O repto fora lançado com toda a regra. Todos os habitantes da localidade se inteiraram dele. O elegante forasteiro demonstrou claramente não recear Bert Savold nem a sua equipa. O seu companheiro demonstrou da mesma forma o que era capaz de fazer, tanto com o revólver, como com os punhos.
Quando soube disso, Savold encheu-se de cólera. A sua primeira intenção foi saltar sobre o seu cavalo e correr à povoação para dar ao atrevido o castigo que merecia. Não obstante, conteve-se.
Ron Delaney acabava de matar um dos seus vaqueiros, precisamente o mais rápido no manejo das armas. O seu rosto contraiu-se. Crispou os punhos. Havia de chegar a oportunidade de torná-lo a ter em seu poder, gozando em socá-lo, sem piedade, para o deixar como um frangalho, destroçado, a seus pés.
A este pensamento, sorriu satisfeito, com a certeza de que essa ocasião não tardaria.
Ron e Babe passearam todo o dia pelos arredores.
Existiam inúmeros ranchos e puderam certificar-se de que o maior pertencia precisamente a Bert Savold.
Também tiveram conhecimento de outras coisas interessantes, a mais importante das quais era a existência de um poderoso «trust», cuja visível «cabeça» era o corpulento rancheiro. Havia latente na maior parte dos habitantes uma grande indignação pela forma de atuar do referido «trust». Mas ninguém se atrevia a opor-se aos seus manejos, com receio de ser crivado pelos pistoleiros a soldo da poderosa organização.
Todo o gado que chegava a Broad Pace devia ser vendido ao «trust», por preços muito mais baixos do que em Phoenix. Quem tentava rebelar-se contra esse opressivo monopólio, não tardava em ficar em frente de um pistoleiro, acusado de qualquer pouca vergonha, vendo-se na necessidade de puxar por uma arma de fogo diante de um inimigo muito superior em tudo: rapidez, perícia e sem escrúpulos.
Outros tentavam passar as suas manadas por uma zona distante, mas sem o conseguirem. Não tardava a cair sobre eles um bando de numerosos facínoras, que disparavam a matar, desaparecendo com as reses, depois de terem efetuado uma verdadeira carnificina entre os condutores.
Ron não se preocupava por ter um inimigo tão poderoso. Procuraria apenas não ser apanhado desprevenido, confiando em fazer frente a Savold e seus pistoleiros. Mas Bert Savold não era o único homem a quem a presença do forasteiro desagradava. Havia outro e esse outro chamava-se Paul Adams.
Adams observou-o, enquanto ele jogava, considerando-o um adversário temível. E não estava satisfeito ao vê-lo ganhar tanto dinheiro.
Paul Adams tinha chegado a Broad Pace dois anos antes. Antigo conhecido de Bert, fizeram um acordo, para a exploração do «saloon». O dinheiro abundava na região e o jogo proporcionara-lhe grandes lucros.
De nenhuma forma podia opor-se à entrada de Ron Delaney no seu «saloon», nem podia acusá-lo de qualquer acto delituoso. Ron agira em defesa própria contra o vaqueiro de Savold, quando este já empunhava a sua arma.
Além disso, durante o jogo manejara as cartas com limpeza e o próprio xerife encolhera os ombros, ante a sua decisão de ficar na povoação. Sendo assim, não podia negar--lhe a entrada no seu estabelecimento. Fazer isso constituía um desafio e Paul Adams, apesar de ter confiança na sua habilidade no manejo do «Colt», não se sentia capaz de defrontá-lo.
Sem embargo, estava decidido a opor-se a Ron Delaney. A sua habilidade com as cartas era sobejamente conhecida em alguns Estados, e isso levara-o a ganhar bastante dinheiro. E em muitas cidades, onde estivera, tinham-lhe indicado, com mais ou menos diplomacia, a conveniência de afastar-se delas.
É claro que, quando tal acontecia, já ele tinha ganho o bastante para não protestar e batia as asas para ir poisar noutro ponto e continuar a encher as algibeiras.
Adams esteve sempre à espreita. Mas à medida que o tempo passava foi-se tranquilizando. Talvez as palavras de Ron Delaney fossem simplesmente uma bravata, um alarde de fanfarronice, visto que logo que começou a escurecer se apressou a afastar-se, com o seu hercúleo companheiro. Embora, e apesar de tudo, não o acreditasse. Ele conhecia bem os homens e aqueles dois não se arredariam dali, com facilidade.
Como se os factos quisessem dar-lhe razão, os batentes da porta do «saloon» abriram-se para dar entrada a Ron Delaney e Babe Custer. Os dois amigos beberam um copo de uísque.
Ron olhou à sua volta. Não viu nem a sombra de Bert, nem dos seus homens. Pelo visto, o corpulento rancheiro, apesar das suas ameaças, não parecia ter pressa de levá-las a cabo.
— Creio que teremos paz, Babe.
— Pelo menos, o ambiente dá essa impressão! — assentiu o amigo, sorrindo.
— Apetece-me jogar uma partida. Agrada-me este «saloon».
— Não terás a intenção de adquiri-lo?
— Tens a virtude de ler os meus pensamentos, Babe... Nunca serei capaz de ocultar-te coisa alguma.
