não seria correto.
Ela sorriu.
— Não seria. Mas será se me ofereceres o teu braço para dar um passeio pelo pátio. Está uma lua bonita, não achas?
Ele ofereceu-lhe o braço; voltaram para junto dos outros e a rapariga anunciou o seu desejo de passear. Sua irmã olhou-a com um sorriso cúmplice e o irmão parecia um tanto desconcertado. Dom Pablo esboçava um sorriso plácido. Barclay parecia de pedra. Quando o par se afastava, o rapaz fez um comentário nervoso:
— Isabel está a portar-se com demasiada desenvoltura, não acha, pai? Não é que eu diga...
— Quanto menos disseres menos errarás, Pedro. Tua irmã vai fazer dezanove anos e nesta casa faz falta um homem forte e enérgico até tu cresceres o suficiente para tomares parte das rédeas.
-- Então eles casam, pai? É estupendo. O senhor Rand parece-me um homem fascinante...
— Olhem para esta ranhosa com o que se sai.
--Não me chames ranhosa, pernalta. Só tenho um ano e meio menos que tu...
-- Sim, suponho que casarão, se Deus quiser que o senhor Allen regresse com vida da empresa que ora vai empreender. É um cavalheiro e não conheço nenhum outro mais idóneo para marido de vossa irmã. Além de que ela já o escolheu... Assim era.
Passeando, o par havia chegado a um ponto junto do extremo das cavalariças, onde a parede projetava um pedaço de sombra acolhedora. Estavam a suficiente distância dos pavilhões e da casa principal para o poderem fazer... E Isabel Cortés demonstrou que naquilo era tão decidida e sincera como em tudo. Parando, deitou os braços ao pescoço de Rand e ofereceu-lhe a boca entreaberta, dizendo-lhe num sussurro apaixonado:
— Beija-me, Rand. Beija-me muito...
Ele não dormiu grande coisa naquela noite, em parte por causa daqueles beijos e em parte também pelo pensamento na tarefa que o esperava. Antes que raiasse a madrugada já estava a pé, fumando um cigarro junto da janela aberta, ouvindo o canto dos galos. Lavou-se à luz das primeiras claridades, vestiu-se, verificou-se as suas armas estavam em perfeitas condições e abandonou o seu quarto.
Don Pablo e Isabel juntaram-se-lhe para tomar o pequeno-almoço. Falou-se muito pouco depois da troca de saudações. A rapariga parecia serena, pálida e olheirenta, mas com as pupilas brilhantes. Sorria-lhe sempre que os Seus olhares se cruzavam. Por fim o fazendeiro falou com voz clara.
— Senhor Allen, o senhor dispõe-se a executar uma tarefa que, em boa verdade, nos corresponde a mim e ao meu filho. Mas eu sou um inválido e ele ainda uma criança, de modo que nos devemos resignar a deixar a nossa justa vingança em mãos mais idóneas para a realizar. Contudo, toda a ação requer uma compensação. Longe de mim a ideia de pensar em suborno ou torvas artimanhas; mas a minha filha mais velha, aqui presente, disse-me que está enamorada de si e que trocaram juramentos. Se assim é e Deus no-lo quiser devolver são e salvo, será para mim uma honra e uma alegria dar-lha como esposa e dotada com o que lhe pertence de direito.
Rand esboçou um sorriso pensativo.
— Pensava pedir-lhe a mão de Isabel depois do meu regresso, porque a experiência me ensinou que não se deve vender a pele do urso antes de o caçar. Mas, uma vez que se me antecipa aos desejos, dir-lhe-ei que desejo Isabel para minha esposa, que me considero capaz de a fazer feliz e que aqui, ou onde quer que vivamos de futuro, ela viverá honrada entre os seus semelhantes como esposa de Randolph Allen, cidadão do condado de Madison, em Maryland.
— Em tal caso, senhor Allen, não se fala mais deste assunto. Volte e casar-se-ão. E agora, meu amigo, meu filho, permita-me que lhe deseje muita sorte.
Estendeu-lhe a mão, emocionado. E emocionado lha apertou Rand. Isabel contemplava serenamente a cena em que se decidia o seu futuro. Quando ele se voltou para a olhar não lhe sorriu.
— Se não voltares, Rand Allen, juro que não casarei com outro homem. Entrarei como freira para um convento.
— Não serias uma boa religiosa. De modo que terei de voltar. Espera-me.
— Todos os dias, a todas as horas, o meu coração estará contigo, e também as minhas orações. Os meus olhos não se afastarão do caminho do Norte.
— Voltarei.
-- Beijem-se, uma vez que partes para vingar sua mãe e já são noivos.
Beijaram-se. Desta vez os lábios de Isabel não foram apaixonados e fogosos como na noite anterior, mas docemente suaves e frios, acariciantes...
Um esplêndido cavalo malhado completamente preparado esperava-o atado a um poste. O pátio começava a animar-se sob a luz do amanhecer. Rand Allen montou e desatou o animal. Barclay apareceu, caminhando pausadamente, junto da esquina da casa e aproximou-se dos Cortés.
— Até à volta.
— Deus te ajude e proteja...
— Boa sorte, Allen.
— Obrigado. Cuide dela, Barclay.
— Assim farei.
Com um último sorriso, Rand fez um gesto de saudação com a mão e obrigou o cavalo a voltar-se, encaminhando-se para a saída do pátio. Ali, voltou de novo a saudar e desapareceu. Então Isabel suspirou fundo e olhou para seu pai.
— Tem de regressar são e salvo, pai; prometeu-mo.
— E cumprirei tanto quanto for possível. Kent!
— Sim.
— Já sabes o que tens a fazer. Otero que te acompanhe, conhece bem o caminho e é conhecido deles.
— Sim. Bons-dias.
Afastou-se e o fazendeiro passou um braço por cima dos ombros de sua filha. Voltemos para dentro, Isabel.
— O coração diz-me que depressa estaremos vingados e tu casada com o homem que escolheste...
 

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