O gigante sorriu de satisfação, ante o elogio do seu amigo. Mas reagiu logo e o seu semblante expressou uma grande surpresa. Ron seria capaz de comprar o «saloon»? Essa ideia não lhe agradava muito. A estada no vale não se apresentava muito tranquila. Antes de chegarem ali, haviam sido agredidos por Savold e os seus pistoleiros; algumas horas depois, Ron tivera de matar um deles e ele próprio deixara outro bastante maltratado, no meio da rua.
Dessa forma, os dias próximos prometiam ser mais agitados. Ron encaminhou-se para as mesas de jogo e deteve-se diante da mesma, onde estivera a noite anterior. Os jogadores eram quase os mesmos. Sentou-se tranquilamente numa cadeira vaga.
— Confio em que a partida não se interrompa com anormalidade.
Um dos jogadores sorriu abertamente às suas palavras. Os outros limitaram-se a assentir corretamente. Ron confiava em não ser surpreendido pela retaguarda. Babe estava alerta.
Como acontecera a noite anterior, a sorte mostrou-se-lhe propícia. Limitava-se a olhar as cartas e a colocar o dinheiro no centro da mesa. Dominava os seus nervos à perfeição. O seu aspeto era sempre o mesmo, quer o seu jogo fosse superior ou inferior ao do seu adversário. O seu rosto conservava a mesma impassibilidade.
Dois jogadores levantaram-se exasperados por terem perdido bastante. Ficaram só dois na sua frente, mas não tardou que um deles fizesse o mesmo, por haver esgotado os seus recursos. Ron olhou para o único que ficara sentado e fez um gesto de resignação.
— Teremos de suspender a partida!
Antes de que o outro respondesse qualquer coisa, o dono do «saloon» antecipou-se-lhe:
— Não permitirei isso, senhor. Em minha casa, nunca aconteceu semelhante coisa.
Ron examinou o seu interlocutor, olhou-o durante alguns segundos, com atenção. Não lhe agradou o seu aspeto. Adams tinha as características próprias do jogador nato, capaz de fazer trapaça, não tendo escrúpulo de «depenar» o adversário.
— O senhor é o dono do «saloon»?
— Exatamente. Paul Adams...
— O meu nome é Ron Delaney...
Fitaram-se, como se tentassem comprovar mutuamente as suas forças. Adams sentou-se, de semblante impenetrável. Tinha na sua frente um perigoso adversário. Estava disposto a vencê-lo, embora avaliasse as dificuldades que encontraria.
Reataram o jogo.
As primeiras partidas foram simplesmente de tenteio, como a experimentar forças. Mas os envites foram aumentando.
Ron deitou um olhar às suas cartas. Tinha um par simples. Pegou numas notas de Banco e colocou-as no centro da mesa. Adams aceitou a aposta. O jovem descartou-se e continuou impassível ao verificar que não formara, nem um trio sequer, para se defender. Voltou a aumentar a aposta. O outro jogador desistiu, mas Adams aceitou-a.
— Duzentos dólares — disse a voz fria de Ron.
Adams vacilou, por instantes, e por fim, atirou as cartas. Mostrou-se sorridente.
— O senhor é um jogador atrevido
—Há muitos anos que jogo — replicou Ron, enquanto manejava as cartas com destreza.
Nessa partida, as apostas foram aumentando consideravelmente, até que o envite final foi pronunciado por Ron.
— Quinhentos dólares!
Os seus adversários aceitaram-no, mas o jovem teve um «full» superior, de ases. Ron recolheu- o dinheiro.
O terceiro jogador levantou-se, então, dizendo que a partida era superior às suas forças. Ron fez menção de levantar-se, também. Mas Adams deteve-o.
— Se quer, podemos continuar os dois...
— Não tenho inconveniente algum.
A luta travada entre ambos foi rija, até que, quando o dinheiro amontoado das apostas ascendia a três mil dólares, Ron decidiu ver o jogo do seu adversário. Reinava um silêncio impressionante. Os dois homens estenderam as cartas sobre o pano verde. Uma exclamação de assombro saiu dos lábios dos espectadores, como se não acreditassem no que acabavam de ver. Paul Adams tinha apenas dois reis, enquanto Ron o vencia com um insignificante trio de noves.
Sempre impassível, Ron apoderou-se do dinheiro e puxou-o para si, como se fosse natural ganhar com uma jogada de valor tão escasso.
Adams empalideceu ligeiramente. Na testa, apareceram-lhe algumas gotas de suor. As mãos tremiam-lhe. Começava a perder o domínio dos seus nervos. O jovem notou isso. O jogo desenrolou-se, como supusera logo ao princípio. Tão depressa Paul Adams começasse a perder importantes quantias, a sua serenidade iria desaparecendo. Tratava-se de um trapaceiro vulgar. Não era perigoso. Quando ele baralhava as cartas, não perdia de vista as suas mãos. Até aí jogara com limpeza, mas não estava convencido de que continuaria assim, quando a sorte lhe fosse adversa.
Nesse momento, Adams conseguiu reunir um esplêndido «full» de ases. O seu olhar iluminou-se e apressou-se a colocar mil dólares no centro da mesa. Mas Ron deixou cair as cartas.
— Nesta ocasião, não posso competir consigo.
— O senhor tem um faro excelente!
— Diga antes, instinto de jogador.
Ron não dizia a verdade. O que acontecia simplesmente, era que Adams precipitara-se, denunciando sem querer que tinha na mão um belo jogo. Adams não respondeu. Estava exasperado. Tratava-se de uma boa oportunidade para recuperar o dinheiro que já perdera.
O seu sangue-frio desapareceu por completo, sentindo-se dominado por aquelas impenetráveis pupilas negras, que davam a impressão de perfurar-lhe a cabeça, lendo no seu íntimo, como num livro aberto. Adams, ao ver as suas cartas, teve de dominar-se para não exteriorizar a sua alegria. Tinha três damas e dois reis. Se a jogada anterior falhara, essa esmagaria Ron Delaney.
Começou a subir os envites, vendo com alegria que o seu adversário os aceitava. Nesse momento, vencê-lo-ia. As apostas já totalizavam cinco mil dólares, sem que nenhum deles desse mostras de ceder. Ron tinha as cartas voltadas para baixo, ao pé do dinheiro, limitando-se apenas a anunciar as quantias, que depositava no centro da mesa. Adams movia constantemente as cartas, incapaz de dominar os nervos. Não compreendia a que se devia a sua excitação. Em muitas ocasiões, tinha jogado mais forte, quantias superiores e conseguia manter-se impassível.
O seu nervosismo devia-se, certamente, à ati-tudo tranquila do seu adversário que não deixava transparecer no seu rosto a mais leve emoção. Por nenhum dos seus movimentos, poderia suspeitar qual fosse o seu jogo. Isso resultava deprimente para Paul Adams, que se sentia subjugado pela calma de Ron Delaney.
— Três mil dólares!
Adams julgara acobardar o seu adversário. Este, porém, empurrou para o meio da mesa o dinheiro, replicando:
— Aceito!
O dono do «saloon» deixou as cartas, com um gesto vitorioso. Tratava-se de um bom «full», mas sentiu-se desfalecido ao ver o jogo de Ron: um «full» de ases. Havia perdido.
Paul Adams pegou nas cartas. Ia jogar tudo por tudo. A sua habilidade era prodigiosa, estando decidido a fazer batota, convencido de que o seu parceiro não o surpreenderia. Ron contemplou-o por instantes. Tinha a certeza do que ia acontecer e estava disposto a atuar com energia. O homem que estava na sua frente não tinha escrúpulos.
Era capaz de todas as poucas vergonhas para conseguir o seu objetivo. Ao ver como ele baralhava as cartas, não pôde deixar de esboçar um sorriso. Adams deu cartas. Ron pegou nelas e examinou-as, com a sua habitual indiferença. Como já tinha um trio na mão, aquele jogo obrigava-o a jogar forte. Empurrou com a mão um maço de notas de Banco. Adams esboçou um sorriso de triunfo. Viu que o seu adversário ia cair na esparrela.
— Quanto é? — inquiriu.
— Dois mil dólares.
— Aceito.
Ron deixou cair as cartas, Adams entregou-lhe outras; ao ir fazer o mesmo- para si, ficou petrificado, quando ouviu a voz fria de Ron:
— Esteja quieto, Adams!
— Que quer dizer?
— Quero dizer que deixe as cartas na mesa.
— Acusa-me de fazer batota?
— O senhor o disse.
As pálpebras de Adams agitaram-se convulsivamente, os seus dedos crisparam-se. Sem embargo, obedeceu à ordem do seu antagonista, enquanto um denso silêncio se fazia à sua volta.
— Pegue nas cartas de cima.
Como um autómato, fez o que Ron lhe indicava. Olhou o seu jogo. Só tinha um trio de reis. O que faltava para ligar o póquer estava debaixo do baralho.
— Mais dois mil dólares! — disse o jovem.
Adams, despeitado, atirou as cartas. Mas Ron, com um movimento rápido, apoderou-se delas, voltou-as para cima e pondo a descoberto os três reis, levantou o baralho e apareceu o outro rei. Ouviu-se um murmúrio de indignação e o rosto de Adams tornou-se lívido. A sua mão moveu-se com rapidez e apareceu nela um pequeno «Derringer». Estava desesperado. Conhecia a rapidez do seu adversário. Mas tratava-se da única possibilidade de livrar-se dele: matar Ron e fugir a galope, deixando todos os lucros obtidos.
Ron Delaney não defraudou os espectadores. A sua destra moveu-se com uma rapidez espantosa e o seu tiro evitou o de Adams, que soltou uma horrenda imprecação ao sentir a mão ferida.
Olhou desesperado à sua voltar
Na sua frente, Ron ainda lhe apontava o «Colt». Não podia escapar. Até aos seus ouvidos chegou o murmúrio dos clientes do «saloon». Esses comentários foram-se elevando. Toda a gente estava indignada, pela sua vil conduta. Estremeceu ao ouvir um grito, seguido de um coro, que se repercutiu no «saloon», como um eco.
— Morra Adams!
— Morra!...
— É um trapaceiro!
— É preciso linchá-lo!
Uma mão agarrou-lhe o ombro. Permaneceu imóvel. Babe Custer agarrou essa mão e obrigou-a a soltá-lo, enquanto Ron ordenava:
— Todos quietos. Este homem pertence-me.
Mas um dos clientes avançou para ele.
— É preciso fazer justiça. Adams tem estado a fazer pouco de nós e a roubar-nos.
— Para trás! Dispararei contra todo aquele que der mais um passo.
A sua atitude firme impôs-se. Todos compreenderam que o forasteiro era capaz de cumprir a sua ameaça. Já tinha realizado duas magníficas exibições de pontaria. E essa era a terceira.
— Que quer o senhor? — perguntou Adams, passando a língua pelos lábios ressequidos.
— Fazer-lhe uma oferta: todo este dinheiro pelo «saloon».
Um clarão de esperança passou pelos olhos de Paul Adams. Em cima da mesa devia haver aproximadamente quinze mil dólares. Se lhe tivessem feito uma hora antes idêntica oferta, ter-se-ia deitado a rir, desdenhosamente. Mas nesse instante, estava disposto a aceitá-la.
— O senhor é muito generoso, Delaney!
O jovem fitou-o. Mas não era o que ele pensava. No tom de Paul Adams não existia a mais leve sombra de ironia. Era sincero.
— O senhor não merece esta oportunidade.
— Eu sei. Mas prometo mudar de vida.
— Isso é consigo... Num lugar ou noutro, acabarão por enforcá-lo.
— Pois garanto-lhe que não acontecerá isso.
Esta troca de palavras foi num tom tão baixo que os homens que os rodeavam não as perceberam. Estavam impacientes e pareciam um bando de feras, ávidas de sangue. Um deles, disse:
— Delaney! Não pode impor o seu capricho.
Ron voltou-se, olhando-o de frente:
— Acabo de comprar este «saloon» e Paul Adams partirá daqui, para sempre... Para não mais voltar. Alguém se opõe a isso?
Olhou à sua volta e viu todos os olhares baixos. Ninguém foi capaz de sustentá-lo. Adams levantou-se para ir buscar uma garrafa de uísque. E despejou um jorro da aguardente sobre a ferida, enrolando depois um lenço na mão. Pela primeira vez, após a sua derrota, sorriu.
— Quer vir legalizar a sua compra, Delaney?
— Sim!
Logo que entraram no escritório, Adams não pôde simular mais o valor que mostrara. Caiu, então, na cadeira, com a cabeça entre as mãos.
— Isto foi horrível, Delaney! Jamais lhe poderei pagar o que o senhor acaba de fazer por mim. Esses homens queriam linchar-me. Não sei se o senhor já presenciou um linchamento! Eu já Foi em Kansas... É uma coisa horrível. Esses homens, transfigurados, pareciam feras. Todos eles queriam bater no desgraçado que não tardou em ficar feito num frangalho, destroçado, irreconhecível. Eu prometi sempre fazer com que não chegasse a essa situação e há pouco estive por um triz a ter esse fim horripilante. Devo-lhe a vida...
Ron sentiu desvanecer-se o rancor que aquele homem lhe inspirara. Via-o abatido, amarfanhado, e com o pavor estampado nos olhos. Não tinha dúvida. Aquele homem estava arrependido das suas culpas passadas.
Se até então resolvera salvá-lo, por não ser o causador do seu linchamento, nesse momento era um novo sentimento, o afã de contribuir para a sua reabilitação.
— Tranquilize-se, Adams.
— Nunca poderei pagar-lhe quanto fez por mim — e acrescentou, sorrindo ironicamente: —Inclusivamente, se o senhor quisesse, a sua bala ter-me-ia liquidado.
Já tranquilo, endireitou-se na cadeira e pegando numa folha de papel, com o seu timbre, impresso no alto, começou a escrever. Quando acabou, com a maior naturalidade, estendeu a folha de papel para Ron.
— Favor com favor se paga, Delaney. Tenha muito cuidado com Bert Savold. Ele está resolvido a matá-lo.
Depois de ler o que ele escrevera, Ron dobrou o papel, guardando-o no bolso, e retorquiu :
— Savold não me preocupa. Sei como devo de tratá-lo.
— Ontem à noite julguei que as suas palavras eram simples bravata. Agora, tenho a certeza de que não eram.
Em vez de responder-lhe, Ron contou as notas e entregou-lhas. Adams guardou-as numa algibeira interior. Abriu a gaveta da secretária e tirou dela alguns objetos que lhe pertenciam.
— Agora, peço-lhe o último favor. Acompanhe-me até aos arredores da povoação.
— Já tencionava fazer isso.
— O senhor é um grande homem.
Ron sorria emocionado. Nunca julgara que o reconhecimento de um homem daqueles o impressionasse tanto. A mão de Paul Adams não tremeu quando fez girar o punho da porta. De novo, era senhor de si mesmo. Deitou um último olhar ao seu escritório e saiu com passo firme.
Quando desapareceram, o rumor das conversações cessou. Babe Custer, que permanecia encostado à parede, foi ao seu encontro. Trocou um olhar com o seu amigo, sem fazer qualquer pergunta. Limitou-se a colocar-se no outro lado de Adams, que ficou no meio dos dois.
Saíram do «saloon» e, pouco depois, chegavam a um curral, sem que ninguém se atrevesse a ir atrás deles.
O moço do curral acordou sobressaltado, ao ouvir que o chamavam e apressou-se a arrear os seus cavalos. Adams deu-lhe cinco dólares, deixando-o assombrado ante aquela esplêndida gorjeta. Não tardaram em sair da povoação e galoparam durante bastante tempo, até que Paul Adams deteve a sua montada. Em silêncio, apertou com força as mãos dos dois amigos, dizendo-lhes:
— Muito obrigado, por tudo!
Ron e Babe não retorquiram, ficando imóveis, até que o rumor produzido pelos cascos do animal se perdeu no silêncio da noite. Os dois amigos olharam-se, então.
— Alegro-me tê-lo salvado! — observou Ron.
— E eu compartilho dessa alegria — disse, por sua vez, Babe. — Ter-me-ia desagradado que o linchassem.
Quando soube disso, Savold encheu-se de cólera. A sua primeira intenção foi saltar sobre o seu cavalo e correr à povoação para dar ao atrevido o castigo que merecia. Não obstante, conteve-se.
Ron Delaney acabava de matar um dos seus vaqueiros, precisamente o mais rápido no manejo das armas. O seu rosto contraiu-se. Crispou os punhos. Havia de chegar a oportunidade de torná-lo a ter em seu poder, gozando em socá-lo, sem piedade, para o deixar como um frangalho, destroçado, a seus pés.
A este pensamento, sorriu satisfeito, com a certeza de que essa ocasião não tardaria.
Ron e Babe passearam todo o dia pelos arredores.
Existiam inúmeros ranchos e puderam certificar-se de que o maior pertencia precisamente a Bert Savold.
Também tiveram conhecimento de outras coisas interessantes, a mais importante das quais era a existência de um poderoso «trust», cuja visível «cabeça» era o corpulento rancheiro. Havia latente na maior parte dos habitantes uma grande indignação pela forma de atuar do referido «trust». Mas ninguém se atrevia a opor-se aos seus manejos, com receio de ser crivado pelos pistoleiros a soldo da poderosa organização.
Todo o gado que chegava a Broad Pace devia ser vendido ao «trust», por preços muito mais baixos do que em Phoenix. Quem tentava rebelar-se contra esse opressivo monopólio, não tardava em ficar em frente de um pistoleiro, acusado de qualquer pouca vergonha, vendo-se na necessidade de puxar por uma arma de fogo diante de um inimigo muito superior em tudo: rapidez, perícia e sem escrúpulos.
Outros tentavam passar as suas manadas por uma zona distante, mas sem o conseguirem. Não tardava a cair sobre eles um bando de numerosos facínoras, que disparavam a matar, desaparecendo com as reses, depois de terem efetuado uma verdadeira carnificina entre os condutores.
Ron não se preocupava por ter um inimigo tão poderoso. Procuraria apenas não ser apanhado desprevenido, confiando em fazer frente a Savold e seus pistoleiros. Mas Bert Savold não era o único homem a quem a presença do forasteiro desagradava. Havia outro e esse outro chamava-se Paul Adams.
Adams observou-o, enquanto ele jogava, considerando-o um adversário temível. E não estava satisfeito ao vê-lo ganhar tanto dinheiro.
Paul Adams tinha chegado a Broad Pace dois anos antes. Antigo conhecido de Bert, fizeram um acordo, para a exploração do «saloon». O dinheiro abundava na região e o jogo proporcionara-lhe grandes lucros.
De nenhuma forma podia opor-se à entrada de Ron Delaney no seu «saloon», nem podia acusá-lo de qualquer acto delituoso. Ron agira em defesa própria contra o vaqueiro de Savold, quando este já empunhava a sua arma.
Além disso, durante o jogo manejara as cartas com limpeza e o próprio xerife encolhera os ombros, ante a sua decisão de ficar na povoação. Sendo assim, não podia negar--lhe a entrada no seu estabelecimento. Fazer isso constituía um desafio e Paul Adams, apesar de ter confiança na sua habilidade no manejo do «Colt», não se sentia capaz de defrontá-lo.
Sem embargo, estava decidido a opor-se a Ron Delaney. A sua habilidade com as cartas era sobejamente conhecida em alguns Estados, e isso levara-o a ganhar bastante dinheiro. E em muitas cidades, onde estivera, tinham-lhe indicado, com mais ou menos diplomacia, a conveniência de afastar-se delas.
É claro que, quando tal acontecia, já ele tinha ganho o bastante para não protestar e batia as asas para ir poisar noutro ponto e continuar a encher as algibeiras.
Adams esteve sempre à espreita. Mas à medida que o tempo passava foi-se tranquilizando. Talvez as palavras de Ron Delaney fossem simplesmente uma bravata, um alarde de fanfarronice, visto que logo que começou a escurecer se apressou a afastar-se, com o seu hercúleo companheiro. Embora, e apesar de tudo, não o acreditasse. Ele conhecia bem os homens e aqueles dois não se arredariam dali, com facilidade.
Como se os factos quisessem dar-lhe razão, os batentes da porta do «saloon» abriram-se para dar entrada a Ron Delaney e Babe Custer. Os dois amigos beberam um copo de uísque.
Ron olhou à sua volta. Não viu nem a sombra de Bert, nem dos seus homens. Pelo visto, o corpulento rancheiro, apesar das suas ameaças, não parecia ter pressa de levá-las a cabo.
— Creio que teremos paz, Babe.
— Pelo menos, o ambiente dá essa impressão! — assentiu o amigo, sorrindo.
— Apetece-me jogar uma partida. Agrada-me este «saloon».
— Não terás a intenção de adquiri-lo?
— Tens a virtude de ler os meus pensamentos, Babe... Nunca serei capaz de ocultar-te coisa alguma.
O gigante sorriu de satisfação, ante o elogio do seu amigo. Mas reagiu logo e o seu semblante expressou uma grande surpresa. Ron seria capaz de comprar o «saloon»? Essa ideia não lhe agradava muito. A estada no vale não se apresentava muito tranquila. Antes de chegarem ali, haviam sido agredidos por Savold e os seus pistoleiros; algumas horas depois, Ron tivera de matar um deles e ele próprio deixara outro bastante maltratado, no meio da rua.
Dessa forma, os dias próximos prometiam ser mais agitados. Ron encaminhou-se para as mesas de jogo e deteve-se diante da mesma, onde estivera a noite anterior. Os jogadores eram quase os mesmos. Sentou-se tranquilamente numa cadeira vaga.
— Confio em que a partida não se interrompa com anormalidade.
Um dos jogadores sorriu abertamente às suas palavras. Os outros limitaram-se a assentir corretamente. Ron confiava em não ser surpreendido pela retaguarda. Babe estava alerta.
Como acontecera a noite anterior, a sorte mostrou-se-lhe propícia. Limitava-se a olhar as cartas e a colocar o dinheiro no centro da mesa. Dominava os seus nervos à perfeição. O seu aspeto era sempre o mesmo, quer o seu jogo fosse superior ou inferior ao do seu adversário. O seu rosto conservava a mesma impassibilidade.
Dois jogadores levantaram-se exasperados por terem perdido bastante. Ficaram só dois na sua frente, mas não tardou que um deles fizesse o mesmo, por haver esgotado os seus recursos. Ron olhou para o único que ficara sentado e fez um gesto de resignação.
— Teremos de suspender a partida!
Antes de que o outro respondesse qualquer coisa, o dono do «saloon» antecipou-se-lhe:
— Não permitirei isso, senhor. Em minha casa, nunca aconteceu semelhante coisa.
Ron examinou o seu interlocutor, olhou-o durante alguns segundos, com atenção. Não lhe agradou o seu aspeto. Adams tinha as características próprias do jogador nato, capaz de fazer trapaça, não tendo escrúpulo de «depenar» o adversário.
— O senhor é o dono do «saloon»?
— Exatamente. Paul Adams...
— O meu nome é Ron Delaney...
Fitaram-se, como se tentassem comprovar mutuamente as suas forças. Adams sentou-se, de semblante impenetrável. Tinha na sua frente um perigoso adversário. Estava disposto a vencê-lo, embora avaliasse as dificuldades que encontraria.
Reataram o jogo.
As primeiras partidas foram simplesmente de tenteio, como a experimentar forças. Mas os envites foram aumentando.
Ron deitou um olhar às suas cartas. Tinha um par simples. Pegou numas notas de Banco e colocou-as no centro da mesa. Adams aceitou a aposta. O jovem descartou-se e continuou impassível ao verificar que não formara, nem um trio sequer, para se defender. Voltou a aumentar a aposta. O outro jogador desistiu, mas Adams aceitou-a.
— Duzentos dólares — disse a voz fria de Ron.
Adams vacilou, por instantes, e por fim, atirou as cartas. Mostrou-se sorridente.
— O senhor é um jogador atrevido
—Há muitos anos que jogo — replicou Ron, enquanto manejava as cartas com destreza.
Nessa partida, as apostas foram aumentando consideravelmente, até que o envite final foi pronunciado por Ron.
— Quinhentos dólares!
Os seus adversários aceitaram-no, mas o jovem teve um «full» superior, de ases. Ron recolheu- o dinheiro.
O terceiro jogador levantou-se, então, dizendo que a partida era superior às suas forças. Ron fez menção de levantar-se, também. Mas Adams deteve-o.
— Se quer, podemos continuar os dois...
— Não tenho inconveniente algum.
A luta travada entre ambos foi rija, até que, quando o dinheiro amontoado das apostas ascendia a três mil dólares, Ron decidiu ver o jogo do seu adversário. Reinava um silêncio impressionante. Os dois homens estenderam as cartas sobre o pano verde. Uma exclamação de assombro saiu dos lábios dos espectadores, como se não acreditassem no que acabavam de ver. Paul Adams tinha apenas dois reis, enquanto Ron o vencia com um insignificante trio de noves.
Sempre impassível, Ron apoderou-se do dinheiro e puxou-o para si, como se fosse natural ganhar com uma jogada de valor tão escasso.
Adams empalideceu ligeiramente. Na testa, apareceram-lhe algumas gotas de suor. As mãos tremiam-lhe. Começava a perder o domínio dos seus nervos. O jovem notou isso. O jogo desenrolou-se, como supusera logo ao princípio. Tão depressa Paul Adams começasse a perder importantes quantias, a sua serenidade iria desaparecendo. Tratava-se de um trapaceiro vulgar. Não era perigoso. Quando ele baralhava as cartas, não perdia de vista as suas mãos. Até aí jogara com limpeza, mas não estava convencido de que continuaria assim, quando a sorte lhe fosse adversa.
Nesse momento, Adams conseguiu reunir um esplêndido «full» de ases. O seu olhar iluminou-se e apressou-se a colocar mil dólares no centro da mesa. Mas Ron deixou cair as cartas.
— Nesta ocasião, não posso competir consigo.
— O senhor tem um faro excelente!
— Diga antes, instinto de jogador.
Ron não dizia a verdade. O que acontecia simplesmente, era que Adams precipitara-se, denunciando sem querer que tinha na mão um belo jogo. Adams não respondeu. Estava exasperado. Tratava-se de uma boa oportunidade para recuperar o dinheiro que já perdera.
O seu sangue-frio desapareceu por completo, sentindo-se dominado por aquelas impenetráveis pupilas negras, que davam a impressão de perfurar-lhe a cabeça, lendo no seu íntimo, como num livro aberto. Adams, ao ver as suas cartas, teve de dominar-se para não exteriorizar a sua alegria. Tinha três damas e dois reis. Se a jogada anterior falhara, essa esmagaria Ron Delaney.
Começou a subir os envites, vendo com alegria que o seu adversário os aceitava. Nesse momento, vencê-lo-ia. As apostas já totalizavam cinco mil dólares, sem que nenhum deles desse mostras de ceder. Ron tinha as cartas voltadas para baixo, ao pé do dinheiro, limitando-se apenas a anunciar as quantias, que depositava no centro da mesa. Adams movia constantemente as cartas, incapaz de dominar os nervos. Não compreendia a que se devia a sua excitação. Em muitas ocasiões, tinha jogado mais forte, quantias superiores e conseguia manter-se impassível.
O seu nervosismo devia-se, certamente, à ati-tudo tranquila do seu adversário que não deixava transparecer no seu rosto a mais leve emoção. Por nenhum dos seus movimentos, poderia suspeitar qual fosse o seu jogo. Isso resultava deprimente para Paul Adams, que se sentia subjugado pela calma de Ron Delaney.
— Três mil dólares!
Adams julgara acobardar o seu adversário. Este, porém, empurrou para o meio da mesa o dinheiro, replicando:
— Aceito!
O dono do «saloon» deixou as cartas, com um gesto vitorioso. Tratava-se de um bom «full», mas sentiu-se desfalecido ao ver o jogo de Ron: um «full» de ases. Havia perdido.
Paul Adams pegou nas cartas. Ia jogar tudo por tudo. A sua habilidade era prodigiosa, estando decidido a fazer batota, convencido de que o seu parceiro não o surpreenderia. Ron contemplou-o por instantes. Tinha a certeza do que ia acontecer e estava disposto a atuar com energia. O homem que estava na sua frente não tinha escrúpulos.
Era capaz de todas as poucas vergonhas para conseguir o seu objetivo. Ao ver como ele baralhava as cartas, não pôde deixar de esboçar um sorriso. Adams deu cartas. Ron pegou nelas e examinou-as, com a sua habitual indiferença. Como já tinha um trio na mão, aquele jogo obrigava-o a jogar forte. Empurrou com a mão um maço de notas de Banco. Adams esboçou um sorriso de triunfo. Viu que o seu adversário ia cair na esparrela.
— Quanto é? — inquiriu.
— Dois mil dólares.
— Aceito.
Ron deixou cair as cartas, Adams entregou-lhe outras; ao ir fazer o mesmo- para si, ficou petrificado, quando ouviu a voz fria de Ron:
— Esteja quieto, Adams!
— Que quer dizer?
— Quero dizer que deixe as cartas na mesa.
— Acusa-me de fazer batota?
— O senhor o disse.
As pálpebras de Adams agitaram-se convulsivamente, os seus dedos crisparam-se. Sem embargo, obedeceu à ordem do seu antagonista, enquanto um denso silêncio se fazia à sua volta.
— Pegue nas cartas de cima.
Como um autómato, fez o que Ron lhe indicava. Olhou o seu jogo. Só tinha um trio de reis. O que faltava para ligar o póquer estava debaixo do baralho.
— Mais dois mil dólares! — disse o jovem.
Adams, despeitado, atirou as cartas. Mas Ron, com um movimento rápido, apoderou-se delas, voltou-as para cima e pondo a descoberto os três reis, levantou o baralho e apareceu o outro rei. Ouviu-se um murmúrio de indignação e o rosto de Adams tornou-se lívido. A sua mão moveu-se com rapidez e apareceu nela um pequeno «Derringer». Estava desesperado. Conhecia a rapidez do seu adversário. Mas tratava-se da única possibilidade de livrar-se dele: matar Ron e fugir a galope, deixando todos os lucros obtidos.
Ron Delaney não defraudou os espectadores. A sua destra moveu-se com uma rapidez espantosa e o seu tiro evitou o de Adams, que soltou uma horrenda imprecação ao sentir a mão ferida.
Olhou desesperado à sua voltar
Na sua frente, Ron ainda lhe apontava o «Colt». Não podia escapar. Até aos seus ouvidos chegou o murmúrio dos clientes do «saloon». Esses comentários foram-se elevando. Toda a gente estava indignada, pela sua vil conduta. Estremeceu ao ouvir um grito, seguido de um coro, que se repercutiu no «saloon», como um eco.
— Morra Adams!
— Morra!...
— É um trapaceiro!
— É preciso linchá-lo!
Uma mão agarrou-lhe o ombro. Permaneceu imóvel. Babe Custer agarrou essa mão e obrigou-a a soltá-lo, enquanto Ron ordenava:
— Todos quietos. Este homem pertence-me.
Mas um dos clientes avançou para ele.
— É preciso fazer justiça. Adams tem estado a fazer pouco de nós e a roubar-nos.
— Para trás! Dispararei contra todo aquele que der mais um passo.
A sua atitude firme impôs-se. Todos compreenderam que o forasteiro era capaz de cumprir a sua ameaça. Já tinha realizado duas magníficas exibições de pontaria. E essa era a terceira.
— Que quer o senhor? — perguntou Adams, passando a língua pelos lábios ressequidos.
— Fazer-lhe uma oferta: todo este dinheiro pelo «saloon».
Um clarão de esperança passou pelos olhos de Paul Adams. Em cima da mesa devia haver aproximadamente quinze mil dólares. Se lhe tivessem feito uma hora antes idêntica oferta, ter-se-ia deitado a rir, desdenhosamente. Mas nesse instante, estava disposto a aceitá-la.
— O senhor é muito generoso, Delaney!
O jovem fitou-o. Mas não era o que ele pensava. No tom de Paul Adams não existia a mais leve sombra de ironia. Era sincero.
— O senhor não merece esta oportunidade.
— Eu sei. Mas prometo mudar de vida.
— Isso é consigo... Num lugar ou noutro, acabarão por enforcá-lo.
— Pois garanto-lhe que não acontecerá isso.
Esta troca de palavras foi num tom tão baixo que os homens que os rodeavam não as perceberam. Estavam impacientes e pareciam um bando de feras, ávidas de sangue. Um deles, disse:
— Delaney! Não pode impor o seu capricho.
Ron voltou-se, olhando-o de frente:
— Acabo de comprar este «saloon» e Paul Adams partirá daqui, para sempre... Para não mais voltar. Alguém se opõe a isso?
Olhou à sua volta e viu todos os olhares baixos. Ninguém foi capaz de sustentá-lo. Adams levantou-se para ir buscar uma garrafa de uísque. E despejou um jorro da aguardente sobre a ferida, enrolando depois um lenço na mão. Pela primeira vez, após a sua derrota, sorriu.
— Quer vir legalizar a sua compra, Delaney?
— Sim!
Logo que entraram no escritório, Adams não pôde simular mais o valor que mostrara. Caiu, então, na cadeira, com a cabeça entre as mãos.
— Isto foi horrível, Delaney! Jamais lhe poderei pagar o que o senhor acaba de fazer por mim. Esses homens queriam linchar-me. Não sei se o senhor já presenciou um linchamento! Eu já Foi em Kansas... É uma coisa horrível. Esses homens, transfigurados, pareciam feras. Todos eles queriam bater no desgraçado que não tardou em ficar feito num frangalho, destroçado, irreconhecível. Eu prometi sempre fazer com que não chegasse a essa situação e há pouco estive por um triz a ter esse fim horripilante. Devo-lhe a vida...
Ron sentiu desvanecer-se o rancor que aquele homem lhe inspirara. Via-o abatido, amarfanhado, e com o pavor estampado nos olhos. Não tinha dúvida. Aquele homem estava arrependido das suas culpas passadas.
Se até então resolvera salvá-lo, por não ser o causador do seu linchamento, nesse momento era um novo sentimento, o afã de contribuir para a sua reabilitação.
— Tranquilize-se, Adams.
— Nunca poderei pagar-lhe quanto fez por mim — e acrescentou, sorrindo ironicamente: —Inclusivamente, se o senhor quisesse, a sua bala ter-me-ia liquidado.
Já tranquilo, endireitou-se na cadeira e pegando numa folha de papel, com o seu timbre, impresso no alto, começou a escrever. Quando acabou, com a maior naturalidade, estendeu a folha de papel para Ron.
— Favor com favor se paga, Delaney. Tenha muito cuidado com Bert Savold. Ele está resolvido a matá-lo.
Depois de ler o que ele escrevera, Ron dobrou o papel, guardando-o no bolso, e retorquiu :
— Savold não me preocupa. Sei como devo de tratá-lo.
— Ontem à noite julguei que as suas palavras eram simples bravata. Agora, tenho a certeza de que não eram.
Em vez de responder-lhe, Ron contou as notas e entregou-lhas. Adams guardou-as numa algibeira interior. Abriu a gaveta da secretária e tirou dela alguns objetos que lhe pertenciam.
— Agora, peço-lhe o último favor. Acompanhe-me até aos arredores da povoação.
— Já tencionava fazer isso.
— O senhor é um grande homem.
Ron sorria emocionado. Nunca julgara que o reconhecimento de um homem daqueles o impressionasse tanto. A mão de Paul Adams não tremeu quando fez girar o punho da porta. De novo, era senhor de si mesmo. Deitou um último olhar ao seu escritório e saiu com passo firme.
Quando desapareceram, o rumor das conversações cessou. Babe Custer, que permanecia encostado à parede, foi ao seu encontro. Trocou um olhar com o seu amigo, sem fazer qualquer pergunta. Limitou-se a colocar-se no outro lado de Adams, que ficou no meio dos dois.
Saíram do «saloon» e, pouco depois, chegavam a um curral, sem que ninguém se atrevesse a ir atrás deles.
O moço do curral acordou sobressaltado, ao ouvir que o chamavam e apressou-se a arrear os seus cavalos. Adams deu-lhe cinco dólares, deixando-o assombrado ante aquela esplêndida gorjeta. Não tardaram em sair da povoação e galoparam durante bastante tempo, até que Paul Adams deteve a sua montada. Em silêncio, apertou com força as mãos dos dois amigos, dizendo-lhes:
— Muito obrigado, por tudo!
Ron e Babe não retorquiram, ficando imóveis, até que o rumor produzido pelos cascos do animal se perdeu no silêncio da noite. Os dois amigos olharam-se, então.
— Alegro-me tê-lo salvado! — observou Ron.
— E eu compartilho dessa alegria — disse, por sua vez, Babe. — Ter-me-ia desagradado que o linchassem.
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